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ZUMTHOR, Peter. Op. Cit., p.18 - Citação de “John Berger. About looking, writers and readers publishing, Londres, 1980; (Versão portuguesa: “Usos da fotografia” [1978], em Sobre o olhar, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 2003, p.65)”

166. Maqueta escala 1/500

Área dos moinhos de maré, onde se vê à esquerda as salinas e no seu limite para a ria/área urbana, o cais mirante proposto. Uma das três estruturas propostas, que encontram na adaptação ao seu lugar de implantação a razão das suas características arquitetónicas (forma, dimensão, materialidade, cor, luz, reflexos, relações de curta e longa distância...). Revelam então um lugar que, sendo o mesmo, pela a adição de uma nova peça arquitetónica, intensifica e estimula uma série de relações de proximidade e dependência ancestrais do homem ao território.

As antigas construções dos arraiais de pesca nas ilhas, dos abrigos e dos cais do sapal, de caráter efémero, incorporavam os materiais disponíveis no lugar (madeira, junco, barrão, tamiça…), e davam-lhes uma nova forma. Empregando-lhes técnicas ancestrais de construção, passadas e aprimoradas continuamente ao longo de gerações, ganhavam as formas estritamente necessárias à função a que se destinavam. Num complexo raciocínio entre a técnica e o engenho, o homem encontrava inteligentemente o melhor método de transformação para cada material, desvendando muitas vezes a vocação própria de cada peça, atendendo à sua forma e dimensão, ainda no seu estado natural. Retirava da Natureza apenas o que servia para a construção do seu conforto, e testava “na pele” as soluções que era capaz de inventar. Obrigando a constantes afinações, as construções respondiam às necessidades e representavam um equilíbrio próprio da adaptação do homem ao lugar, sem os artifícios tecnológicos contemporâneos. O mesmo se verificava na construção naval. Construíam-se intrincadas e complexas estruturas de madeira, na tentativa de resistir sólidas à intempérie e força do mar, encarando sempre a leveza e ergonomia como a melhor forma de as enfrentar, integrando-se no movimento em vez de impor uma força estática, que constantemente se revela derrotada quando empregue ao longo da história, veja-se as estruturas colossais da história antiga. Na reminiscência das elegantes e leves velas de pano ao vento, das lanchas e caíques outrora aportados junto das ilhas nos canais e baixios da ria, permite-se idealizar uma inteligência do engenho humano, capaz de dialogar com as forças da natureza, retirando destas o melhor proveito e mantendo com elas um equilíbrio e beleza constantes.

“Para a qualidade desta intervenção é crucial que se consiga equipar o novo com características que entrem numa relação de tensão significativas com o existente. Para o novo poder encontrar o seu lugar, precisa primeiro de nos estimular para ver o existente de uma nova maneira. Lança-se uma pedra na água. A areia agita-se e volta a assentar. O distúrbio foi necessário. A pedra encontrou o seu lugar. Mas o lago já não é o mesmo.”149

Recuperando algumas das técnicas e materiais atualmente caídos em desuso, pela adaptação às novas exigências de conforto e às soluções tecnológicas disponíveis, é possível reinventá-los hoje em programas arquitetónicos que se descomprometem do regulamentar, pela sua vocação entre a escultura e a arquitetura. Testam-se novas possibilidades e reinterpreta-se atmosferas próprias e especiais, que se têm vindo a dissipar com a perda de exemplares antigos. Persistem apenas no imaginário e memórias passadas dos mais velhos. Recorre-se ao seu estudo com o indissociável alicerce da escassa, mas rica bibliografia existente sobre o tema; pergunta-se aos mais velhos as suas memórias de tempos idos que recordam

com paradoxal desapego e saudade, e encontra-se a liberdade para recriar e aplicar as formas, texturas, cores, cheiros e ambiências dessas imagens que nos chegam de forma impressa, digital ou imaginada.

“O conceito de efemeridade descreve-se numa tendência de técnicas de fazer mais com menos, numa constante evolução em direção ao uso mais rentabilizado de matéria, energia e tempo. Atitudes que se refletem numa real preocupação ambiental, minimizando o rasto físico da sua aparição. De facto, o equilíbrio entre a visão técnica, sensível e humanista assenta num respeito pelos recursos disponíveis.” 150

A madeira surge então, neste projeto, de uma forma quase implícita, como elemento estrutural, efémero a longo prazo, mas resistente na função e longevidade pretendidas. Um material que requer uma manutenção periódica e que, por isso, assume o lugar primordial na definição da estrutura, uma vez que só fará sentido existir, enquanto o homem tiver interesse em cuidar do seu bem-estar e consequentemente do território que o sustenta. Uma manutenção de limpeza, reparação de peças, emprego de betumes e velaturas é o equivalente aos cuidados que sempre se levaram a cabo em séculos de navegação e descobertas. Os juncos, material de revestimento por excelência, surge como pele que uniformiza as coberturas de abrigo, permitindo uma permeabilidade controlada de ventilação e uma elevada impermeabilidade à chuva e vento. Tendo sido sempre utilizado como material abundante e intuitivo na construção das cabanas, quer nas ilhas, quer nos areais litorais, os juncos funcionam em “molhes” atados e sobrepostos, ancestralmente ligados com recurso a cordas de sisal e tamiça, e mais recentemente com arames. O seu sistema de funcionamento é semelhante á utilização de telhas cerâmicas, com a particularidade de constituir muito menos sobrecarga para a estrutura e de poder integrar formas com acentuadas inclinações sem risco de desprendimento. Encara-se a «Reversibilidade» como qualidade e a «Sustentabilidade» como regra, numa “filosofia de construir com a natureza para manter a dinâmica dos processos naturais”. 151

TÉCNICAS E