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Domicílios brasileiros com televisão (em %) Região 1960 1970 1980 1990 2000

Norte 0,00 8,00 33,90 48,70 69,70 90,00 Nordeste 0,26 6,00 28,10 47,20 78,50 91,70 Centro-Oeste 0,34 10,SO 44,70 69,70 87,10 94,60 Sudeste 12,44 38,40 74,10 84,40 94,20 97,60 Sul 0,80 17,30 60,50 79,70 91,50 96,40 Brasil 4,60 22,80 56,10 71,00 89,10 95,10

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios2008. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ao longo dos mais de cinqüenta anos de história da televisão no Brasil, o Estado, por intermédio dos sucessivos governos, influiu diretamente nessa indústria. Sempre deteve o poder de conceder e cancelar concessões, mas nunca deixou de estimular as emissoras comerciais. Nas décadas de 1950 e 1960, o poder público contribuiu de forma substancial para o crescimento da televisão mediante empréstimos concedidos por bancos públicos a emissoras privadas.

Foi a partir de 1964, no entanto, com o início do regime militar, que a interferência do Estado na televisão aumentou de forma quantitativa e qualitativa. As telecomunicações foram consideradas estratégicas pelos militares, pois serviriam de ins­ trumento para colocar em prática a política de desenvolvimento e integração nacional. Os militares fizeram os investimentos necessários em infraestrutura para viabilizar a ampliação da abrangência da televisão e aumentaram seu poder na programa­ ção por meio de novas regulamentações, forte censura e políticas culturais normativas.

Em 1968 foi inaugurado um sistema de transmissão de micro-ondas e, em 1974, foram criadas novas estações via satéli­

te. Em 1981, um acordo da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) com as redes Bandeirantes e Globo permitiu às emissoras transmitir sua pro­ gramação para todo o território nacional. Os sinais podiam ser captados por qualquer antena parabólica, o que facilitou muito o acesso de regiões distantes de estações repetidoras e estimulou o surgimento de uma indústria de antenas parabólicas. A comunicação via satélite foi incrementada em 1985 e 1986, com o lançamento dos dois primeiros satélites brasileiros.

O projeto de integração nacional pretendido pelo regime militar, alicer­ çado numa política cultural específica, alcançou êxito graças à televisão. Ao espalhar antenas e lançar satélites que cobriam todo o território brasileiro, o projeto oferecia a infraestrutura para que o país fosse integrado, via televisão.

Durante o regime militar, as redes de televisão — que eram privadas — obe­ deciam fielmente às determinações do Estado (que tinha o poder de conceder e

De pé: Jorge Ben Jor, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee e Gal Costa; agachados: Sérgio e Arnaldo Baptista. Essa era a escalação de músicos para a estreia do programa "Divino, maravilhoso" na TV Tupi, em outubro de 1968. Apesar do sucesso, o programa durou pouco, por causa das sucessivas censuras a ele impostas pela ditadura.

Capitulo 20 • Cultura e indústria cultural no Brasil | 193

retirar concessões quando bem entendesse), cumprindo à risca o que mandava o governo militar. Os programas transmitidos passavam a impressão de que o governo era legítimo e vivíamos numa democracia. A maior be­ neficiária desse modelo foi a Rede Globo. Fundada em

1965, cresceu rapidamente, apoiada nas relações amisto­ sas com o regime militar, em sintonia com o incremento do mercado de consumo. Internamente, contava com uma equipe de produção e administração preocupada em otimizar o marketing e a propaganda. O programa

de maior audiência foi a telenovela, que se tornou um “produto cultural brasileiro”, criado por um grupo de artistas e diretores nascidos no cinema e no teatro.

O modelo de televisão estabelecido pela ditadura sobreviveu ao regime mi­ litar e ganhou ainda mais poder. Com o fim do regime, as emissoras continua­ ram atendendo aos governos seguintes, sempre dando a impressão de ser livres e democráticas. A televisão converteu-se, enfim, em fonte de poder político.

As relações entre o Estado e as emissoras modifi- caram-se na década de 1990, quando os investimentos públicos diminuíram, a censura foi abolida e o mercado se alterou com a introdução da transmissão a cabo. O aumento da competição entre as redes de televisão aberta poderia ter levado as emissoras, independentemente de sua orientação política, a adotar uma postura mais autônoma em relação aos governos e aos partidos políticos, mas não foi o que se viu: elas continuaram a seguir o pensamento e as orientações de quem estava no poder.

Como o rádio, a televisão é controlada pelo poder público por meio das regulamentações e também da propaganda oficial. O governo é um grande “patrocinador” até de jornais e outros veículos de comunicação que se dizem independentes. Embora esses veículos tenham grande liberdade, o controle do poder público se manifesta quando, por força do “patrocínio”, não permite que sejam feitas críticas ao governo, ou que se divulguem os protestos contra ele, ou ainda que sejam discutidas de modo mais aprofundado as questões políticas fundamentais do país. Às vezes há pressão direta do governo sobre determinados jornais (televisivos ou não) para que cessem críticas e até demi­ tam jornalistas.

Existem, é verdade, redes de televisão pública que apresentam programação de boa qualidade, mas atingem apenas uma pequena parcela da população. Além disso, há uma diversidade muito grande na forma de administrar esses veículos, que podem ser federais, estaduais e até locais, como as redes uni­ versitárias. Isso gera uma situação difícil no processo de construção de uma televisão que veicule programas de boa qualidade em nível nacional, já que os interesses são múltiplos.

Parabólica em palafita no rio Negro, Amazônia, em 2006: a televisão presente em todas as paisagens do território nacional.

Regina Duarte em cena da novela Selva de pedra, da Rede Globo. Levada ao ar entre 1972 e 1973, a novela atingiu 100% de audiência, segundo o Ibope, no capítulo do dia 4 de outubro de 1972.

A programação da televisão. A televisão é, no Brasil, o meio de comunicação com presença mais marcante, sendo o principal veículo de difusão cultural e de informação. Apesar de o rádio ter maior abrangência, principalmente por causa do baixo custo e do pequeno porte dos aparelhos, a televisão atinge quase a totalidade do território nacional. Os produtos que ela desenvolve de alguma forma definem o que é importante e o que não é, ou seja, o gosto, a sexualidade, a opção política, o desejo de consumo e outros sentimentos são promovidos prioritariamente pela televisão comercial.

A influência da televisão pode ser facilmente consta­ tada nas conversas do dia a dia, nas quais se observa a fre­ qüente adoção de gírias, expressões e gracejos criadas por personagens dos programas de maior audiência. Quem não ouviu, por exemplo, a expressão “ hare baba , quando fazia

sucesso a novela Caminho das índias, da Rede Globo, que

mostrava o cotidiano e a cultura hindus?

Essa influência é bastante preocupante, pois existem

graves problemas relacionados à informação e à formação de opinião. Há, por exemplo, programas de crônica urbana e policial nos quais julgamentos são feitos sem nenhuma possibilidade de revisão. Alguns deles apresentam e anali­ sam (sem pesquisar) os fatos, e normalmente formulam um veredicto para os casos policiais, ou seja, fazem julgamen­ to precipitado e muitas vezes errado. Outros reconstituem casos policiais (assassinatos, normalmente) não resolvidos. Os produtores desse tipo de programa fazem um trabalho de detetives e, por meio de delações, conseguem “resolver” casos considerados impossíveis. Não se sabe se resolvem de fato ou não; só chega ao conhecimento do telespectador o que o programa afirma que aconteceu.

E o jornalismo? Os programas desse gênero pouco informam, já que as notícias precisam ser rápidas e, quase sempre, variadas: um terremoto na China, uma festa no Haiti, um campeonato esportivo na Espanha, uma situação inusi­ tada na Venezuela, um ato governamental no Brasil. Situações completamente diferentes aparecem com a mesma importância e como se estivessem aconte­ cendo no mesmo momento e num mesmo lugar, deslocando-se a historicidade dos fatos para um mundo e seqüência que não existem.

Os programas de domingo, para comentar um último exemplo, são de qualidade tão deplorável que só reforçam a ideia de Theodor Adorno de que o entretenimento é utilizado para anestesiar a capacidade das pessoas de pensar e refletir sobre a vida e as condições reais de existência.

Juliana Paes, atriz, em cena de Caminho das índias, exibida pela Rede Globo em 2009. No período em que a telenovela esteve no ar, expressões e vestimentas indianas ganharam as ruas.

É possível uma televisão diferenter Embora a programação e os comerciais da televisão brasileira influenciem os hábitos e costumes da população, favo­ recendo uma homogeneização de comportamentos, não se pode pensar que os indivíduos sejam receptores passivos que gravam as mensagens e passam

Capítulo 20 • Cultura e indústria cultural no Brasil | 195

Street ArtWorkers

Grafite do projeto "Mídia de quem?", desenvolvido em 2004, nos Estados Unidos, pelo grupo de ativistas Street Art Workers. Intervindo nas ruas de várias cidades, o grupo criticava a falta de conteúdo dos programas televisivos. Essa crítica também vale para o Brasil?

automaticamente a repeti-las. Há sempre uma (re) elaboração do que se vê e escuta, além de muitos outros elementos que influenciam o comportamento e a opinião pública. Se não fosse assim, o regime militar instalado em 1964 teria total aceitação da população brasileira e até poderia ter sobrevivido ao fim do milagre econômico, pois os meios de comunicação, em especial a televisão, com seus programas e noticiários, eram plenamente favoráveis a ele, principalmente a Rede Globo, emissora que detinha na época (e detém até hoje) a maior audiência nacional.

O filósofo brasileiro Renato Janine Ribeiro, em seu livro O afeto autoritário-, televisão, ética e democracia, analisa a televisão brasileira

de um ângulo muito interessante. Deve-se levar em conta, diz ele, a importância que a televisão tem no Brasil, pois ela dá para a so­ ciedade uma pauta de conversa. Basta ouvir o que as pessoas estão falando numa segunda-feira para saber o que foi ao ar nos principais programas dominicais. Se você não viu nenhum, é bem possível que nada tenha para dizer.

A televisão também desempenha um papel na reflexão do Bra­ sil atual, principalmente por meio das telenovelas, que levam para milhões de telespectadores algumas questões pouco discutidas ou até silenciadas — como o homossexualismo, por exemplo, que de “assunto proibido” tornou-se objeto de ampla discussão por ter sido abordado em novelas.

Outros temas, como os direitos da mulher, o preconceito racial, a violência e os direitos dos portadores de necessidades especiais, tornam-se objetos de discussão pela população porque as telenovelas os colocam em pauta. Pode-se dizer que as discussões são superficiais e não levam a uma crítica mais ampla da sociedade; entretanto, elas são importantes pelo simples fato de trazerem à luz aqueles temas, pois é melhor falar sobre eles do que ficar em silêncio.

Janine Ribeiro deixa claro, também, que há alguns assuntos que as no­ velas não discutem, como as questões sociais, a desigualdade de classes e o autoritarismo do patrão sobre o empregado. São problemas que ainda não conseguimos resolver nem discutir, e não interessa às empresas de comunica­ ção que isso seja feito. Como as relações de desigualdade estão internalizadas no imaginário popular, os espectadores, que muitas vezes agem da mesma forma, passam até a achar agradáveis e positivas as personagens autoritárias e despóticas, tomando a afirmação da desigualdade como algo natural. Isso fica evidenciado de modo muito claro quando se trata das relações entre patrão e empregado.

E qual seria a alternativa para melhorar pelo menos um pouco a progra­ mação da televisão? Uma possibilidade estaria na criação de mecanismos de democratização dos meios de comunicação, de modo que não houvesse uma concentração tão grande nas mãos de poucos. No caso da televisão, um dos caminhos seria a concessão de canais para centrais sindicais, Organizações Não Governamentais (ONGs) e outras instituições de caráter público que pudessem transmitir informação e cultura, pulverizando as transmissões no Brasil.

Quanto aos excessos da programação — de sensacionalismo, de infor­ mações tendenciosas, de baixa qualidade dos programas, de manipulação do público, de violência —, muitos pensam que a solução seja a censura. Mas quem define o que é excesso? A história tem comprovado que censurar não é o caminho. Para Janine Ribeiro, o essencial é a formação de um público crítico. E a própria televisão pode colaborar nesse sentido, como ele destaca no trecho de seu livro apresentado no quadro a seguir.