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2. Enquadramento do estágio pedagógico

2.3. Duas turmas: duas realidades

Uma das realidades da carreira docente é a intervenção do professor se estender a mais do que uma turma ao longo de um ano letivo. Neste sentido, o docente depara-se com a necessidade de gerir diferentes processos de ensino-aprendizagem de forma simultânea, em que cada grupo apresenta as suas especificidades e dinâmica própria. Esta realidade configura na ação do professor, uma necessidade de se desdobrar e reconstruir a sua intervenção, em função das caraterísticas e dos problemas presentes no decorrer de cada um dos processos pedagógicos.

Num contexto tão rico em diversidade, como o meio escolar, as turmas apresentam dinâmicas funcionais que as distinguem umas das outras. Alguns dos fatores que proporcionam esta diferenciação advêm das motivações e aspirações dos alunos que constituem a turma, bem como das sinergias e interações que estabelecem na sua relação grupal. Perante realidades que poderão ser mais ou menos distintas, o mesmo indivíduo e agente educativo terá que estudar e compreender as dinâmicas com que se depara e ajustar a sua intervenção no sentido de tornar o processo de ensino-aprendizagem rentável e eficaz (Darido, Galvão, Ferreira & Fiorin, 1999).

No entanto, é importante realçar os custos inerentes à necessidade de coordenar diferentes programações e intervenções em diferentes turmas, nomeadamente quando um professor leciona duas aulas consecutivamente encarando realidades completamente distintas. O desgaste implicado nesta dinâmica reforça a importância de haver tempos de pausa e recuperação, assim como momentos de reflexão e comparação no intuito de identificar as caraterísticas mais marcantes de cada grupo ou problemáticas em comum, permitindo uma atuação mais proactiva e um processo mais eficaz.

No âmbito do estágio na ESJM, surgiu a oportunidade de lecionar duas turmas em simultâneo (uma turma partilhada pelos professores estagiários e a turma principal que

Página | 31 foi acompanhada durante todo o ano letivo), ao longo de um semestre, ocasionando uma experiência mais desgastante, mas mais próxima da realidade da carreira docente. A prática letiva, decorrendo em dois processos pedagógicos simultâneos, solicitou um redobrar de recursos e envolvimento, promovendo a criação de dinâmicas e intensificação do ato de ensinar e aprender do estágio pedagógico. Esta oportunidade resultou num estímulo determinante para o aumento da plasticidade e versatilidade na intervenção enquanto docente, promovendo um olhar profundo sobre duas realidades distintas.

A riqueza desta experiência apresentou um caráter ainda mais marcante, visto que as duas turmas apresentavam dinâmicas muito diferentes, solicitando formas de estar e intervir, também diferenciadas. Enquanto uma das turmas demonstrava uma forma de estar mais tranquila e um nível de proficiência regular que permitiam a operacionalização de aulas com solicitações ricas, diversificadas e harmoniosas, a outra turma caraterizava- se por uma dinâmica muito peculiar e distinta. Exteriorizava grande energia e agitação no seu comportamento e forma de estar nas aulas, estabelecendo um grande potencial e disponibilidade para a realização das tarefas de aula e simultaneamente uma irregularidade na sua postura coletiva. A conduta imprevisível desta turma tinha a capacidade de resultar em aulas extraordinárias e com grande dinamismo, bem como em aulas menos conseguidas, sendo que a ausência ou presença de determinados elementos da turma influenciavam toda a dinâmica do grupo.

Face à descrição comparativa entre os dois grupos é possível compreender que ambas as turmas exigiam posturas e intervenções diferenciadas. No entanto, a segunda turma, pela sua grande imprevisibilidade, surgiu como um desafio distinto e bastante exigente, na medida em que exigia constantes adaptações ao planeamento efetuado para a aula. A necessidade de realizar constantes alterações no imediato e de responder à imprevisibilidade desta turma, aumentava o grau de dificuldade da intervenção, apresentando-se como um estímulo preponderante no desenvolvimento de aprendizagens robustas no âmbito do estágio pedagógico.

Deste modo, a oportunidade de lecionar duas aulas consecutivas no mesmo dia foi também uma realidade que proporcionou e que elucidou para a dinâmica de transição de uma turma para outra, com caraterísticas distintas e posturas completamente diferentes. Neste sentido, surgia uma necessidade de reestruturação do professor enquanto indivíduo, para iniciar a aula seguinte, o que se tornava muito desgastante, como todos os processos

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de metamorfose eventualmente o serão, mas ao mesmo tempo muito interessante do ponto de vista da experiência enquanto professor. Nesta perspetiva, é de questionar o custo inerente a um horário com seis ou mais turmas, bem como a capacidade de dar uma resposta eficaz face a diversos processos de aprendizagem em simultâneo.

Nesta lógica, torna-se pertinente refletir sobre as exigências que o ensino coloca ao professor, bem como sobre a capacidade que a formação de professores apresenta em dar respostas a este tipo de necessidades, pois o que está em causa não se prende apenas com fundamentos técnicos, mas também com processos de interação humana e relação emocional. Nesta linha de pensamento, espera-se que o processo educativo seja entendido na sua dimensão complexa e criativa, e que os docentes se apresentem críticos sobre a sua intervenção e papel na educação, assumindo um comprometimento com a sua função (Silva dos Santos, 2005).

No sistema educativo que hoje se vive, assiste-se a um processo de transformações profundas e aceleradas em que a educação surge como um elemento que estabelece as relações do homem com a sociedade, disseminando os saberes socialmente produzidos (Silva dos Santos, 2005). No entanto, a presença de diferentes realidades num meio escolar comum, é representativa da singularidade e unicidade do indivíduo, em que os educandos não podem ser reconhecidos como folhas de papel em branco, pois estas pessoas apresentam uma experiência e uma capacidade de pensamento que deve ser considerada (Sampaio, Socorro dos Santos & Mesquida, 2002; Storti, 2010).

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