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Segundo Norberto Bobbio, que brilhantemente trata da definição e dos fundamentos dos direitos do homem, no que tange à fundamentação dos direitos do homem, não se fala num problema filosófico, mas político, quando afirma que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto, o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político” (BOBBIO, 1992, p. 24).

O consagrado autor destaca em sua obra a concepção histórica dos direitos do homem, que se originam gradualmente, a partir de determinadas circunstâncias, e pertencentes a uma época e lugar. O rol dos direitos do homem se modifica constantemente de modo a se adequar à realidade vivida em cada tempo, ou seja, às condições históricas do momento a que pertencem.

Acerca dos direitos fundamentais, Bobbio traz três teses afirmando os direitos naturais serem direitos históricos, nascidos no início da era moderna e que progressivamente se tornou um dos principais indicadores do progresso histórico.

Quanto aos fundamentos dos direitos do homem, em um primeiro momento acreditou tratar-se de direitos absolutos, ideia preconizada pela ilusão do fundamento absoluto dos jusnaturalistas; estes colocavam alguns direitos acima da possibilidade de qualquer discussão, por tratar-se de direitos derivados da natureza do homem. No entanto, não são necessárias maiores digressões sobre as críticas já apontadas à corrente naturalista, e assim, após anos de discussão, Kant conseguiu finalmente reduzir os direitos irresistíveis a um qual seja, a liberdade (BOBBIO, 1992, p. 17).

Hoje, porém, não há que se falar na busca pelo fundamento absoluto, sabe-se que qualquer busca por argumentos que provem que existam direitos absolutos, é desprovida de qualquer consistência, pois não existem direitos absolutos.

Passando à análise da expressão “direitos do homem”, em sua acepção, Bobbio considera a expressão bastante vaga e incapaz de definir exatamente o que seriam esses direitos. As definições trazidas até hoje, são

tautológicas, “direitos do homem são os que cabem ao homem enquanto homem”, tratando apenas sobre o estatuto proposto para esses direitos, ou desprezando seu conteúdo “direitos do homem são aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais nenhum homem pode ser despojado”, ou ainda, quando adiciona o conteúdo, uma definição com termos avaliativos: “direitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização”

(BOBBIO, 1992, p. 17). Tais definições, alvos de diversas polêmicas, porém todas sem solução, haja vista que saber o que se entende por aperfeiçoamento da pessoa humana ou desenvolvimento da civilização é no mínimo uma discussão sem fim.

Os direitos do homem, na visão de Bobbio, integram uma classe variável, como demonstra a história.

O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc. (BOBBIO, 1992, p. 18)

De modo claro, Bobbio demonstra que o que é fundamental numa determinada época, pode não sê-lo em outra época, mudam-se as civilizações, mudam as culturas. E, para isso, o autor se vale do relativismo, um dos mais fortes argumentos, em favor dos direitos do homem, não há que se temer o relativismo.

Nesse mesmo contexto, além de variável e mal definível, a categoria dos direitos do homem é ainda, heterogênea. Compreendendo os direitos humanos da Declaração dos Direitos do Homem, muitos desses estatutos são diversos entre si, alguns atingindo até mesmo um nível de incompatibilidade, pois certos direitos são válidos em qualquer situação e para todos os homens. Daí o porquê não deveria falar-se em fundamento, mas de fundamentos dos direitos do homem, dada a grande variabilidade entre eles.

Assim, poucos são os direitos ditos fundamentais que não entram em colisão com outros também fundamentais e que imponham, ao fim, a opção por um em detrimento do outro. Por vezes, optar por um e negar o outro direito é uma

decisão bastante arriscada, tendo em vista que ambos possuem boas razões que os justifiquem.

A escolha deve pautar-se pela imposição de limites a um dos dois direitos em concorrência, salvaguardando também parte dos dois, como por exemplo, a Constituição italiana, que prevê o resguardo aos bons costumes, segundo a lição de Bobbio (BOBBIO, 1992, p. 21).

Deste modo, é possível concluir que os direitos fundamentais possuem base tão diversa entre si, que não podem ser fundamentados da mesma forma. Sobretudo, esses direitos não devem ter um fundamento tão absoluto que não pudesse ser adotada uma justificativa legítima para sua restrição.

Deve-se reconhecer que existe de fato, uma crise dos fundamentos, é incontestável a sua existência. No entanto, conforme já tratado neste trabalho, não se trata de buscar um fundamento absoluto com o objetivo de superá-la, o problema é um pouco mais complexo.

Bobbio, em sua obra “A Era dos Direitos”, sugere que a busca pela solução dessa crise se dê perante a análise de cada caso concreto, com os vários fundamentos possíveis, acompanhada com o estudo das ciências históricas e culturais, verificando as condições e as situações nas quais um direito ou outro pode ser concretizado. E leciona, ainda, que:

O problema dos fins não pode ser dissociado do problema dos meios. O filósofo já não está sozinho. O filósofo que se obstinar em permanecer só termina por condenar a filosofia à esterilidade. (BOBBIO, 1992, p. 24)

Isso significa que os direitos do homem possuem um problema filosófico que não deve ser analisado individualmente, mas conjuntamente com estudos dos problemas históricos, econômicos, sociais e psicológicos ligados à sua concretização. Não se trata de justificar os direitos do homem, mas de protegê-los na forma como deve ser feito.