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Doenças buco-dentárias como problemas de saúde pública: contexto latino-

CAPITULO 1. CAPITULO I: BASES CONCEITUAIS E INTERFACES ENTRE

1.3 BIOÉTICA, SAUDE PUBLICA E DIREITO À SAÚDE BUCAL

1.3.1 Doenças buco-dentárias como problemas de saúde pública: contexto latino-

A influência das condições de vida na saúde bucal tem sido estudada amplamente em diversas pesquisas; estudos tem demonstrado que, a progressão e agravamento da saúde da boca, é uma repercussão da baixa renda familiar e individual, do precário acesso aos serviços, das escassas redes de comunicação social, entre outros (1). Portanto, afirma-se que a privação socioeconômica

8 Conflitos de deveres

constitui-se em um grande obstáculo para alcançar uma saúde buco-dentária, congruente com uma vida digna.

Estudo realizado no Brasil, no qual foram entrevistados moradores de uma comunidade do Estado do Ceará, revelou que ir ao dentista para receber tratamento, é considerado um luxo, e não como um direito humano (1), assim, a perda dentária9 é motivada pela baixa renda e pelas barreiras no acesso aos serviços odontológicos. Deste modo, vislumbra-se que a falta de acesso, disponibilidade, aceitabilidade e qualidade dos serviços odontológicos decorre das desigualdades sociais.

Flores e Drehmer (45), enfatizam que as expectativas da resolutividade dos serviços odontológicos, representam um condicionante na decisão do indivíduo de tratar ou não tratar os dentes. Quer dizer, um paciente que dificilmente encontra acesso à rede pública, será atendido em serviços odontológicos, no qual, as restaurações dentárias são executadas com baixa qualidade técnica, fato que acarreta sua menor durabilidade. Essa situação gera para o paciente que, a ideia de que, a extração dentária, constitui-se na melhor solução para a cárie10, e não é concebida como uma mutilação. Em contraponto, a odontologia moderna e os múltiplos avanços biotecnológicos desse campo, motivam o profissional a evitar a realização de extrações, promovendo uma odontologia baseada na preservação dos dentes. Nesse sentido, é plausível afirmar que as novas técnicas de restauração e reabilitação dentárias, de alta qualidade, são dirigidas a determinadas parcelas da população, revelando o caráter elitista desse tipo de tratamentos.

9 Considerada o pior desfecho para a doença da cárie.

10 Doença crónica resultante da dissolução mineral dos tecidos dentários proveniente da produção de ácidos produzidos por bactérias quando estas metabolizam carboidratos, especialmente, sacarose, oriunda da dieta. (47).

Saliente-se que a baixa renda também está intimamente relacionada à ocorrência da doença periodontal11, e por sua vez, influencia a aparição de doenças crônicas, em razão dos fatores de risco compartilhados. Pesquisa que caracterizou a prevalência e a distribuição geográfica dessa patologia em adultos brasileiros em 2010, demonstrou o aumento da enfermidade com respeito ao inquérito de saúde bucal realizado em 2003. Ademais, o estudo ressaltou que essa prevalência se apresentou entre os mais velhos, pretos, pardos e aqueles com menor grau de escolaridade e renda familiar (46). Como se vê, as desigualdades sociais não somente refletem na perda dentária ocasionada por cáries, mas também, naquelas perdas ocasionadas pela doença periodontal.

Acrescente-se que a falta de realização, respeito e proteção do direito à saúde bucal, é manifesta na dentição da população. Assim, Moreira et al (1), denominaram essas marcas como os “dentes da desigualdade”, que revelam discriminação, estigmatização e injustiças sociais. Essa asserção se coaduna com a associação existente entre patologias como a doença periodontal e a redução da coesão social (46).

Segundo Abadia-Barrero, a prática odontológica é um cenário de reprodução das desigualdades sociais. O autor enfatiza que não existe uma discussão bioética sobre as necessidades em saúde bucal das populações que vivem na pobreza ou, que não podem pagar os tratamentos adequados e oportunos; nessa linha, a condição socioeconômica do paciente é determinante do tratamento que recebe (49).

Diante desse quadro, é possível estabelecer a interface entre a bioética, o direito à saúde bucal e a saúde pública, representada na dignidade dos pacientes que sofrem consequências graves de saúde geral e de exclusão social por falta de acesso, disponibilidade, aceitabilidade e qualidade dos cuidados odontológicos.

11 Definida como doença inflamatória dos tecidos de suporte dos dentes, causada por grupos de microrganismos específicos, que resulta na destruição progressiva do ligamento periodontal e osso alveolar, com formação de bolsa, retração ou ambas (48).

Isto é, a saúde bucal das pessoas está permeada por questões éticas, que devem ser analisadas sob o prisma dos direitos humanos.

A falta de qualidade e a precária segurança do paciente nos serviços, bens e instalações odontológicas, representada na oferta de tratamentos mutiladores (exodontias) como único recurso terapêutico disponível e a exclusão social por determinadas características buco-dentárias que refletem baixa qualidade dos cuidados odontológicos, são temáticas que devem incluir-se no debate bioético fundamentado nos direitos humanos, porquanto são práticas violadoras do direito à saúde bucal. Consequentemente, princípios bioéticos estão sendo desrespeitados pelos Estados e pelas instituições de saúde.

Essa problemática faz parte dos direitos humanos e da saúde pública, em razão de tratar-se de dilemas que envolvem a relação entre indivíduo e Estado. Como referido, a saúde pública está vinculada ao desenvolvimento e execução de políticas públicas, visando ao melhoramento da saúde das populações. Diante das situações expostas, constata-se que as políticas públicas de saúde bucal, não estão sendo formuladas a partir do paciente, como eixo central dos cuidados em saúde bucal, titular do direito a cuidados odontológicos altamente qualificados e seguros. Igualmente, é possível inferir que, esse tipo de política desconsidera a abordagem dos direitos humanos.

No próximo item serão expostas as situações relacionadas à prática odontológica que remetem à vinculação entre bioética, direito à saúde bucal e saúde pública.