• Nenhum resultado encontrado

Drama Existencial: o sacerdote volta o espelho para o vazio

3 O ESPELHO PARA O VAZIO: A CONSTRUÇÃO DE UM REPERTÓRIO

3.4 NAS MÃOS O ESPELHO: ESTRATÉGIAS DE ANÁLISE

3.4.3 Drama Existencial: o sacerdote volta o espelho para o vazio

[...] ocorre quando o dramaturgo se insurge contra as condições de sua existência (BRUSTEIN, 1967).

Esta é a última fase da revolta. Cronologicamente, o dramaturgo já se revoltou contra Deus, contra a sociedade, é o momento de perceber que tudo o que foi questionado foi em vão – é a velhice do drama moderno. A revolta tem que ser contra a própria existência. Nesse caso, o dramaturgo examina a vida metafísica do homem e protesta contra ela. Existir, agora, é um ato de rebelião; é um grito angustiado sobre o estado insuportável do ser humano.

Brustein se apropria do conceito de Revolta Metafísica de Camus. Em sua tese, Camus diz que a revolta metafísica é um movimento no qual o homem insurge contra a sua condição e criação (CAMUS, 1999, p.39). A questão metafísica está posta, porque a contestação é porque o homem foi criado? Por que a criação? A metáfora aqui é a do escravo, que contesta sua condição habitando no interior putrefez da escravidão. O escravo nega a maneira como seu senhor o trata; o homem revoltado metafísico se sente frustrado pela criação.

O drama existencial tem relação direta com o drama messiânico, porém o que os afasta é que a existencial é impotente e desesperada, com personagens sub humanos, verdadeiros escravos da humanidade. Viver é torturante. É um movimento inverso ao messiânico – a questão não é quem criou, mas o próprio sentido da criação. Segundo Brustein, esta é uma condição que pode se tornar recorrente na contemporaneidade, é um sentimento pernicioso que pode se espalhar, dando lugar a peças existenciais; já que as relações sociais estão cada vez mais fragilizadas. Entre o viver e o sobreviver existe uma linha tênue para a maioria da população mundial. Neste caso, “o mundo é um verdadeiro campo de concentração, onde o

intercurso social é rigorosamente proibido” (BRUSTEIN, 1967, p.43), em cujo quadro a sociedade está fadada a uma vida de solitário confinamento.

Brustein diz que Strindberg desiste de ser Deus, isso é claro em Inferno; O’Neill em suas últimas peças converte suas exigências messiânicas em apelos existenciais. As primeiras peças de Brecht têm uma subestrutura de revolta existencial, o mesmo acontece com Pirandello. É o impulso dominante que está implícito nas obras de Tennessee Williams, Edward Albee, Jack Gelber e Harold Pinter; além de Samuel Beckett, Eugène Ionesco e todo o teatro do absurdo (BRUSTEIN, 1967, p.44).

A revolta messiânica é o romantismo invertido, neorromântico em fúria, rejeitando seu próprio corpo, sua carne. Nesse caso, a relação é totalmente hostil aos valores e do individualismo messiânico. A referência clara que nos faz identificar o drama existencial é a relação da carne humana como putrefata, suja, lamacenta, como cinzas, em estado de decomposição.

Strindberg, obcecado em todas as suas peças existenciais com a “porca da vida”, identifica o mundo como lixeiras e montes de estrume, sentindo-se aprisionado no Inferno Excremetício de

Swedenborg, Brecht, em Baal, chama ao homem ‘uma criatura

comendo numa latrina’, ao mesmo tempo em que investia violentamente contra o bom Deus, que se distinguiu pela junção do canal urinário com o órgão do sexo. O fato de Shaw mostrar-se divertido com a natureza física do homem dificilmente esconde sua repulsa swiftiana por ele. O Edmund, de O’Neill, em Longa viagem noite a Dentro, graceja: - Somos o material com que se fabrica esterco. – E Samuel Beckett cria um mundo em que os órgãos sexuais perderam seu poder de procriação e as funções do homem são agora exclusivamente excretórias. Assim Lucky descreve a situação em Esperando Godot: “O homem, em suma, apesar dos progressos da alimentação e da defecação se desperdiça e definha, se desperdiça e definha...” (BRUSTEIN, 1967, p.44).

No drama existencial há a presença do anti-herói, aquele que é desprovido de força, tomado pela inércia, impotente em suas ações; não atua por uma crescente paralisia por causas externas a ele, ou porque não consegue retirar dele próprio os órgãos que detesta, que o impedem de agir. Os anti-heróis são todos os vagabundos das obras de Genet, os marginalizados, excluídos, esquecidos, encarcerados, aprisionados, o proletário, o criminoso, o velho, o confinado de corpo e alma (paralíticos, inválidos, cegos), aqueles que degeneram em seu confinamento. Normalmente as personagens centrais são muito velhas, gastas em seu corpo físico e mental, desprovidos de força para agir, sua carne já repleta de chagas.

Brustein diz que o drama existencial é a máxima da tragédia, das emoções, de onde poderia chegar, por isso declinam para o solo, enxergando apenas a terra e sua podridão. Inversamente ao drama messiânico, os anti-heróis só enxergam o chão, não aspiram às alturas, o júbilo do poder.

Estruturalmente, ferem a estrutura dramática no sentido de agirem – drama como ação – já que as personagens arrastam-se, falam por falar, mas a vontade é não dizer nada, talvez porque não exista motivo para proferir nenhuma palavra. Brustein diz que é o drama da inércia. Existe a estrutura dramática com os diálogos, mas uma não ação domina. Em Esperando Godot, os dois vagabundos dizem “Sim, vamos embora... (permanecem imóveis)”.

O tempo é voraz e monótono, mofado, silencioso. As personagens odeiam o presente, temem o futuro e praguejam o passado, condenando-o. O tempo sugere reflexão e nostalgia ao drama.

O cenário é claustrofóbico, aprisionando suas personagens, obrigando-as a habitarem na podridão de suas dores. Segundo Brustein, Strindberg prende seus personagens num pesadelo; Beckett num mundo indefinido, infértil, árido; O’Neill, Brecht e Pirandello, apesar do cenário relativamente realista, há uma atmosfera claustrofóbica e opressiva.

Por fim, Brustein sugere que o existencialismo não é a última fase, porque esta é o fim das relações. Pelo contrário, o grande representante desta categoria, Jean Genet, reaviva o espírito messiânico em suas obras, talvez como uma consequência ao pós-existencial – quando o caos se estabelecer, as forças precisam ser reerguidas, para que o homem reconstrua sua dignidade. Artaud deseja restaurar o drama em sua função mais primitiva; Genet, em toda a sua obra, adquire a forma de um ritual indecifrável, remetendo aos rituais gregos.

Percebamos as fases da revolta como um ciclo que inicia grandioso, reluzente, vai perdendo sua força, não por incapacidade, mas por alterações de objetivos. As relações esmorecem por não atingirem os objetivos anteriores, descreditando a real função das relações humanas. Por fim, só resta voltar à comunhão, reunir toda a massa, para que mais tarde, recarregue as forças e destrua Deus, recomeçando o ciclo.