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Capítulo 1 – Revisão da literatura

3. Colaboração entre o docente de educação regular e o docente de educação especial

3.3. Docente de educação regular e docente de educação especial

A manutenção de funções e estatutos diferenciados entre estes dois grupos de docentes restringe, segundo Kugelmass (1991 cit. por Valverde, 2006), as formas de ensino para o atendimento dos alunos com NEE, na sala de aula. O autor propõe que se eliminem as barreiras que separam os docentes de educação regular e os de educação especial, a fim de se desenvolverem culturas de cooperação que orientem a escola para a inclusão. Esta redefinição do papel de ambos é necessária para unificar o sistema educativo, proporcionando a indispensável colaboração na resolução dos problemas práticos. Aliás, na perspetiva da inclusão, a articulação entre os docentes do ensino regular com os de educação especial deve ocorrer em todos os níveis e etapas do ensino.

No mesmo sentido, Porter (1997) afirma:

«As abordagens tradicionais de Educação Especial encorajando os professores a encaminhar as dificuldades para especialistas que diagnosticam prescrevem e, invariavelmente, providenciam ensino alternativo para os alunos, são conducentes a uma interiorização por parte dos professores do Ensino regular de que não é competente e não está qualificado para garantir a educação dos alunos com problemas

Os docentes devem coordenar os seus esforços e, nesse sentido, Pugach (1995 cit. por Valverde, 2006) aponta que, para se melhorar as práticas inclusivas, é preciso promover o diálogo interativo entre os docentes de educação especial e os docentes de grupo/turma. Pelo contrário, ambientes que apoiam pouco os professores e não promovem as interações entre docentes nem proporcionam os recursos necessários para o trabalho na sala de aula reduzem a eficácia do ensino inclusivo e contribuem para um menor empenho profissional (Rosenholtz, 1989 cit. por Valverde, 2006). Na realidade, o docente regular não precisa de ter todo o conhecimento necessário para o atendimento dos alunos com NEE na sua sala de aula, mas «deve ser disponibilizado um sistema de apoio que o assista e o torne capaz de resolver problemas de forma cooperativa e colaborativa» (Correia, 2008a, p. 50).

O modelo do docente de educação especial, visto como um expert com recursos e técnicas especializadas não acessíveis à generalidade dos educadores/professores, reforça a cultura individualista das escolas, e é pouco favorável a processos de mudança. Esta separação pode ser ultrapassada, segundo Porter (1997), se os docentes de educação especial atuarem como consultores junto dos outros docentes, desenvolvendo estratégias e atividades em conjunto para apoiar os alunos com NEE e utilizando alternativas de ensino que possam superar os problemas do quotidiano na sala de aula. Na realidade, o docente de educação especial é um profissional qualificado, cujo trabalho decorre não só com os professores e os alunos, mas também a administração escolar e as famílias, estabelecendo ainda a ligação com os serviços da comunidade.

Para Bailey (1997 cit. por Valverde, 2006), esta redefinição de papéis entre os docentes proporciona uma maior eficácia em termos de resultados, sendo a mudança benéfica para todas as partes. Tal pressupõe, contudo, que o docente de educação especial esteja seguro das suas competências, mormente a nível da planificação e do currículo, o que é indispensável para o sucesso da inclusão dos alunos com NEE. Para além disso, «a mudança, para ser atingida com êxito, tem de ser compreendida e aceite pelos que estão implicados nela» (Fullan, 1982 cit. por Valverde, 2006, p. 39).

«A filosofia inclusiva exige mudanças radicais no que diz respeito ao papel do educador ou do professor, passando estes a intervir mais directamente com os alunos com NEE, ao papel do professor de educação especial e do psicólogo, que devem trabalhar mais directamente com os educadores e/ou professores e, também, ao papel de todos os outros agentes educativos e dos pais, que devem assumir participações mais activas nos processos de aprendizagem dos alunos» (Correia, 2008a, p. 50).

Porém, na maioria das escolas, os professores trabalham de forma individual, na planificação, preparação das aulas e do material e lutam por conta própria para resolver os problemas curriculares e de gestão (Morgan, 1993 cit. por Silva, 2011). Deveras, o trabalho docente é realizado individualmente, mesmo quando os professores colaboram uns com os outros, porque tal colaboração só muito raramente se verifica no ambiente das salas de aula (Correia, 2008a). Embora, no plano teórico, o trabalho em colaboração pareça merecer uma concordância generalizada entre os professores, Roldão (2007 cit. por Silva, 2011) considera que não são muito numerosas as práticas que se podem classificar como autêntico trabalho colaborativo, no que se refere ao trabalho conjunto efetivo entre os docentes.

Um estudo realizado por Silva (2011), em escolas portuguesas e espanholas, sobre a articulação entre o professor do ensino regular com o de educação especial, aponta diversas dificuldades de índole prática, tais como:

a falta de coordenação dos horários entre os dois grupos de docentes; o número elevado de horas de trabalho burocrático;

o número elevado de alunos com NEE que são acompanhados no trabalho conjunto entre ambos os grupos de professores.

A dificuldade em coordenar os horários dos professores não lhes permite ter tempo suficiente para um maior envolvimento em práticas colaborativas, constituindo uma limitação resultante das condições de trabalho propostas pelas escolas (Hargreaves, 1998).

A elevada carga de trabalho burocrático também representa outro obstáculo considerável, afirmando Pereira (2004 cit. por Silva, 2011) que, na maioria das reuniões de trabalho sobre coordenação das atividades letivas, não existe um diálogo efetivo e uma partilha de experiências.

Ainda assim, a investigação de Silva (2011) revela alguns aspectos positivos, sendo de salientar a disponibilidade demonstrada pela maioria dos docentes do ensino regular para o trabalho em equipas multidisciplinares. Todavia, nota-se ainda algum receio em relação a todo este processo de mudança, aliado à falta de formação necessária para lidar com os alunos com NEE na sala de aula, principalmente quando os professores não dominam as problemáticas destes, como referem Correia e Martins (2000, cit. por Correia, 2008a). Os estudos de McLeskey e Waldron (2007, cit. por Silva, 2011) realçam

igualmente esse ponto, salientando que o professor do ensino regular não tem formação para atender estes alunos, ou tem pouco tempo disponível para trabalhar em colaboração e proceder a alguns ajustes.

O estudo de Silva (2011) realça a necessidade de as direções escolares redefinirem os horários dos docentes, de modo a que os professores do ensino regular que têm alunos com NEE possam ter tempo para trabalhar em conjunto com os docentes de educação especial, na planificação e construção de materiais de ensino. Isso mesmo é defendido por Hargreaves (1998), quando afirma que compete aos órgãos de gestão das escolas proceder a alterações nos aspetos organizativos, de modo a facilitar o desenvolvimento de práticas colaborativas entre os professores. Assim, impõe-se uma maior flexibilização do horário dos docentes do ensino regular. Além disso, e tendo em conta a importância do trabalho em equipa para a inclusão e o sucesso das aprendizagens, principalmente dos alunos com NEE, é fundamental que sejam criadas nas escolas todas as condições necessárias para uma melhor articulação entre docentes de educação regular e de educação especial, encorajando a planificação, a elaboração de materiais e a avaliação em conjunto (Silva, 2011).

O trabalho colaborativo produz resultados práticos ao nível da inclusão dos alunos com NEE, como mostra um estudo de Creese, Norwich e Daniels (1998 cit. por Silva, 2011), realizado em Inglaterra, onde se conclui que as escolas com culturas colaborativas apresentam menores taxas de abandono escolar e formas mais eficazes para resolver os problemas e dificuldades dos alunos. Deste modo, Ainscow (1997) exorta os professores a refletir sobre as suas práticas, partilhando com os seus pares essas reflexões. Os laços de entreajuda e encorajamento, centrados na cooperação dos docentes de grupo/turma e o docente de educação especial, são uma condição indispensável para o crescimento profissional de toda a classe docente, a partir do qual será possível promover a tão desejada escola de qualidade para todos. Assim se poderá desenvolver uma cultura de colaboração, encarando a diversidade como um fator de enriquecimento e superando com brio e empenho os desafios que a educação inclusiva coloca à escola e aos seus profissionais.

«É necessário ajudar os professores a aperfeiçoar-se como profissionais mais reflexivos e mais críticos (...). Só deste modo poderemos assegurar que os alunos que sentem dificuldades na aprendizagem possam ser tratados com respeito e olhados como alunos potencialmente activos e capazes; só assim, poderemos utilizar as respostas dadas por estes alunos como estímulos ao aperfeiçoamento dos professores» (Ainscow, 1997, p. 21).

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