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4.   A cidade vertical 117

4.3.  O espraiamento e a mudança de interesse 157 

4.3.2.  Dois movimentos 165 

Na cidade de Recife, o centro da cidade, localizado próximo ao rio Capibaribe, que cruza a metrópole, resultou no surgimento de áreas privilegiadas às margens deste rio, “que combinava vantagens de acessibilidade ao centro da cidade em atraente elemento do sítio natural” (VILLAÇA, 2001 p. 216). O banho de rio já era costume desde início do século XIX, ao passo que o banho de água salgada foi começar a se tornar popular somente em meados do mesmo século (VILLAÇA, 2001). Assim, um crescimento vertical teve início nos bairros às margens dos rios, mas foi somente na década de 1970 que o interesse imobiliário começou a se voltar para a região sul, definida pela orla da praia de Boa Viagem, que teve uma verticalização mais acentuada a partir da década seguinte (SILVA, 2008).

De acordo com Villaça (2001), a população de alta renda se encontra bipolarizada entre estes dois centros: o Oeste expandido, que inclui bairros de Casa Amarela Cordeiro, Iputinga, Torre e Soledade, abriga 8,73% dos municípios e 32,28% dos chefes de domicílio que percebem vinte salários-mínimos ou mais, enquanto o setor Sul abriga 12,90% e 42,62%, respectivamente. O autor ressalta o fato de que entre as

metrópoles estudadas em seu trabalho, Recife é a única “que apresenta duas áreas de concentração de alta renda tão equilibradas” (VILLAÇA, 2001 p. 220).

Embora tenha começado a se integrar à cidade a partir de 1924, com a abertura da avenida Boa Viagem, o bairro do setor sul começa a se verticalizar nos anos 1970, o que significa que houve uma substituição de casas de veraneio, de antes de 1924, por residências permanente, e depois, na década de 1980, “as casas passaram a ser substituídas pelos edifícios, empreendimentos comerciais e por serviços” (SILVA, 2008 p. 45).

Recentemente, a verticalização tem sido intensa nos dois polos, embora com predominância da zona sul, à beira-mar. Verifica-se que em ambos os casos existe a tendência de uma grande concentração seguida de uma expansão dos edifícios verticais, inicialmente nos núcleos e depois para as áreas adjacentes. Silva (2008) demonstra que existe uma tendência de verticalização na margem direita do rio Capibaribe, oposta à já verticalizada, com empreendimentos voltados para a classe média.

É possível, portanto, interpretar que Recife abriga dois polos em que a verticalização acontece, com intensidades semelhantes. Na Boa Viagem a tendência é a verticalização mais intensa junto à orla, com os edifícios mais altos e de mais alto padrão ocupando toda a beira do mar, enquanto edifícios de altura menor vão sendo erguidos nas áreas mais distantes do bairro.

Já no setor oeste, o rio Capibaribe é o atrativo, valorizando os edifícios situados à sua margem. A partir de 1996, quando é aprovado o Projeto Beira Rio, que constrói a avenida Beira Rio, ocorre uma revalorização da região, e começa a acontecer o transbordamento desta verticalização para a margem oposta. A lei dos Doze bairros, de 2001, foi aprovada com a intenção de limitar o adensamento em alguns bairros do setor oeste (SILVA, 2008).

De acordo com informações fornecidas por arquiteto da prefeitura de Recife, mesmo após a aprovação, a possibilidade de renovar a aprovação de projetos anteriores à lei, para construí-los em períodos posteriores constitui prática comum no município, e o recurso é utilizado para garantir o potencial construtivo até o momento em que o empreendimento se viabilize. Assim, mesmo após a lei, verifica-se edifícios

altos sendo construídos nas áreas restritas. Os projetos mais recentes nesta área mudaram de tipologia – de edifícios altos com apartamentos de 3 a 4 quartos com suíte, passaram para edifícios mais baixos, com 1 ou 2 quartos – mas foi mantido o foco no mercado da classe alta.

O caso de Recife dá margem para a interpretação de que a terceira fase da verticalização pode ser caracterizada por um movimento resultante de dois fatores distintos: um deles é o movimento de fuga do centro, seja resultado de sua degradação em função da alta densidade ocasionada pelos edifícios verticais ou seja por legislação que restringe a verticalização, refletindo o receio da degradação; o outro, é um movimento espontâneo das classes mais altas que buscam regiões mais valorizadas e com mais atrativos em locais distantes do centro.

No caso da Boa Viagem, ainda há disponibilidade de terrenos que, mesmo não se situando à beira-mar, ainda são alvo de especulação e continuam em processo de adensamento. Pode-se dizer que, embora tenha sido o destino de uma migração das classes altas, na década de 1970, o que é característico da terceira etapa de verticalização, o bairro em si, ao constituir um novo centro de comércio e serviços, encontra-se em fase de ocupação adensada dos terrenos vazios e substituição dos edifícios existentes por edifícios verticais, ou seja, encontra-se no início da segunda etapa de verticalização.

Já o setor dos Doze Bairros, onde a verticalização foi “artificialmente” interrompida, ou seja, através da imposição da legislação e não da saturação e do adensamento excessivo que resultam na expulsão das classes mais altas, começa a acontecer um transbordamento da construção vertical para as adjacências, com a ocupação de condomínios verticais voltados para as classes médias, o que indica que ele se encontra, diferente do concorrente da zona sul, na fase final da segunda etapa.

Em todo caso, o fato de Recife apresentar dois polos com pesos similares no que diz respeito à atratividade faz com que ambos se desenvolvam de forma relativamente independente.

Dessa forma, nessas novas localizações se verifica uma nova explosão de edifícios verticais, dominando quase que completamente as novas áreas disponibilizadas. Não há (mais) imóveis antigos que atravancam a produção, nem há qualquer herança do

passado a atrapalhar a renovação necessária e desejada. Além de tudo, surge uma nova configuração de espaços, fragmentados, ausentes, esvaziados de quaisquer antigos significados. Os habitantes destes novos apartamentos são quase totalmente alheios ao entorno imediato: o acesso aos prédios é feito exclusivamente por carros particulares; o local de trabalho é invariavelmente distante, pois no local há somente edifícios residenciais; não há interesse na vida cotidiana da rua local, pois a vitalidade que seria garantida pela diversidade de usos não está lá. Este isolamento, contudo, é plenamente satisfatório, e muitas vezes desejado pelos moradores. A vida no apartamento das novas áreas verticalizadas significam nada mais que a conquista do isolamento, a segurança da distância dos perigos da rua.