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Dois discursos sobre a diversidade nas políticas educacionais do ensino superior:

2.1 Onde está a diversidade?

2.1.1 Dois discursos sobre a diversidade nas políticas educacionais do ensino superior:

A diversidade aparece nos dispositivos oficiais sob dois prismas: a ausência e o disciplinamento. Em linhas gerais, o “outro” é tratado nos dispositivos oficiais a partir de uma concepção genérica, muitas vezes apenas como uma questão da ordem do direito, sem contemplar processos de subjetivação e identitários.

No que toca ao ensino superior, este é regido pela Secretaria de Educação Superior (SESu), instância do Ministério da Educação. Segundo disposto no site da SESu, esta é “responsável por planejar, orientar, coordenar e supervisionar o processo de formulação e implementação da Política Nacional de Educação Superior” (BRASIL, 2014b). Nesse sentido, considero imprescindível analisar, em seus programas e ações, o que a unidade do MEC responsável pelo ensino superior traz acerca da diversidade. Neste sentido, alguns programas merecem destaque, tais como: Programa Incluir, Programa Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior (Promisaes), Programa Universidade Para Todos (ProUni) e Programa de Estudantes Convênio de Graduação (PEC-G). Outros programas, quando abordam a questão

61 da diversidade só o fazem de maneira transversal ou secundária, fugindo ao escopo deste trabalho seus detalhamentos.

No que tange a pessoa com deficiência, existe uma ação para atingir esse público-alvo de uma diversidade restrita. Trata-se do Programa Incluir (elaborado em parceria com a SECADI) que em sua apresentação afirma propor

ações que garantem o acesso pleno de pessoas com deficiência às instituições federais de ensino superior (Ifes). O Incluir tem como principal objetivo fomentar a criação e a consolidação de núcleos de acessibilidade nas Ifes, os quais respondem pela organização de ações institucionais que garantam a integração de pessoas com deficiência à vida acadêmica, eliminando barreiras comportamentais, pedagógicas, arquitetônicas e de comunicação (BRASIL, 2014b, grifos meus).

Mais do que se restringir à criação de núcleos de acessibilidade nas universidades, que muitas vezes se limitam às questões arquitetônica e/ou comunicacionais, o Programa propõe “eliminar barreiras comportamentais e pedagógicas” que são inerentes ao processo de relações que envolvem a diversidade. Eliminar barreiras comportamentais e pedagógicas pode trazer como consequência a possibilidade de se pensar o processo nomeado de “inclusão”, que é a garantia do acesso e da permanência de pessoas com deficiência, para além do acesso meramente físico e arquitetônico. A eliminação dessas barreiras, em minha análise, poderia garantir o acesso discursivo, no sentido de que este sujeito esteja também incluído nos discursos proferidos na universidade, e de que este sujeito se reconheça nesses discursos e sejam construtores de novos discursos sobre si, seus grupos sociais e sobre a sociedade. Inclusão no sentido de não estar ali como “incluído”, como um “outro”, mas como um sujeito e seus processos globais de subjetivação e identitários.

Analiso o discurso do Estado acerca da pessoa com deficiência, fazendo uso do que Bauman (1998) designa como produção de “estranhos”. Analisando as políticas educacionais acerca da “inclusão” do aluno com deficiência, penso que em nada a diversidade se apresenta. O aluno com deficiência é tratado como um “estranho” ao ensino regular, que conquistou o direito de frequentar a escola. Mas a frequenta sendo ainda um “estranho”, não há uma inclusão do ponto de vista discursivo, aquele sujeito não faz parte do discurso pedagógico.

O que estou analisando vai além da justificativa da exclusão como ignorância ou falta de acesso a informações, para dar conta de uma organização cognitiva do sujeito moderno em seus grupos sociais para se constituir enquanto tal, minorando outros sujeitos em outros grupos sociais. Bauman (1998, p. 27) aponta isso quando afirma que “todas as sociedades produzem estranhos”, embora “cada espécie de sociedade produz sua própria espécie de

62 estranhos e os produz de sua própria maneira, inimitável”. Mas o mesmo autor demarca que a sociedade moderna, mais especificamente o Estado moderno, se consolidou como a forma de organizarmo-nos socialmente com mais refinamento na produção de estranhos. Através de seus mecanismos de ordenação, aglutinaram-se divisões, classificações, distribuições e fronteiras claras entre a ordem e o que não era ordem, o caos, os “outros”. Com as transformações sociais na modernidade, Bauman (1998) até considera que o processo de produção de estranhos também sofreu sua “liquidez”, mas mesmo com a maior aceitação (em alguns casos necessidade de inclusão) dos estranhos pela sociedade líquida, “eles” continuam aí como "outro”.

Esta disponibilidade em tratar as questões subjetivas e sociais da pessoa com deficiência, como afirmada na apresentação do Programa Incluir, se ausenta em seu documento orientador (BRASIL, 2013), no qual novamente acessibilidade volta a ser tratada como uma questão meramente arquitetônica e urbanística. Em nenhum momento, a não ser na apresentação, o debate se volta para as questões “comportamentais e pedagógicas”, Permanece a concepção da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), que trata inclusão como garantia de acesso e permanência e que produz um contexto “inclusivo” no Brasil, no qual o aluno que é “incluído” é tratado como um “outro”, que está ali para se “socializar” (ALCÂNTARA, 2013).

Moreno (2005) nos fornece uma matriz analítica para pôr em suspensão toda propaganda em prol da inclusão que o discurso do Estado assumiu fortemente no Brasil. O autor venezuelano coloca que

falar de exclusão é falar de distância e ao mesmo tempo de fechamento. Já não se trata de fronteira e sim de muralha, de fora e de dentro. O que está dentro constrói sua muralha e delimita e defende assim seu território. É o que está dentro que constrói a muralha, não o de fora. Não se trata, contudo, da separação de territórios e sim da separação de condições de vida. As muralhas não são feitas de pedra. A exclusão por si mesma não pressupõe necessariamente desigualdade, mas somente quando, como em nosso caso, a exclusão se exerce sobre condições de vida humana. Porque não se trata somente de distintas condições de vida humana, mas de condições nas quais a vida humana torna-se possível, e mesmo em abundância, e condições nas quais a vida humana dificulta-se, chegando a tornar-se impossível. É imaginável uma distinção em igualdade, e portanto em equidade, no que se refere à possibilidade de vida, mas entre nós a distinção se refere a superioridade e inferioridade, a desigualdade na vida. Falar de exclusão supõe inevitavelmente falar também de inclusão. No entanto, de que inclusão e de que exclusão se trata? Em que se está incluído e do que se está excluído? Estou convencido de que no fundo se trata propriamente de possibilidades de vida, mas nestes termos tão crus não são colocadas as coisas, exceto por parte dos que estamos eticamente comprometidos com os excluídos (MORENO, 2005, p. 188-189).

63 Nesse sentido, há uma estreita ligação entre o discurso que fala de exclusão e aquele que advoga pela inclusão. Enquanto houver a manutenção de uma sociedade excludente, haverá a necessidade de se incluir. São processos complementares, que não necessariamente entram no debate sobre as dimensões da diversidade. Por isso, quando o MEC produz um documento que versa sobre a inclusão de pessoas com deficiência na universidade, como o Programa Incluir, ele está atingindo o processo de exclusão desses sujeitos da comunidade universitária. Como bem aponta Moreno (2005), se trata de estar dentro ou fora da muralha. O Estado nada diz sobre nossas relações de diferenciações.

O Promisaes, o ProUni e o PEC-G não funcionam a partir de uma lógica muito diferente. Agora o “diferente” que precisa se incluir não é mais a pessoa com deficiência, mas o pobre. Visam subsídios para o acesso de alunos “pobres” e “estrangeiros de países pobres” ao ensino superior. Em nada problematizam a questão “comportamental e pedagógica”, deixando esses alunos à mercê de uma universidade colonizada. Como no caso da UFMA, na qual invariavelmente surgem casos de racismo e outros tipos de violência dirigidas aos alunos negros. Há garantia ao acesso, há financiamento para permanência, há produção de dados de ordem social com a promoção desses alunos a uma educação de nível superior e uma graduação em uma profissão, mas a questão da diversidade, como estamos tratando, está marcada pela ausência. Novamente não se trata de debater nossas diferenças. Mas de “incluir” quem está fora da muralha para dentro, sem problematizar as condições que eles terão que enfrentar dentro. Isso nos encaminha, então, para pensar que esses debates problematizadores acerca da diversidade devem estar ocorrendo em outras unidades do MEC, como, por exemplo, a SECADI.

Em seu site, a SECADI se apresenta com tal magnitude:

A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) em articulação com os sistemas de ensino implementa políticas educacionais nas áreas de alfabetização e educação de jovens e adultos, educação ambiental, educação em direitos humanos, educação especial, do campo, escolar indígena, quilombola e educação para as relações étnico-raciais. O objetivo da Secadi é contribuir para o desenvolvimento inclusivo dos sistemas de ensino, voltado à valorização das diferenças e da diversidade, à promoção da educação inclusiva, dos direitos humanos e da sustentabilidade socioambiental, visando à efetivação de políticas públicas transversais e intersetoriais (BRASIL, 2014b).

É vazia a concepção de “diferenças e diversidade” que o Estado faz uso para elaborar tal proposta. O que se quer dizer com diferenças e diversidade”? Percebo que esta é a secretaria do MEC que deveria abordar os debates que estamos tratando neste texto, e de certa

64 forma, sob uma mesma percepção de multidimensionalidade da diversidade, enquanto relações de diferenciações. Ela é organizada em diretorias e coordenações específicas que, agindo em parceria, possibilitariam um tratamento mais abrangente sobre a diversidade. A Diretoria de Políticas de Educação Especial (DPEE) possui alguns programas que estabelecem como meta “transformar os sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos”. Porém, nos 12 programas disponibilizados no site por essa diretoria nada há sobre discussão acerca da diversidade. Os programas estão focados no estabelecimento de uma escola inclusiva para a pessoa com deficiência, garantindo a esta o acesso à escola, a acessibilidade arquitetônica, as estratégias de comunicação, a formação específica do professor nas deficiências e atendimentos especializados. O aluno da “inclusão” ainda é o aluno “especial”, insisto, ainda é tratado pelos dispositivos oficiais como o “outro” da escola, mesmo agora estando lá dentro.

A escola é uma instituição que fixa os indivíduos a um aparelho de transmissão de saber, fechando-os em sua arquitetura. E esta arquitetura mantem sua roldana funcionando por um combustível altamente inflamável: o desejo da razão. Esta primazia da razão na sociedade moderna é o que Bauman (1999) considera como processo de ordenação da modernidade. O homem moderno desejou-se racional e para isso traçou normas e instituições que o levariam ao tão sonhado estado de pureza (BAUMAN, 1998). A escola se consolidou nesse processo funcionando como uma instituição zeladora das normas da razão e os professores se formaram condutores na construção do homem racional. A educação, centralizada na escola, como afirma Bauman (2010), tornou-se um imperativo para gerenciar a crise na modernidade. Não somente para conduzir os sujeitos à razão, mas para buscar a invenção do sujeito moderno, a pedagogia iluminista se colocou como legisladora deste sonho, fazendo da escola um “laboratório social”. A inclusão é uma ação desta instituição.

Para legislar, conduzir e inventar o sujeito moderno, a sociedade moderna estabeleceu um sistema de normalização/ordenação. Nesse sentido, como apontado por Foucault (2003a), a escola utilizou toda tecnologia disciplinar, pois era na vigilância que se garantiria a “transformação”. Acredito que nem preciso discorrer sobre exemplos atuais de vigilância, controle, que a escola lança mão para eliminar as “ervas daninhas do jardim da razão”. Um exemplo, entre muitos, relatado por um aluno, conta como, durante um estágio como professor em sala de aula, ele tenta implantar um sistema menos disciplinador com seus alunos em relação às saídas para o banheiro. Ele informa à turma não ser necessária a autorização para ir ao banheiro. Entretanto, esta “regra de autonomia” não funcionou porque

65 os alunos já estavam moldados por seu histórico na escola regida por outros professores. Desta forma, eles continuavam levantando a mão e pedindo autorização para ir ao banheiro. Fiquei pensando quantos alunos já não sofreram advertências por querer ir ao banheiro. Esse é um caso em que a disciplina escolar atinge à fisiologia humana, estabelecendo normas para comer ou ir ao banheiro. Perguntando a qualquer professor o motivo original dessas normas, certamente eles voltarão suas respostas às justificativas da “ordem”, da “educação”, da “disciplina”, inclusive todas elas como sinônimos. É justamente nesses pequenos processos do cotidiano como formar-se enquanto um sujeito que precisa pedir autorização a uma autoridade para comer, falar, andar, ir ao banheiro, que se vai inventando o sujeito moderno escolarizado, desde que nasce até a idade adulta, podendo assim reproduzir esses mesmos comportamentos na sua vida social como um todo.

Bauman (2010) afirma que os legisladores da educação moderna estavam preocupados muito mais em ensinar a obedecer do que especificamente transmitir conhecimentos. A função da SECADI, uma secretaria para lidar com a educação dos “outros”, com todas suas conquistas para seu público-alvo, pode também ser entendida nesse prisma. A preocupação na origem da escola e da pedagogia moderna é o controle da ordem. Estamos imersos em um processo de normalização e ordenação, que muitas vezes vem mascarado como progresso e desenvolvimento, como avanço pela razão, como se o fim último desse processo fosse uma melhor vida para todos. De fato, na busca pela ordem, existe uma justificativa implícita de um paraíso generalizado, porém como aponta Bauman (1999), existe um equívoco central nessa busca: sua ambivalência. Esta ambivalência faz com que esta busca seja eterna, produzindo desordem e ordem, simultaneamente. O “outro” nunca fez parte do discurso da escola, a não ser pela negação.

O que quero apontar aqui é que este processo de construção da modernidade se consolidou apoiando-se na anulação da diversidade e isso ilustra a ausência da

problematização da diversidade nas políticas públicas, mesmo no âmbito da SECADI. As

diferenças tornaram-se um contraponto à ordem, caso ela não fosse normalizada. A que custo chegamos até aqui? O que sustenta a positividade da razão? Quantas “ervas daninhas” não foram arrancadas para que o sonho do jardim continuasse vivo?

A diversidade na SECADI é tratada como um “outro” que busca o direito de frequentar a escola. Mas não há um questionamento, como apontado por Moreno (2005, p. 193), que esse “outro” não é “nem marginal nem excluído, mas simplesmente externo, outro, com sua própria outredad vivida como cotidianidade em seu mundo-da-vida”? Por que não

66 pensar em outra função além desta de fazê-lo viver a ordem moderna? A finalidade da escola é ligar os indivíduos a um aparelho de normalização. Foucault (2003a) distingue a escola das instituições de reclusão, pois se nestas a funcionalidade é excluir, na escola o que ocorre é um sequestro do indivíduo com a finalidade da inclusão e normalização. Ela se caracteriza pela “responsabilidade sobre a totalidade, ou a quase totalidade do tempo dos indivíduos; são, portanto, instituições que, de certa forma, se encarregam de toda dimensão temporal da vida dos indivíduos” (FOUCAULT, 2003a, p. 116). A escola é uma máquina de sequestro porque aprisiona nossa existência e nos produz como sujeitos escolarizados.

Analisando, ainda, as diretorias da SECADI, a de Políticas de Educação do Campo, Indígena e para as Relações Étnico-raciais parecem ir além, no que tange a uma preocupação com o debate acerca da diversidade, embora seus programas e ações sejam fortemente marcados pelo ideal moderno da escola. Este aspecto merece maior estudo, pois quando se trata de diálogos interculturais, pensar o “outro”, a partir de “nós” é um exercício perigoso e desnivela aquilo que Bhabha (1998) chama de entre-lugar. Em especial, o Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (PROLIND) destaca-se, uma vez que abre possibilidade para pensar uma universidade intercultural, embora, insisto, a pergunta ao MEC sobre o lugar da universidade para os povos indígena deveria preceder tal debate.

Sobre a formação de professores indígenas, em destaque sobre o magistério indígena expresso na Resolução CNE/CEB Nº 003/1999, que estabelece a estrutura e administração de escolas indígenas pelos Estados, Coelho (2005, p. 05) aponta que

esta Resolução expressa também a ambigüidade da política brasileira no que se refere à concessão de direitos de cidadania diferenciada. A formação de professores das escolas indígenas será específica e diferenciada, a orientação a esse respeito deverá partir das diretrizes curriculares nacionais e será desenvolvida no âmbito das instituições formadoras de professores. Cabe, portanto, a sociedade brasileira formar esses professores segundo as diretrizes nacionais.

A autora ainda destaca, analisando a experiência de um curso de formação de professores indígenas no Maranhão, que

a escola para indígenas, assim como a formação de professores indígenas, embora acabem por se constituir em espaços diaspóricos, expressam a colonialidade do poder, que se institui na imposição de uma pedagogia, que se dá através da instituição escolar e de saberes que são arbitrariamente eleitos como universais, os saberes ocidentais. Apesar do discurso oficial de concessão de direitos de cidadania diferenciada, a educação escolar para povos indígenas reedita as tendências consideradas espontâneas e naturais de desenvolvimento histórico da sociedade, que toma a sociedade liberal ocidental não somente como a ordem desejável, mas como a única possível (COELHO, 2005, p. 17).

67 As considerações de Coelho (2005), analisando as políticas e as práticas por parte do Estado como marcadas por uma ambiguidade e pela colonialidade, reforçam a análise que venho traçando aqui que as conquistas de se pensar uma educação que compreenda a diversidade é limitada no instante que o Estado não problematiza a própria diversidade. Há uma reprodução de matriz conceitual de mundo, atravessada por valores coloniais, que se sobrepuja aos interesses e lutas dos grupos que historicamente foram inferiorizados por esta lógica colonial. Produzem-se, assim, documento ambíguos, que ora encaminham para uma maior compreensão das diferenças, ora negam o que foi dito e retoma a perspectiva do colonizador.

Ainda há programas específicos das outras diretorias, sendo que cada um deles está voltado para o estabelecimento de uma educação para sua população-alvo (pessoas com deficiência, índios, negros, mulheres, jovens em situação de vulnerabilidade). Incomodou-me, embora fosse esperado, como as especificidades nas políticas públicas são tratadas como totalidades, mesmo em uma secretaria tão múltipla como a SECADI. Mais que entender onde está a diversidade nos programas e ações desta secretaria, me parece que diversidade aqui é tratada como uma soma de diversas partes, que não necessariamente possuem relações intrínsecas. Sintomático, aliás, o extenso nome da secretaria, como se fosse necessário atender um conjunto de atores que, por uma peculiaridade em comum, foram agrupados em uma pasta política. Mais uma vez há a impressão de que a diversidade não é problematizada nesta esfera estatal. Mesmo com a criação de uma secretaria para pensar educação e diversidade, esta é tratada como um objeto não-identificado e funciona à mercê dos ditames e interesses maiores da educação e da escolarização.

Um agravante a esta análise é que, a despeito do Estado, através de seus dispositivos, insistir nesta escola ou em seu revestimento como nova, inclusiva, democrática, tentando reerguê-la para “solucionar” os novos desafios, autores apontam como esta escola vem se tornando obsoleta para a nossa sociedade atual. Alguns autores apontam que a nossa sociedade passou por transformações estruturais ao longo do século XX, o que nos possibilita pensarmos em outro prisma da modernidade. O que se convencionou chamar de pós- modernidade, por Bauman (2010) como “sociedade líquida”, por Deleuze (1992) como “sociedade do controle” e por Noguera-Ramírez (2011), pensando mais especificamente no campo da educação, como “sociedade da aprendizagem”.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em sua obra, deu algumas contribuições para se pensar essas transformações, através da elaboração do conceito de “sociedade liquida”. Os

68 dias atuais apontam para um tempo mutante, no qual as antigas referências sólidas de instituições, ou não, que ofereciam modelos de conduta (tal qual a escola) estão sofrendo fluxos constantes e desregulados. Desta forma, viver o presente não se torna mais parte de um caminho definido e ordenado. Não nos regulamos mais pelo certo e errado, pelo normal e patológico, com fronteiras bem delimitadas. Nesse sentido, o Estado que antes tinha a ordem como tarefa, desocupa sua “função jardineira” (BAUMAN, 1999), de organização, para a esfera privada. Bauman (2010) afirma que nem mesmo o fardo dos “outros” o Estado carrega mais, mesmo que ele ainda guarde uma “soberania básica” e exerça o “direito de excluir”.