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3 COISA JULGADA NO PROCESSO COLETIVO E A DECISÃO FORMADA NOS

4.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA AÇÃO RESCISÓRIA NO PROCESSO COLETIVO

4.1.1 Hipóteses de Cabimento da Ação Rescisória e sua Adequação ao Processo

4.1.1.3 Dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou simulação

O inciso III do art. 966 do CPC/15320 consagra o cabimento da ação rescisória no caso que a decisão de mérito transitada em julgado resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei.

No plano do direito material, dolo321 e coação322 são tidos como vícios de vontade, enquanto a simulação323 é considerada vício social.

O dolo trazido pelo art. 966, III deve se apresentar como dolo processual, relacionando-se às hipóteses de litigância de má-fé (art. 80, II do CPC/15324, por exemplo). Deste modo, estará autorizada a rescisão da decisão transitada em julgado se houver provas que a parte, faltando com a verdade ou se valendo de atuação processual ardilosa, induziu em erro o órgão julgador que proferiu decisão em seu favor.325

Ainda sob a vigência do CPC/73, o STJ entendeu que “a noção de dolo traz ínsita, ainda, a ideia de que a parte sucumbente sofreu impedimento ou gravame em sua atuação processual”.326

A coação estará configurada, caso seja provado que a parte vencedora constrangeu a outra a praticar ou deixar de praticar determinado ato, que acaba por ocasionar sua derrota na

320 “Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: III - resultar de dolo ou

coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei”. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Vade mecum. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

321 “O dolo consiste nas práticas ou manobras maliciosamente levadas a efeito por uma parte, a fim de conseguir

da outra uma emissão de vontade que lhe traga proveito, ou a terceiro”. PEREIRA, Caio Mario da Silva.

Instituições de direito civil, volume I. 30ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 441.

322 “Em vez de usar manobras e maquinações, pode alguém proceder com violência, forçando a declaração de

vontade. De dois processos valer-se-á, e então diz-se que de duas maneiras pode o agente ser compelido ao negócio jurídico: ou pela violência física, que exclui completamente a vontade, a chamada vis absoluta, que implica a ausência total de consentimento; ou pela violência moral, vis compulsiva, que atua sobre o ânimo do paciente, levando-a a uma declaração de vontade viciada”. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de

direito civil, volume I. 30ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 444-445.

323 “Não há na simulação um vício do consentimento, porque o querer do agente tem em mira, efetivamente, o

resultado que a declaração procura realizar ou conseguir. Mas há um defeito do ato, ou um daqueles que a doutrina apelida de vícios sociais, positivado na conformidade entre a declaração de vontade e a ordem legal, em relação ao resultado daquela, ou em razão da técnica de sua realização. Consiste a simulação em celebrar-se um ato, que tem aparência normal, mas que, na verdade, não visa ao efeito que juridicamente devia produzir”. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil, volume I. 30ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 449.

324 “Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: [...]; II - alterar a verdade dos fatos”. BRASIL. Código

de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Vade mecum. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

325 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ, AgRg na AR 3819/RJ, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 2.ª

Seção. j. 09-09-2015. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 17 de jan. 2018.

326 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ, AR 98/RJ, rel. Min. Adhemar Maciel, 1.ª Seção. j. 28-11-

causa.327 Um exemplo disso ocorreria se o réu, por ter sido ameaçado de morte pelo autor (coação moral), deixasse de apresentar contestação e de produzir provas oportunamente, vindo o feito a ser julgado antecipadamente em seu desfavor por conta do efeito material da revelia.

Destaque-se, ainda, que colusão e simulação não se confundem.

Enquanto na colusão “o objetivo é obter situação jurídica proibida na lei, na simulação as partes não têm interesse em se aproveitar dos resultados do processo, mas apenas, de utilizá-lo como simulacro para prejudicar terceiros”.328 Há remissão à concussão e simulação também no art. 142 do CPC/15329, devendo o juízo rescindente, pelo que se encontra escrito no referido dispositivo legal, aplicar as penalidades referentes à litigância de má-fé.

Como é intuitivo, essa hipótese não autoriza o rejulgamento da causa, uma vez que não se pode julgar um processo instaurado com o intuito manifesto de fraudar interesse de terceiros ou alcançar objetivo ilegal.

Em razão de as partes estarem mancomunadas, a ação rescisória com fundamento na simulação e na concussão provavelmente será proposta por terceiro juridicamente interessado ou pelo Ministério Público (art. 967, II e III do CPC/15330), iniciando-se a contagem do prazo

decadencial de 2 (dois) anos, a partir da ciência da simulação ou da colusão (art. 975, § 3º do CPC/15331).

A hipótese de rescindibilidade consagrada pelo art. 966, III do CPC/15 é de suma importância no âmbito da tutela coletiva.

Isto porque, não é incomum na prática forense que Associações – nem sempre voltadas verdadeiramente à proteção de suas finalidades institucionais – valham-se da

327 ALVIM, Arruda. Novo contencioso cível no CPC/2015. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2016, p. 324.

328 ALVIM, Arruda. Novo contencioso cível no CPC/2015. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2016, p. 324.

329 “Art. 142. Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato

simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé”. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Vade mecum. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

330 Art. 967. Têm legitimidade para propor a ação rescisória: [...]; II - o terceiro juridicamente interessado; III - o

Ministério Público: a) se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção; b) quando a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de fraudar a lei; c) em outros casos em que se imponha sua atuação; […]. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Vade mecum. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

331 “Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última

decisão proferida no processo. § 3o Nas hipóteses de simulação ou de colusão das partes, o prazo começa a

contar, para o terceiro prejudicado e para o Ministério Público, que não interveio no processo, a partir do momento em que têm ciência da simulação ou da colusão”. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Vade mecum. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

legitimidade extraordinária conferida pela lei (art. 82, IV do CDC e art. 5º, V da Lei de ACP) para usar e abusar do processo coletivo em desfavor de grandes corporações.

Por conta disso, muitas vezes esse tipo de associação conduz o processo coletivo em completo descompasso aos parâmetros da boa-fé objetiva (art. 5º do CPC/15), com atuação processual ardilosa (dolo processual), que por vezes induz o órgão julgador em erro.

Assim, estando demonstrada a existência de dolo processual por parte do legitimado extraordinário ou do réu, ou comprovada a coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida, estará autorizada a desconstituição da coisa julgada coletiva, com base no art. 966, III do CPC/15.

Insta destacar que a ocorrência de simulação ou colusão é mais difícil de se visualizar no processo coletivo brasileiro, podendo esses vícios ocorrerem, eventualmente, na autocomposição coletiva, que não autoriza a propositura de ação rescisória.

Inicialmente, destaque-se que a dificuldade mencionada encontra fundamento na própria razão de ser da tutela coletiva, pois o legitimado não discute direito próprio, e sim do grupo.

A simulação e a colusão, portanto, estariam a priori relacionadas à interesses do réu, o que novamente encontra dificuldades de ordem prática, pois, ao menos na visão do autor do presente trabalho, o microssistema não permite a tentativa de prejudicar terceiros ou de obter situação jurídica proibida por lei sem riscos patrimoniais ao acionado.

Ora, qual seria a pessoa jurídica, por exemplo, que simularia processo coletivo com uma associação objetivando fraudar interesses de credores mediante desfalque patrimonial, sabendo que seu patrimônio pode ser: 1) executado por qualquer legitimado coletivo, inclusive por aquele que não tenha sido o autor da ação coletiva (no exemplo citado, a associação), tratando-se de direito difuso; 2) executado por um membro do grupo após prévia liquidação, valendo-se da extensão in utilibus da coisa julgada coletiva ao plano individual, tratando-se de direito difuso ou coletivo em sentido estrito; 3) direcionado a um fundo específico gerido por órgãos públicos com o objetivo de reconstruir os bens supostamente lesados (art. 13 da Lei de ACP), na hipótese de a condenação ser em dinheiro e se tratar de direito difuso ou coletivo; 4) direcionado a um fundo específico (fluid recovery), se em processo envolvendo direito individual homogêneo não houver satisfatória liquidação e execução da sentença genérica pelos indivíduos depois de 1 (um) ano (art. 100 do CDC); 5)

executado pelos indivíduos, mediante prévia liquidação, se o direito discutido na ação for individual homogêneo.332

Inexistem dúvidas, portanto, que o regime da execução coletiva apresenta demasiados riscos ao réu que, mal intencionado, buscar se valer do processo para fraudar interesses de terceiros.

Todavia, relembre-se que a autocomposição é viável em processo coletivo, e aí sim eventual simulação poderia ocorrer.

Por óbvio, a simulação teria o simultâneo objetivo de prejudicar os interesses do grupo e atenuar aqueles que o réu sofreria com o prosseguimento da ação coletiva. Não há dúvidas que nesse caso, estariam o legitimado coletivo e o réu utilizando o processo para prejudicar terceiros (membros do grupo).

Daí, mais do que nunca a importância de o magistrado exercer o papel ativo que dele se espera ao conduzir uma ação coletiva.

Diferentemente do negócio jurídico firmado em processo civil individual que, em regra, não depende de controle pelo juiz333, o processo coletivo exige que o magistrado

analise a autocomposição, fiscalize o mérito do acordo e a existência de legitimação adequada – esta, lamentavelmente, por vezes ignorada por juízes que limitam-se a aferir estritamente o cumprimento de exigências formais –, e proporcione a fiscalização obrigatória do Ministério Público e de outros colegitimados.334

Agindo assim, as chances de simulação em acordos coletivos certamente diminuirão. De igual modo, parcela da doutrina estrangeira também tem enxergado o desequilíbrio econômico e informacional como fator preponderante para a celebração de acordos lesivos.335

332 DIDIER JR., Fredie; JR., Hermes Zaneti. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 10º ed.

Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, p. 434-442.

333 DIDIER JR., Fredie; JR., Hermes Zaneti. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 10º ed.

Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, p. 318.

334 Ibidem, p. 318-319.

335 “A disparidade de recursos entre as partes pode influenciar o acordo de três formas. Primeiro, a parte mais

pobre pode ser menos passível de reunir e analisar informações necessárias à previsão da decisão do litígio, o que a deixaria em desvantagem no processo de negociação. Segundo, pode necessitar, de imediato, da indenização que pleiteia e, desse modo, ser induzida à celebração de um acordo como forma de acelerar o pagamento, mesmo ciente de que receberá um valor inferior ao que conseguiria se tivesse aguardado o julgamento. Todos os autores de ações judiciais querem suas indenizações imediatamente, mas um autor muito pobre pode ser explorado por um réu rico, pois sua necessidade é tão grande que o réu pode compeli-lo a aceitar uma quantia inferior àquela a que tem direito. Terceiro, a parte mais pobre pode ser forçada a celebrar um acordo em razão de não possuir os recursos necessários para o financiamento do processo judicial, o que inclui tanto as despesas previstas como, por exemplo, honorários advocatícios, quanto aquelas que podem ser impostas por seu oponente por meio da manipulação de mecanismos processuais como o da instrução probatória”. FISS, Owen. Contra o acordo. Um novo processo civil. Daniel Porto Godinho da Silva e Melina de Medeiros Rós (trads.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 121 e ss. apud DIDIER JR., Fredie; JR., Hermes Zaneti. Curso de

Ainda que na tutela coletiva seja obrigatória a presença de um legitimado extraordinário – supostamente mais bem preparado que o indivíduo para condução de um processo judicial –, não se pode ignorar que no outro polo processual comumente estará um litigante habitual, como é o caso de grandes corporações ou o Estado.

Como se vê, a celebração de acordos coletivos lesivos ao interesse do grupo não só é capaz de ocorrer mediante vícios sociais – como é o exemplo da simulação –, mas também através de vícios que residem em zonas limítrofes aos de consentimento336, a exemplo da lesão que, consoante definição do art. 157 do CC/02, ocorre quando uma pessoa, sob preeminente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

No entanto, como já ventilado anteriormente, os vícios da autocomposição coletiva não devem ser atacados mediante ação rescisória, pois sua anulação se dá por ação própria, consagrada pelo art. 966, § 4º do CPC/15.337

A justificativa é que, nesses casos, a ação é intentada para que haja a anulação de ato processual eventualmente homologado pelo juízo (conteúdo do ato homologatório), e não contra a homologação em si (coisa julgada).338