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Do Solicitador: o Direito de Retenção e a Acção de Honorários

CAPÍTULO II. AS PROVISÕES POR CONTA DE DESPESAS E HONORÁRIOS

6. MODALIDADES DE LIQUIDAÇÃO E A GARANTIA DOS HONORÁRIOS

6.1. Do Solicitador: o Direito de Retenção e a Acção de Honorários

Com a conclusão do caso, o solicitador poderá obter do seu cliente certa oposição aquando do pagamento dos seus honorários e despesas, quer pelo insucesso do caso, quer pela falta de carácter do cliente, quer por outros quaisquer motivos pelos quais o cliente entenda que não deve ou não queira proceder ao pagamento de tal remuneração. Desta forma, à semelhança do antigo art.º 111.º, n.º 4, do ECS97, o legislador consagrou no art.º 145.º, n.º 3, do EOSAE98, em consonância com os art.os 754.º a 761.º, do CC, o direito

96 Vide art.º 4.º, al.ª g), da Lei n.º 25/2008: «Estão sujeitas às disposições da presente lei as seguintes

entidades, que exerçam actividade em território nacional: (…) Notários, conservadores de registos, advogados, solicitadores e outros profissionais independentes, constituídos em sociedade ou em prática individual, que intervenham ou assistam, por conta de um cliente ou noutras circunstâncias, em operações: i) De compra e venda de bens imóveis, estabelecimentos comerciais e participações sociais; ii) De gestão de fundos, valores mobiliários ou outros activos pertencentes a clientes; iii) De abertura e gestão de contas bancárias, de poupança ou de valores mobiliários; iv) De criação, exploração, ou gestão de empresas ou estruturas de natureza análoga, bem como de centros de interesses colectivos sem personalidade jurídica; v) Financeiras ou imobiliárias, em representação do cliente; vi) De alienação e aquisição de direitos sobre praticantes de actividades desportivas profissionais; (…)».

97 Redacção do art.º 111.º, n.º 4, do ECS: «O solicitador goza do direito de retenção de valores e

objectos em seu poder até integral pagamento dos honorários e despesas a que tenha direito.»

98 Redacção do art.º 145.º, n.º 3, do EOSAE: «O solicitador, apresentada a nota de honorários e

despesas, goza do direito de retenção sobre os valores, objetos ou documentos referidos no número anterior, para garantia do pagamento dos honorários e o reembolso das despesas que lhe sejam devidos pelo cliente, a

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inerente ao solicitador em reter todos os valores, objectos ou documentos que se encontrem na sua posse mas que são da pertença do seu cliente.

Portanto, em face do exposto, o direito de retenção será assim o direito que cai na esfera do credor quando o «devedor disponha de um crédito contra o seu credor (…) se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados», de acordo com o art.º 754.º, do CC. Todavia, esse direito apenas se constituirá quando o solicitador apresente a nota de honorários ao seu cliente, de acordo com o citado art.º 145.º, n.º 3, do EOSAE, uma vez que será através dessa nota que o solicitador procederá à fixação da remuneração a que tem direito pelos seus serviços prestados e, assim, passará a ser do conhecimento do cliente o valor que estará em causa e a que respeitam.

No entanto, estabeleceu o legislador que assim não será quando se verifica que estejam em causa coisas necessárias que constituam prova do direito do cliente99, que o exercício do direito de retenção do solicitador causará prejuízos graves ao seu cliente, de acordo com o art.º 145.º, n.º 3, in fine, do EOSAE, e, que, por fim, seja prestada caução arbitrada pelo conselho profissional, nos termos do art.º 145.º, n.º 4, do EOSAE100 e dos art.os 755.º, n.º 1, al.ª c)101 e 756.º, al.ª d)102, ambos do CC. Denote-se que, havendo prestação de caução, será o Conselho Profissional a intervir enquanto entidade arbitral, de acordo com o art.º 45.º, al.ª h), do EOSAE103.

Por outro lado, com o acionamento do direito de retenção, o solicitador adquire certos deveres, nomeadamente, o de conservar a coisa retida como se fosse o seu proprietário, o de não usar a coisa se autorização prévia do autor do penhor, a não ser que menos que os valores, objetos ou documentos em causa sejam necessários para prova do direito do cliente ou que a sua retenção cause a este prejuízos irreparáveis.»

99 Note-se que, não desvalorizando o direito de crédito do solicitador e considerando que o mesmo se

encontra reconhecido, o cliente que necessite de certo documento para provar determinado direito, não verá recusado o acesso a esse mesmo documento, uma vez que prevalece o direito do cliente.

100 Redacção do art.º 145.º, n.º 4, do EOSAE: «Deve, porém, o solicitador restituir tais valores e

objetos, independentemente do pagamento a que tenha direito, se o cliente tiver prestado caução arbitrada pelo conselho profissional.»

101 Redacção do art.º 755.º, n.º 1, al.ª c), do CC: «1 - Gozam ainda do direito de retenção: (…) c) O

mandatário, sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues para execução do mandato, pelo crédito resultante da sua actividade; (…)».

102 Redacção do art.º 756.º, al.ª d), do CC: «Não há direito de retenção: (…) d) Quando a outra parte

preste caução suficiente.»

103 Redacção do art.º 45.º, al.ª h), do EOSAE: «Compete a cada conselho profissional: (…) h)

Constituir tribunais arbitrais e nomear os seus presidentes para resolução de conflitos, nomeadamente referentes a delegações para a prática de atos, honorários ou cálculo do valor das participações sociais, entre colegas que exerçam a mesma atividade profissional ou entre sócios da mesma sociedade profissional; (…)».

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tal acção sem consentimento seja necessária para a referida conservação e, ainda, o de entregar a coisa assim que se verifique a extinção da obrigação, de acordo com o art.º 671.º, do CC104. Com isto, o mesmo se entenderá que o solicitador não poderá cobrar uma divida em dinheiro ao seu cliente, elaborar a nota de honorários e remeter ao seu cliente e, sem o seu consentimento e apenas entregar o valor resultante do valor recuperado deduzido dos honorários do solicitador, à semelhança do que se sucede com o agente de execução quando existe produto de penhora ou de venda. É também esse o entendimento de FERNANDO SOUSA MAGALHÃES, afirmando que «Não pode também o advogado [diga-se solicitador], que tenha cobrado um crédito em dinheiro do seu constituinte, remeter-lhe a nota de honorários e, sem o seu acordo, deduzir estes no montante do crédito cobrado para lhe remeter apenas o saldo apurado»105.

Portanto, importante é notar que o facto de, possuindo o solicitador o direito de retenção, não significará que poderá dispor das coisas retidas de forma imediata. Será sustentável que, uma vez exercido o direito de retenção pelo solicitador, deverá o mesmo intentar de imediato a respectiva acção de honorários, nos termos do art.º 73.º, do CPC106, ou requerer a intervenção do Conselho Profissional, para efeitos do art.º 145.º, n.os 4 e 5, do EOSAE107, quando o solicitador se encontre em profundo desacordo com o seu cliente relativamente à sua nota de, quer a mesma tenha sido ou não aprovada pelo cliente incumpridor108.

104 Redacção do art.º 671.º, do CC: «O credor pignoratício é obrigado: a) A guardar e administrar

como um proprietário diligente a coisa empenhada, respondendo pela sua existência e conservação; b) A não usar dela sem consentimento do autor do penhor, excepto se o uso for indispensável à conservação da coisa; c) A restituir a coisa, extinta a obrigação a que serve de garantia.»

105 Fernando Sousa Magalhães, Estatuto (…), pp. 163.

106 Redacção do art.º 73.º, do CPC: «1 - Para a ação de honorários de mandatários judiciais ou técnicos

e para a cobrança das quantias adiantadas ao cliente, é competente o tribunal da causa na qual foi prestado o serviço, devendo aquela correr por apenso a esta. 2 - Se a causa tiver sido, porém, instaurada na Relação ou no Supremo Tribunal de Justiça, a ação de honorários correrá no tribunal da comarca do domicílio do devedor.»

107 Redacção do art.º 145.º, n.º 5, do EOSAE: «Pode o conselho profissional, antes do pagamento e a

requerimento do solicitador ou do cliente, mandar entregar a este quaisquer objetos e valores quando aqueles que permaneçam em poder do solicitador sejam manifestamente suficientes para garantir o pagamento do crédito.»

108 Indo de encontro ao referido em Orlando Guedes da Costa, Direito Profissional (…), Coimbra,

2008, pp. 262: «O Advogado que tenha em seu poder valores sobre os quais pretenda exercer o direito de retenção e que esteja em desacordo com o seu cliente por causa dos honorários deve instaurar imediatamente a acção de honorários, não nos parecendo que seja defensável a jurisprudência segundo a qual o Advogado só goza do direito de retenção quando a conta tenha sido aprovado pelo constituinte.»

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Note-se, por último, que a referida acção de honorários poderá ser intentada mesmo que não esteja em causa o direito de retenção a favor do solicitador, mas esteja em causa a falta de pagamento da sua nota de honorários e despesas.