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3 COISA JULGADA NO PROCESSO COLETIVO E A DECISÃO FORMADA NOS

3.1 NOTAS SOBRE O PROCESSO COLETIVO E O MICROSSISTEMA DA TUTELA

O processo coletivo no Brasil padece de regulamentação legislativa própria, sendo regido por um microssistema da tutela coletiva formado por diversos diplomas legais, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), da Lei de Ação Popular (Lei 4.717/65), do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), da Lei do Mandado de Segurança (12.016/2009), da Lei do Mandado de Injunção (Lei nº 13.300/2016) e, a partir de um ideal de recodificação159, pelo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

Esse microssistema rege a tutela jurisdicional coletiva, que nada mais é que uma espécie de tutela jurisdicional diferenciada da aplicada no âmbito individual, que se vale de um tratamento dos institutos processuais, pensado e adequado ao direito material coletivo apresentado no caso concreto.160

Dois diplomas legais no Brasil exercem papel de centralidade na tutela jurisdicional coletiva: A Lei nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) e o Código de Defesa do Consumidor. Basicamente, costuma-se dizer que há processo coletivo se em um dos polos da

159 DIDIER JR, Fredie; JR., Hermes Zaneti. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 10ª ed.

Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, p. 50.

160 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de processo coletivo: volume único. 3ª ed. Salvador: Ed.

relação jurídica litigiosa encontrar-se um grupo e, no outro termo, a relação jurídica litigiosa envolver direito (situação jurídica ativa), ou dever ou estado de sujeição (situação jurídica passiva) coletivo.161

A ação coletiva, segundo Antonio Gidi, quase sempre será proposta por um legitimado autônomo (legitimidade) – que atua na qualidade de substituto processual –, em defesa de um direito coletivamente considerado (objeto), cuja imutabilidade do comando da decisão atingirá uma comunidade ou coletividade (coisa julgada).162

Classicamente, afirma-se que a ação coletiva deve ter por objeto a tutela de direito difuso, coletivo ou individual homogêneo163, atualmente elencados na legislação no art. 81 do CDC164.

De acordo com os parâmetros do art. 81, I do CDC, os direitos difusos são transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

Nos direitos difusos, os sujeitos são indeterminados e indetermináveis, além de o bem jurídico ser indivisível. Um exemplo de tutela judicial de direitos difusos comumente oferecido pela doutrina é a ação coletiva que objetiva a interrupção da veiculação de publicidade enganosa, uma vez que os beneficiários serão consumidores indeterminados e indetermináveis que, por circunstâncias fáticas, foram expostas à prática ilícita.165

Por sua vez, os direitos coletivos são conceituados pelo art. 81, II do CDC como os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrário por uma relação jurídica base. Esta relação jurídica base, na visão de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., deve ser anterior à lesão.166

Os titulares desses direitos não necessariamente estarão vinculados em torno de entidades associativas (associações, sindicatos, etc.), posto que a relação jurídica base pode

161 DIDIER JR, Fredie; JR., Hermes Zaneti. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 10ª ed.

Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, p. 30.

162 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 16.

163 MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 521.

164 “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo

individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”. BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Vade mecum. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

165 MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Op. cit., p. 522. 166 DIDIER JR, Fredie; JR., Hermes Zaneti. Op. cit., p. 70.

ocorrer com a parte contrária (planos de saúde, operadoras de telefonia, etc.).167 Nos direitos coletivos os titulares, apesar de indeterminados, são determináveis, diferentemente do que se passa nos direitos difusos. Exemplo de tutela judicial de direito coletivo é o de uma ação coletiva proposta em face de uma empresa de plano de saúde para impedir um aumento das prestações contrário à legislação.168

Já os direitos individuais homogêneos são consagrados pelo art. 81, III do CDC e são entendidos como os decorrentes de origem comum. Tais direitos costumam ser abordados como verdadeiros direitos subjetivos individuais, pois permitem a identificação do seu titular e da sua relação com o objeto. São tidos, ainda, como divisíveis, e a ligação existente entre o sujeito identificável e os demais só ocorre por serem eles titulares de um mesmo direito.169

Sua coletivização, para respeitada doutrina, “tem um sentido meramente instrumental, como estratégia de permitir sua mais efetiva tutela em juízo”.170 Daí surgir a clássica distinção proposta Teori Albino Zavascki entre tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, sendo a primeira referente aos verdadeiramente transindividuais (difusos e coletivos), ao passo que a última se refere aos direitos individuais homogêneos, tratados coletivamente por ficção.171

Há muita discordância acerca do posicionamento defendido por Teori Zavascki.172 Como oportunamente será visto, adotando-se a tipologia de litígios proposta por Edilson Vitorelli, mais do que nunca perde a utilidade o critério de indeterminação dos indivíduos para classificação dos direitos como transindividuais.

Nada obstante, o intuito do presente trabalho gira em torno da ação rescisória coletiva. Por não haver no microssistema da tutela coletiva nenhuma referência à ação rescisória, costuma-se considerar que as disposições previstas no art. 966 e seguintes do CPC/15 aplicam-se a essa ação autônoma de impugnação, sem prejuízo das adequações

167 MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 522.

168 Ibidem, p. 523.

169 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 7ª

ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 40.

170 Ibidem, Loc. cit. 171 Ibidem, p. 41 e ss.

172 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. enxergam os direitos individuais homogêneos como espécies de direitos

transindividuais: “Nos direitos individuais homogêneos, o grupo é criado, por ficção legal, após o surgimento da lesão. Trata-se de um grupo de vítimas. A relação que se estabelece entre as pessoas envolvidas surge exatamente em decorrência da lesão, que tem origem comum: essa comunhão na ancestralidade da lesão torna homogêneos os direitos individuais. Criado o grupo, permite-se a tutela coletiva, cujo objeto, como em qualquer ação coletiva, é indivisível (fixação da tese jurídica em geral); a diferença, no caso, reside na possibilidade de, em liquidação e execução da sentença coletiva, o quinhão devido a cada vítima pode ser individualizado”. DIDIER JR, Fredie; JR., Hermes Zaneti. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 10ª ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, p. 74-75.

necessárias.

Essas adequações devem ser buscadas no universo de disposições legais que regem o processo coletivo (microssistema), sempre tendo mente a concretização de princípio básicos e corolários do devido processo legal coletivo, como o da competência e legitimidade adequada, participação, ativismo judicial, dentre outros.

Como é intuitivo, o necessário entendimento da desconstituição da coisa julgada coletiva – finalidade da ação rescisória coletiva – pressupõe o estudo do regime e características da imutabilidade dos pronunciamentos oriundos dos processos coletivos.

Esse é o objetivo central dos presente capítulo.