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Primeiro esquisso do mirante nas salinas

Estandooterritóriomarcado por torres (militares, marcos geodésicos, faróis, torres sineiras de igrejas, torres de pressão hidráulica (depósitos de água), torres de transporte de eletricidade em média e alta tensão, torres tecnológicas de controlo costeiro e radares, ou ainda antenas de rádio e telecomunicações), não será difícil de constatar o valor simbólico de domínio e imposição que estes elementos tem vindo a conquistar, ao longo dos séculos, sempre a ganhar altitude e maior alcance.

Num território como o da Fuzeta, em que é ainda possível revelar uma grande abrangência visual sobre a paisagem, muitas vezes com os “pés na terra”, ou apenas subindo uns escassos metros em altitude, torna-se essencial a compreensão dos fatores que permitiram a continuidade de uma baixa densidade urbana, a fim da sua manutenção enquanto aspeto diferenciador e qualificador do caráter distinto do lugar. A orografia e a geologia contribuem certamente para esta realidade, a par da prolongada dependência das atividades económicas da pesca, da exploração do sal e da agricultura. É ainda um importante contributo, a definição de apertadas áreas de proteção paisagística como são o Parque Natural da Ria Formosa, a REN (Reserva ecológica Nacional) e a RAN (Reserva agrícola Nacional). Havendo áreas de proteção que limitam o tipo de intervenção, seja ela de caráter arquitetónico, urbanístico, agrícola, piscatório, pecuário, entre outros, torna-se relevante entender a capacidade que estas áreas têm de sobreviver e até que ponto aguentam mais intervenção humana, sem limite de expansão e massificação. Antes de mais intervenção, que parece continuar a fazer-se sem a verdadeira noção da implicação futura dessas alterações nos ecossistemas e

na economia, que sofre constantemente com a necessidade de obras de dragagem para reconstrução das ilhas, a fim da proteção das construções mais próximas das áreas ameaçadas pelo oceano, muitas delas de construção bastante recente, é importante voltar a encarar o território ribeirinho como um recurso a resgatar e preservar, mais do que intensificar a sua exploração.

As duas torres mirantes do projeto surgem por forma a marcar dois pontos intensamente ligados à história do lugar, na definição de limites. O mirante das salinas marca assim o lugar preciso onde esta área produtiva construída sobre o sapal no início do séc. XX encontra o eixo do canal navegável - construção em betão, de grande envergadura, levada a cabo nos anos 60 do séc. XX, na continuidade do antigo cais de pedra, e que alterou indelevelmente a paisagem da foz da ribeira do Tronco, transformando uma praia sedimentar numa terraplanagem sem precedentes na vila - e onde passa a sofrer a influência da maré, transformando-se num território eminentemente de água e de lodo (encarado no projeto como um lugar de caráter terrestre com uma acentuada relação de interdependência com a ria). O mirante da ilha aparece no topo oposto do eixo do canal e marca o momento da transição entre o sistema lagunar a norte da ilha da Armona e o oceano Atlântico a Sul, implantando-se na linha de festo do cordão dunar (encarado no projeto como um lugar de caráter marítimo, ainda que esteja implantado no cordão dunar, de caráter terrestre). A cota do pavimento acessível de cada mirante difere consoante a sua localização, dependendo da relação que se pretende estabelecer com o lugar, e deste com a paisagem envolvente, rumo ao horizonte.

162. (esq.)

Fotomontagem de simulação da atmosfera da envolvente do mirante da ilha. São desenhados espaços de estadia, que permitem aproveitar das áreas de sombra, que mudam substancialmente ao longo do dia e do ano. Percebe-se também o espaço interior do mirante.

(Elaboração Gráfica do autor)

163. (dir.)

Fotomontagem de simulação da atmosfera na chegada ao mirante das salina, a aproximação pelo caminho dos moinhos. Ao fundo, no horizonte, permite-se vislumbrar o mirante da ilha, ganhando profundidade um território que parece extremamente próximo, face à real distância que representa realmente. O sapal e a ria ganham assim uma outra dimensão, pela adição de dois "termos de comparação" na paisagem.

“Que a realidade só existe quando a observamos não é novidade para a ciência”. Efetivamente é preciso uma dada realidade ser observada para que o homem tenha a noção plena da sua existência. Mas é também na subjetividade inerente ao ato de olhar, resultante de uma ação intuitiva ou premeditada, que reside a maior dificuldade e paradoxal riqueza para a definição de uma verdade. Na realidade não há verdades absolutas, até porque qualquer acessão visual do mundo depende sempre do observador, e constitui apenas uma “representação parcial” da realidade, “nasce da compreensão do existente, da procura dos seus significados e da consciência das qualidades essenciais do que existe”. 145

“Os múltiplos territórios da vida da sociedade contemporânea reivindicam, como tudo o que se quer realmente conhecer, a abertura e disponibilidade para admitir novos olhares que decorrem de novas construções mentais que substituem as visões exíguas e equívocas anteriores. (…) procurando observar as várias vertentes que constituem um todo inalcançável, seleciona e autonomiza as problemáticas, os problemas e os pontos de vista específicos que permitem adjetivar cada uma das suas dimensões específicas.” 146

Na Fuzeta, como em qualquer território “que se quer realmente conhecer”, é importante encarar a capacidade de observação como uma ferramenta de revelação das especificidades intrínsecas do lugar, muitas vezes camufladas pela sua essencialidade enquanto constituintes em equilíbrio com o meio. A conquista da distância é um fator importante, na medida em que permite um olhar crítico, exterior ao curto alcance das vicissitudes cotidianas. À escala da paisagem, muitas das perturbações que se afiguram de grande relevo para o homem, acabam por constituir apenas ruído que ofusca e desvia o olhar do que é essencial. Valendo-se desta particularidade, tem sido aberto caminho, com a promessa de um progresso alienado da realidade, à especulação e massificação de adições dissonantes ao território, muitas vezes perturbadoras de uma harmonia natural, e que em pouco têm contribuído para o real progresso das populações residentes, dos ecossistemas e do próprio território, com as suas particularidades. A acelerada substituição de culturas e tradições locais por dinâmicas globais, importadas de outros países de onde são originárias, revela um afastamento cada vez maior da ancestral ligação ao lugar e aos seus recursos endógenos. Ainda que seja em muitos casos importante a disseminação de novos modos de vida e da ambição de novos horizontes, é importante que esses processos de aculturação sejam sempre acompanhados de uma contextualização que demonstre a essencialidade das novas possibilidades, e principalmente quais as especificidades da sua criação, num determinado espaço físico/social e tempo. Só assim se permite a assimilação consciente do que é novo e que acaba por colonizar uma cultura.

Qualquer ato de desequilibrada ambição sobre o que vem de fora, em detrimento do que é ancestral e deu provas de resistir ao tempo, no seu contexto específico, acaba por constituir um “grito” que desorienta e acentua o desordenamento e o real progresso. Ainda que seja benéfico existir um olhar crítico e uma dinâmica propositiva na tentativa de contrariar a monotonia e estagnação, é igualmente vital a compreensão de um sentido de identidade, que organize um sistema de valores e que permita o vislumbre de uma perspetiva de progresso comum, em que a melhoria das condições é efetiva, não apenas para um restrito número de pessoas, mas para uma sociedade.

Este projeto tem por base a criação de três novas estruturas arquitetónicas, cirurgicamente posicionadas na paisagem, como num plano de “ataque militar” - dois mirantes e um anfiteatro palafítico - que funcionam em rede enquanto observatório da paisagem, e convidam à criação de novas relações visuais, culturais e afetivas com o lugar. Desvendam-se individualmente pela especificidade territorial em que se implantam, nas suas relações com o contexto, e pela materialidade e formas que assumem, em resposta à relação que tencionam estabelecer com a envolvente a curta, média e longa distância. Despertam especial interesse quando se apresentam em continuidade com diversas estruturas mais ou menos antigas que perduram na vila, no campo e na ria - como a torre militar de Bias; a torre da Igreja, os mirantes domésticos, o Instituto de socorros a náufragos, ou os moinhos de maré - como se de um projeto inacabado que recebe novas adições contemporâneas se tratasse. Resultam de uma sistemática e exaustiva investigação sobre as particularidades de cada contexto específico em que assentam, desde a fundação em estacaria até à cobertura, na tentativa de dissecação dos seus aspetos mais relevantes que permitirão a construção de uma identidade própria, proporcionando uma leitura e compreensão integrada do território a partir da soma das várias partes que o constituem enquanto lugar integro. Revela-se uma qualidade paisagística original/primitiva, que se mantém quase intocada e silenciosa - uma variável constante que tem sobrevivido à grande especulação e alteração dos lugares do litoral algarvio, mas que é cada vez mais importante a sua assimilação enquanto lugar de grande valor simbólico, ecológico e paisagístico para o futuro.

“E assim me encontro numa viagem de descoberta. (…) Conduzir. Seduzir. Largar, dar liberdade. Para certo tipo de utilização é melhor e faz mais sentido criar calma, serenidade, um lugar onde não terão de correr e procurar a porta. Onde nada nos prende e podemos simplesmente existir.” 147

REVELAÇÃO DE NOVOS