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A tese foi organizada em três capítulos, além desta introdução e das considerações finais. A escrita da tese me proporcionou novas descobertas analíticas e reflexões acerca de como estou implicado, enquanto professor do campus, nas questões analisadas. Optei por dar visibilidade às falas dos sujeitos da pesquisa e emitir considerações analíticas, operando com os autores referências que mais atendem aos conteúdos que apareceram do campo empírico e que respondem às minhas perspectivas acerca do objeto investigado.

Nesse sentido, foram expostos três capítulos agrupados em objetivos temáticos amplos. No primeiro capítulo, faço um percurso analítico desde a inserção da UFMA no munícipio de Grajaú, destacando seu cenário político e suas responsabilidades frente às demandas da sociedade local. Ainda neste capítulo, tento entender como as propostas pedagógicas da UFMA em Grajaú respondem (ou não) à diversidade característica da região. Para tal, busco entender o discurso do Estado acerca das relações possíveis entre educação e diversidade, compreendendo que são esses discursos que atuam na construção de projetos pedagógicos nas universidades brasileiras. Concluo, neste primeiro momento, que o Estado mantém uma postura de ambiguidades, silenciamentos e disciplinamentos da diversidade no que tange as políticas educacionais no ensino superior. Aponto também, que as matrizes curriculares e os projetos pedagógicos dos cursos da UFMA, no campus de Grajaú, estão longe de pensar as especificidades da região, no que toca sua diversidade étnico-racial, de gênero, sexual, entre outras.

Nos capítulos seguintes discorro sobre os desafios que a UFMA tem para com a formação de professores para a diversidade no contexto de Grajaú. Primeiramente, dou visibilidade aos discursos dos sujeitos da pesquisa acerca das questões étnico-raciais, compreendidas principalmente nas relações entre “negros” e “brancos” e nas relações interétnicas entre os Tentehar e os grajauenses. No que tange a questão étnico-racial negra, esta, em Grajaú, se apresenta sob uma forte marca da desigualdade social e do preconceito e discriminação. As falas dos sujeitos e minhas observações são relatadas nesse capítulo, direcionando uma reflexão de como o racismo está presente nas escolas grajauenses e quais são os desafios para se pensar formação de professores no município que busquem lidar com este problema social de forma crítica e problematizadora. No que diz respeito às relações que os grajauenses estabelecem com os Tentehar, aponto como a inferiorização encaminha para uma invisibilidade da cultura indígena em Grajaú. O histórico de conflitos constrói na

56 atualidade uma percepção negativa acerca dos índios, fazendo com que discursos “civilizatórios” se perpetuem, buscando anular a diversidade étnica. Considerando a especificidade da região, na questão indígena para o Maranhão e para o Brasil, esse cenário se interpõe como um desafio à UFMA em Grajaú, na perspectiva da formação de professores.

Por fim, analiso no terceiro capítulo, os discursos acerca da diversidade sexual. A forma como os sujeitos da pesquisa apontam como a cidade lida com a homossexualidade, ganhou destaque durante o processo analítico. Neste capítulo busco entender como se organizam as classificações e hierarquias no que tange a orientação sexual. Discorro sobre as relações explícitas entre o preconceito contra o homossexual e os valores religiosos. Há diversos relatos sobre situações do cotidiano e do ambiente escolar de discriminação contra gays e lésbicas no município. Analiso principalmente como os possíveis futuros professores formados pela UFMA se posicionam enfaticamente contra a homossexualidade, em um dilema que põe em lados opostos sua formação profissional e seus valores familiares e religiosos. Ainda neste capítulo, desenvolvo uma análise acerca da “matriz colonial do preconceito”, apresentando outras questões que surgiram na pesquisa como a de gênero, a geopolítica e a da pessoa com deficiência. Entendo que esses grupos discutidos ao longo da tese são alocados no espaço do “outro”, a partir do ideário de normalidade difundido pela nossa colonialidade.

Ao final da tese, elaboro algumas considerações a fim de entender todo o processo da pesquisa e da escrita, discorrendo sobre as múltiplas dimensões da diversidade e das perspectivas de formação de professores. Retomo meu lugar implicado nesses desafios para UFMA em Grajaú, associando minhas responsabilidades de pesquisador àquelas de professor formador.

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2 O DESAFIO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A DIVERSIDADE

NO CONTEXTO DE GRAJAÚ

O bloco de notas só pode ter nascido de um acidente. O suspeito deve ter pensado em não esquecer e sem pretensão inventou um guarda- dor de pensamentos.

(Ebbios, Do respiro das coisas I)

Em 2012, o então prefeito de Grajaú, Mercial Arruda, na Semana de Ciência e Tecnologia, afirmou em praça pública que “em Grajaú só não estuda quem não quer”. Essa bandeira foi fortemente defendida em sua gestão, principalmente pela presença de um polo da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), um campus recém instalado (em 2010) da UFMA e a previsão de instalação de um do Instituto Federal Tecnológico do Maranhão (IFMA), além de um polo de uma universidade particular. O político advogava para sua gestão a vinda de instituições de ensino superior para o munícipio, como uma conquista de um político “preocupado com a educação”.

De fato, em conversas com políticos, com alguns professores e até mesmo com alguns membros da alta administração da UFMA, obtive a informação de que o campus de Grajaú não estava inicialmente planejado como fazendo parte da expansão da universidade14. Porém,

não necessariamente as articulações políticas foram gestadas pelo ex-prefeito. Há informações que o principal articulador foi o agora governador do estado, Flávio Dino. Todavia, a participação do poder municipal foi um facilitador, cedendo um terreno para a instalação do campus e fazendo parcerias com a universidade nos primeiros anos de consolidação da UFMA na cidade.

No entanto, articulações políticas à parte, a antiga gestão apresentava para a sociedade grajauense sua preocupação com a educação, tratando-a como prioridade e propagandeando que “em Grajaú só não estuda quem não quer”. Esse discurso político me parecia estranho, principalmente quando ele antagonizava com o que eu ouvia dos professores da rede municipal. Havia sim uma repercussão causada pela presença de quatro instituições de ensino superior em um munícipio com pouco mais de 60 mil habitantes, e localizado muito próximo

14 Plano de expansão posto em prática no ano de 2010, através dos recursos advindos do Plano de Restruturação

58 de Imperatriz (segunda cidade em desenvolvimento do Maranhão). Havia um estranhamento em relação ao fato destas instituições estarem em Imperatriz e também em Grajaú, distantes menos de 200 km uma da outra, considerando a escassez de instituições de ensino superior no restante do estado. Mas, tratar a educação de Grajaú se restringindo à presença dessas instituições era uma estratégica de propaganda política por parte do então prefeito.

O que se observava na educação básica, especialmente na rede municipal, era o descaso em relação a qualidade e valorização da educação. Do ponto de vista estrutural, observavam-se escolas com prédios antigos, sujos e com salas mal ventiladas, sem adaptação adequada para pessoas que se locomovem com cadeira de roda. Observava-se também o abuso do “anexo” (espaços físicos inadequados para funções escolares que são locados como extensões das escolas). Visitei alguns anexos que mal passavam de corredores com vãos que funcionavam como salas de aulas onde mal cabiam as cadeiras dos alunos. Para os professores da rede, o principal problema da educação em Grajaú era a ausência de concursos públicos e a desvalorização da profissão. Até então, os professores eram contratados por seletivos com critérios confusos, segundo os mesmos, que não raro eram acusados pela população de “fachada para empregar conhecidos”. Segundo alguns professores, não se tinha um controle sobre as correções das provas e sobre a listagem de aprovados. Quando se conseguia ser aprovado, o professor era desvalorizado pelas condições de trabalho e pela péssima renumeração. Pude conversar com alguns que estavam nesse processo de contrato precário que demonstravam insatisfação com as condições que o poder municipal dava para o ensino.

Percebi que não se tratava somente de “só não estuda quem não quer”, mas sim de “quem consegue estudar” nessas condições. Quem é o aluno que passa por esse processo de desvalorização da educação básica e consegue entrar no ensino superior? Essa realidade observada dá vida àqueles dados apresentados pelo IBGE, no censo de 2010, que aferia que quase metade da população não tinha instrução ou o ensino fundamental completo. Será que metade da população não estava “querendo” estudar? E quando pensamos na caracterização daqueles que “conseguem” estudar em Grajaú, um problema central se faz presente. Quem são esses que estão chegando ao ensino superior? Por que os negros e índios de Grajaú não estão chegando ao ensino superior?

Minha pergunta vai mais adiante: será que essas instituições de ensino superior, notadamente as licenciaturas na UFMA, estão preocupadas em alterar essa realidade? Como a UFMA se constrói no munícipio diante da diversidade de sua população e de suas especificidades no tensionamento de suas diferenças e marcado por preconceitos,

59 estigmatizações e discriminações para com grupos historicamente excluídos naquela região, como índios, negros, mulheres, homossexuais?

Para analisar como a UFMA vem lidando com o desafio de formar professores para a diversidade no contexto de Grajaú, antes é preciso entender a lógica do Estado e de suas políticas educacionais frente a essa questão. O Ministério da Educação lança mão de diversas instâncias e documentos para tratar especificamente do encontro entre a educação e a diversidade. O Estado constrói uma formação discursiva para moldar esse objeto que é a formação de professores para a diversidade.