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Capítulo 1 – Revisão da literatura

3. Colaboração entre o docente de educação regular e o docente de educação especial

3.4. Ensino cooperativo e consultoria colaborativa

O movimento inclusivo exige uma grande reestruturação da escola e da turma regular, com mudanças profundas nos ambientes educativos dos alunos, tanto os que apresentam NEE como todos os outros, uma vez que inclusão não é sinónimo de educação especial (Correia, 1997; Booth e Ainscow, 1998). Ao juntar, na mesma escola, a educação regular e a educação especial, a educação inclusiva dá aos alunos com NEE a oportunidade de aprenderem com os seus pares e experimentarem tudo o que a escola tem para oferecer. O trabalho conjunto entre os docentes torna o ambiente na sala de aula mais colaborativo, dando maior confiança ao professor de turma para lidar com os problemas. Para além disso, «tem sido recorrente a constatação pelos professores de que as melhorias no ensino introduzidas para responder às necessidades educacionais particulares de alguns alunos acabam beneficiando também os demais colegas da sala» (Mendes et al., 2011, p. 90).

A filosofia da educação inclusiva, em que todos os alunos aprendem juntos na mesma sala, requer que os docentes de educação regular e os de educação especial trabalhem em colaboração, combinando o seu conhecimento, experiência e competência profissionais. Isto altera de forma radical o individualismo no ensino, que tem sido a cultura dominante na escola, ao longo do tempo. Agora, os docentes têm de partilhar os objetivos, as decisões, os métodos de ensino, a responsabilidade pelos alunos, a avaliação da aprendizagem, a resolução de problemas e a gestão da sala de aula. Em vez da “minha” turma, os professores devem começar a pensar na “nossa” turma (Mendes et al., 2011).

Porém, abandonar a forma tradicional do ensino a sós, com o controlo absoluto da sala de aula, representa uma mudança difícil, embora necessária, para muitos professores. O objetivo da colaboração é combinar competências para atender da melhor forma às necessidades educativas dos alunos. Como refere Angle (1996, cit. por Ripley, 1997), «o mais importante é que todos os alunos ganham ao ser desafiados por professores colaborativos que acreditam que são responsáveis por todas as crianças na sala de aula». Também Marchesi e Martin (1998 cit. por Valverde, 2006) enfatizam que só a partir de um modelo de cooperação entre docentes poderá emergir uma nova forma de superar as dificuldades resultantes de um ambiente cada vez mais heterogéneo nas escolas.

«O processo de colaboração parece ter mais sucesso quando os participantes partilham a mesma agenda, as pessoas “chave” estão presentes, os papéis de cada um estão bem definidos e é aprovada uma programação com base numa planificação partilhada» (Correia, 2008a, p. 51).

Os docentes de educação especial e os da educação regular que estão altamente empenhados no ensino têm maior motivação para trabalhar juntos na sala de aula (Billingsley, 1993 cit. por Valverde, 2006). Existem duas modalidades principais para o trabalho em equipa entre estes docentes: o “ensino cooperativo” ou “co-ensino” e a “consultoria colaborativa”. Embora ambas sejam formas de colaboração, Gil (2009) salienta que existe uma diferença importante em termos do modo como ela se processa nos dois modelos. O co-ensino significa uma parceria entre ambos os docentes, na sala de aula e com todos os alunos. Quanto à consultoria colaborativa, implica três partes envolvidas: consulente (educador/professor regular), consultor (docente de educação especial) e cliente (aluno com NEE na turma regular). Tal como afirma Correia (2003), as funções do docente de educação especial «são cada vez mais de consultoria, cooperação no ensino e menos de apoio directo» (p. 37). Segundo o mesmo autor (2008a, p. 60), no seu desempenho profissional o docente de educação especial deve:

colaborar com o professor de turma (ensino em coperação);

efetuar trabalho de consultoria (a professores, pais, outros profissionais de educação).

3.4.1. Ensino cooperativo

Bauwens, Hourcade e Friend (1989 cit. por Mendes et al., 2011) foram os primeiros a descrever uma associação entre professores de educação regular e de educação especial, e apelidaram essa relação de ensino cooperativo. Cook e Friend (1995 cit. por Mendes et al., 2011) abreviaram o termo “ensino cooperativo” para “co-ensino” e, progressivamente, clarificaram as características inerentes a uma verdadeira relação de colaboração, definindo o co-ensino como «dois ou mais profissionais dando instruções substantivas para um grupo diverso ou misto de alunos num único espaço físico» (p. 84).

Mais especificamente, o ensino cooperativo é uma estratégia educativa em que um educador/professor regular e um docente de educação especial dividem a responsabilidade de planear, ensinar e avaliar um grupo heterogéneo de alunos. Assim, «os docentes

regulares e os de educação especial estão simultaneamente presentes na sala de aula regular, mantendo responsabilidades conjuntas para o ensino específico que deve ocorrer nesse cenário» (Bauwens et al., 1989 cit. por Ripley, 1997). O co-ensino surgiu como uma alternativa aos modelos integrados de sala de apoio, turmas especiais ou escolas especiais, para apoiar a escolarização de alunos com NEE na turma regular. Em vez destes alunos irem para turmas especiais ou salas separadas, é o professor especializado que vai até à sala de aula e colabora com o docente de educação regular.

A característica que distingue o ensino cooperativo das abordagens mais tradicionais é a colaboração direta entre os docentes regular e de educação especial, que trabalham juntos na mesma sala de aula, como parceiros iguais numa equipa educativa eficiente. As áreas comuns desta colaboração incluem o planeamento conjunto das aulas, a gestão do currículo, o ensino e a avaliação.

«Ao desenvolver e implementar o ensino cooperativo, os profissionais da escola experimentam grandes mudanças na maneira como encaram o trabalho diário. Para superar o inevitável medo e a tensão associados à mudança, os docentes envolvidos devem sentir que são eles os responsáveis pela mudança e que o sucesso ou fracasso da mesma depende directamente deles» (Bauwens & Hourcade, cit. por Ripley, 1997).

Neste modelo de colaboração, ambos os docentes trazem as suas capacidades, experiência e perspetiva pessoais para a sala de aula, combinando recursos e destrezas que vão torná-los mais eficazes no atendimento das necessidades de todos os alunos. Porém, o trabalho em equipa não envolve apenas os docentes, mas também compromete os gestores e a própria comunidade. A administração da escola desempenha um papel de liderança muito importante, ao facilitar os esforços de colaboração pelo corpo docente.

Naturalmente, tudo isto requer tempo, apoio, recursos, monitorização e, acima de tudo, persistência. No entanto, o maior problema é o tempo para planear o trabalho conjunto, que representa o passo inicial para o seu desenvolvimento no terreno. Walther- Thomas et al. (1996 cit. por Ripley, 1997) salientam cinco temas centrais neste planeamento conjunto:

confiança nas competências do parceiro;

conceção de ambientes de aprendizagem que requerem a participação ativa, tanto dos docentes como dos alunos;

criação de ambientes de ensino e aprendizagem em que as contribuições de cada pessoa são valorizadas;

desenvolvimento de rotinas eficazes para facilitar o planeamento em profundidade;

aumento da produtividade, criatividade e colaboração ao longo do tempo.

Os resultados de várias pesquisas sobre as escolas onde o ensino cooperativo está a ser praticado indicam benefícios, tanto para os alunos com NEE como para os seus pares. Num estudo de Walther-Thomas et al. (1996 cit. por Ripley, 1997), para avaliar a colaboração entre docentes numa perspetiva de inclusão, observaram-se melhorias que foram sobretudo atribuídas a uma maior disponibilidade do professor e mais oportunidades para apoio individual, com um menor número de alunos para cada docente.

Os alunos com NEE aumentaram a autoestima, ficaram mais motivados e melhoraram tanto na área académica como na social, desenvolvendo relacionamentos positivos com os seus colegas. No conjunto, todos os alunos ganharam uma maior compreensão sobre as diferenças e a aceitação dos outros. Para além disso, desenvolveram uma forte consciência pessoal, com a apreciação das suas próprias capacidades e realizações, e aprenderam a valorizar-se a si mesmos e aos outros como indivíduos únicos.

Por sua vez, os docentes envolvidos relataram crescimento profissional, entreajuda pessoal e um aumento da motivação para ensinar. A colaboração no trabalho conjunto melhorou as suas competências profissionais a nível do planeamento, da preparação e do ensino na sala de aula.

3.4.2. Consultoria colaborativa

O modelo de consultoria colaborativa existe desde 1990. A consultoria é um processo que tem seis características principais, assim referidas por Mendes et al. (2011):

1. é uma ajuda ou processo de resolução de problemas;

2. ocorre entre alguém que recebe ajuda e alguém que dá a ajuda e que tem a responsabilidade pelo bem estar de uma terceira pessoa;

3. é uma relação voluntária;

4. tanto quem dá ajuda como quem a recebe partilha a solução do problema;

6. quem ajuda beneficia da relação, de modo que problemas futuros poderão ser controlados com mais sensibilidade e habilidade.

Na escola, a consultoria é realizada pelo docente de educação especial para o docente de grupo/turma e foca-se num problema de trabalho atual do educador/professor. Durante este processo, o docente de educação especial assiste o professor na sala de aula para maximizar o desenvolvimento educacional dos alunos. A consultoria é diferente tanto ao nível da supervisão como do aconselhamento, porque a relação é colaborativa, havendo uma ênfase no papel igualitário do docente consultado. Este também contribui para a resolução do problema, e está livre para aceitar ou rejeitar as soluções recomendadas durante a consultoria (Mendes et al., 2011).

Na consultoria colaborativa, podemos distinguir várias fases (Gil, 2009): identificação e descrição do problema;

desenvolvimento das intervenções; implementação;

avaliação.

Este tipo de colaboração é referido por Correia (2005), que salienta o papel do docente de educação especial na consultoria aos professores, quanto aos problemas de aprendizagem e socioemocionais que o aluno possa apresentar, identificando as suas capacidades, necessidades e interesses. De igual modo, a legislação que define o perfil de formação do docente de educação especial refere as suas competências de consultoria, no âmbito do apoio aos «professores na concepção de projectos educativos e curriculares que propiciem uma gestão flexível dos currículos e a sua adequação às realidades locais, aos interesses e às capacidades dos alunos» (Despacho conjunto n.º 198/99).

A consultoria colaborativa pode ter efeitos importantes, principalmente em relação às mudanças nas práticas dos docentes que tenham alunos com NEE nas suas salas de aula, como referem Mendes et al. (2011). Deste modo, se poderá concretizar cada vez mais o ideal igualitário de modo a tornar reais os princípios tão bem expressos na Declaração de Salamanca:

«Cada escola deve ser uma comunidade, conjuntamente responsável pelo sucesso ou insucesso de cada aluno. É a equipa pedagógica, mais do que o professor individual, que se encarregará da educação das crianças com necessidades especiais, convidando, também os pais e voluntários a desempenharem um papel activo no trabalho da escola.

Os professores exercem, no entanto, acção fundamental como gestores do processo educativo, apoiando os alunos na utilização de todos os recursos disponíveis quer dentro quer fora da sala de aula» (Unesco, 1994, p. 24).

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