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4 O QUE É PRECISO SABER PARA CONSTRUIR UM CURRÍCULO PARA EJA?

4.1 O DUETO JOVENS E ADULTOS

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4 O QUE É PRECISO SABER PARA CONSTRUIR UM

141 fracasso45 já estigmatizado em relação a essa modalidade de ensino. No entanto, esse processo não deve ser apenas pensado pela escola ou pelos professores, deve, sim ser um trabalho de equipe, que inclua todos os atores que estão diretamente envolvidos na educação.

Penso que o passo inicial precisa ser dado pelos professores, que suponho, estejam mais preparados para esta tarefa. Após muitos estudos e discussões, sobre educação popular, educação de jovens e adultos, ensino e aprendizagem, enfim temas relacionados com o universo estudado aqui nessa tese, percebo que os professores já estão mais já conscientes desse processo do que os alunos. Mas isso não quer dizer que os professores devam assumir todas as responsabilidades, isentando os alunos de participação.

Na verdade, o que penso é que muitos alunos de EJA chegaram à escola com imagens que foram sendo apropriadas ao longo de suas vidas, as quais lhes remetiam a um lugar passivo, de alunos que iam para a aula para os professores lhes ensinarem algumas coisas que eles poderiam usar na suas vidas algum dia. Por isso cabe ao professor mostrar a esses alunos que seu lugar na construção do seu próprio conhecimento é mais importante do que eles imaginam.

Se parecer que, de alguma forma, essa ideia possa contrariar a teoria freireana, posso realmente afirmar que isso não ocorre, porque o professor não estaria intervindo na construção do conhecimento propriamente dito, mas sim, na preparação do aluno para assumir com o professor essa tarefa. Esse passo é essencial, uma vez que os educandos precisam se reconhecerem como sujeitos na sua busca de conhecimento. Isso foi o que Freire fez no nordeste brasileiro, nos países da América Latina onde atuou ou na Guiné, nas turmas de alfabetização.

45 O fracasso escolar é uma expressão abrangente, usada para nomear qualquer falha que ocorra no sistema escolar. Seu uso quase que indiscriminado, pela escola tradicional, atribui ao aluno a responsabilidade por essas falhas, isentando o sistema. Caracteriza-se por repetências sucessivas, evasão escolar e dificuldade de aprendizagem de diferentes ordens. Sacristán (2000) atribui um alto índice de fracasso escolar às exigências inadequadas de conteúdos, considerados como obrigatórios.

142 De qualquer forma, os professores precisam conhecer seus alunos, seus anseios, suas necessidades, assim como os alunos precisam conhecer sua escola, seus professores e demais pessoas que atuam na escola. E, dessa interação, poderá nascer a possibilidade de construção coletiva do conhecimento.

Nos dois grupos em que realizei minha pesquisa pude observar a manifestação dessa característica. Um dos aspectos que mais me marcou foi a amplitude do espectro etário. Na turma 311, que corresponde à turma de EJA, as idades ficaram entre 18 e 56 anos, enquanto que na turma 312, que corresponde à turma de PROEJA, as idades se situaram dento de um limite um pouco menor, mas não menos significativo: entre 18 e 43 anos. Cabe lembrar de que o número de alunos que iniciaram o curso, momento em que foram coletados esses dados, foi de 29 alunos na EJA e 30 no PROEJA.

Detalhando mais essa informação, posso dizer que fiz duas análises: na primeira somei a idade do aluno mais novo e do aluno mais velho, respectivamente 18 e 56 anos, dividi por dois, o que resultou o número 37, que estabeleci como parâmetro para separar dois grupos: o primeiro com alunos de idade inferior a 37 e o segundo superior a 37. O resultado mostrou 22 e 28 alunos com idade inferior a 37 anos em cada turma e 7 e 2 alunos com idade superior a 37, respectivamente na turma EJA e na PROEJA.

Na segunda análise estabeleci aleatoriamente a idade de 25 anos como parâmetro. Nesse caso o resultado foi: o primeiro grupo apresenta, entre 18 e 25 anos inclusive, 20 alunos na EJA e 15 alunos na PROEJA; e o segundo, acima dos 26 anos, 14 alunos na EJA e 10 na PROEJA, perfazendo um total de 35 alunos com 25 anos ou menos e 24 alunos com idade superior a 26 anos.

Comparativamente, ao chegar ao final do curso, após transcorrerem dois semestres em que houve evasão e reprovação (4 na EJA e 3 na PROEJA) e desistências (13 na EJA e 11 na PROEJA), a diminuição do número de alunos foi de 29 para 13 alunos na EJA e de 30 para 16 na PROEJA. Desses que terminaram o curso, fiz o levantamento, aumentando dois anos na faixa etária para acompanhar o período.

143 Assim, na EJA terminaram com 27 anos ou menos 6 alunos e com 28 anos ou mais 7 alunos. Na PROEJA terminaram o curso 9 alunos com 27 anos ou menos e 7 alunos com mais de 28. As duas turmas reunidas perfazem um total de 35 alunos que entraram com 25 anos ou menos e 15 alunos terminaram acima de 27 anos. Na segunda faixa etária, acima de 25 anos, entraram 24 alunos e terminaram 14 alunos.

Como são muitos dados e variáveis essa informação parece confusa. Para facilitar a visibilidade e precisar o entendimento apresento a informação em percentuais, incluindo as duas turmas:

- 49,15% dos alunos que ingressaram se formaram no ensino médio em julho de 2008.

- No semestre do ingresso: 59,32 % dos alunos tinham 25 anos ou menos e 40,68 % tinham 26 ou mais.

- No semestre da formatura: 51,72 % dos alunos tinham 27 anos ou menos e 48,28 % tinham 28 ou mais.

Com esses percentuais fica mais fácil verificar que maior número de alunos da faixa etária dos mais velhos se formou e da faixa etária dos mais jovens houve maior índice de evasão, desistência e/ou reprovação. Mas os números indicam que a diferença não é grande.

Vendo os números apresentados é possível dizer que essas duas turmas de EJA atenderam, quase que na mesma proporção jovens e adultos, diferentemente de anos atrás, como no curso PEMJAT, relatado no capítulo 2, o qual atendia maior quantidade de pessoas mais velhas.

Se o público mais velho necessita cuidados especiais na preparação das aulas e dos processos educativos de um modo geral, os mais jovens, que constituem um grande número que voltam a estudar ou trocam do ensino regular para essa modalidade de ensino, por uma série de razões que não quero destacar nesse momento, também o merecem.

144 A entrada de jovens cada vez mais cedo na Educação de Jovens e Adultos tem sido discutida frequentemente por pesquisadores e educadores. Brunel (2004) fez uma investigação rigorosa sobre esse contexto, levantou dados por meio de bibliografia da área, fez entrevistas, estudou casos. Determinou que há uma série de fatores que estão imbricados, pois um leva ao outro numa corrente circular.

Numa sequência de fatos por que passa um jovem que chega à EJA, podemos apontar todos os tipos de problemas que enfrentam desde fatores emocionais, socioeconômicos e familiares, que são mais determinantes do que os cognitivos, até fatores pedagógicos, políticos, legais e estruturais, que são corresponsáveis.

Os jovens desmotivam-se, pois as aulas não lhes parecem interessantes, mas é importante destacar que a escola ainda parece interessante, pois lhes proporciona encontros com outros jovens e lhes permite fazer amizades e ter relacionamentos. O que não lhes agrada são a metodologia usada nas aulas e os conteúdos obrigatórios.

Essa desmotivação os leva a não prestar atenção em aula, a conversar, a se distrair. Esse comportamento por sua vez, leva a escola como um todo a tratar esse aluno como indisciplinado, desajustado, desinteressado, um indivíduo que não se adapta ao ritmo escolar. Daí é um passo para os castigos, como trabalhos extras, redução das notas, entrevistas com os pais ou responsáveis, reprovação. Esses fatos tendem a se intensificar no ano seguinte, acrescidos de outros fatores, como um grupo diferente, do qual não conhece os colegas e precisa fazer novas amizades, discriminaç~o dos colegas e professores por ser repetente, apelido de “burro” e irresponsável taxado pelos amigos e pela própria família.

Nessa sequência de acontecimentos, o quadro só tende a piorar e vai culminar com jovem fora da idade/série, gerando transtornos maiores como adaptação difícil aos colegas mais novos, com outros pontos de interesse e maturidade diferente. A alternativa que se apresenta é ir para uma turma em que as idades sejam mais próximas da sua. Migrar para o turno da noite parece ser a solução. Ao cogitar essa possibilidade os orientadores da escola, via de regra, um ou no máximo dois para dar conta de inúmeros problemas pedagógicos e disciplinares, veem na transferência do

145 jovem um problema a menos para se preocuparem, a família imagina que à noite ele terá melhores condições de se adaptar para estudar e talvez trabalhar de dia para ter seu “dinheirinho”, e o próprio jovem pensa que o estudo noturno deve ser mais “leve”

e terá mais tempo para si mesmo. Enfim, parece ser a solução para todos (BRUNEL, 2004).

Aqui, inicia um novo problema. O número de escolas públicas que oferecem ensino médio não atende a demanda existente. E o aluno se vê encurralado. Nesse contexto, surge a EJA, que parece ser uma alternativa viável, pois ainda permite o término dos estudos em menos tempo do que o ensino regular. Logo ao iniciar, o aluno já se depara com um universo inesperado: há pessoas de todas as idades na sala, algumas bem mais velhas, com o dobro da sua idade ou até mais. O que conversar com essas pessoas? Elas não entendem a sua gíria de adolescente, não conhecem os seus músicos preferidos, não curtem as mesmas coisas que ele.

Por outro lado, os alunos mais velhos se deparam com a mesma situação, sob o ângulo invertido: os jovens são agitados, fazem os exercícios rapidamente para ficarem mais tempo conversando, não ficam quietos durante as explicações dos professores, entram e saem da sala a todo instante, querem atender o celular, enfim,

“perturbam” a aula. Como conviver com esses “crianças impertinentes” 46?

Isto posto, posso afirmar que o trabalho do professor nesse ambiente é determinante para o andamento das aulas. Se o professor agir segundo a orientação de Freire, possivelmente se sairá bem; caso contrário, se mantiver uma postura tradicional, com uma abordagem de educaç~o “banc|ria”, corre o risco de desencadear novos processos de insatisfação e desinteresse. A situação daí decorrente, associada aos problemas emocionais já descritos, às questões relacionadas com aspectos sociais, socioeconômicos e familiares, que são bastante presentes entre esses alunos, poderá levar à desistência ou adiamento da escolarização outra vez.

46 Essas informações que foram colhidas nas conversas informais, nos conselhos de classe participativos e nas reuniões com alunos, quando me procuravam como coordenadora do curso, encontram-se registradas nos diários de campo.

146 Como Brunel afirma, “o professor que trabalha com estas turmas tem que conciliar o afeto com a disciplina e com um currículo a ser cumprido” (2004). Isso n~o quer dizer que seja fácil fazer a mediação, nem que o professor tenha que ter passado pelas mesmas experiências que seus alunos para entendê-los. O professor precisa, sim, mostrar a seus alunos que, mesmo não sendo um processo fácil, o saber é um processo bonito e que o aluno jamais poderá prescindir do ato sério de estudar, conforme diz Freire.

Há necessidade de que o corpo discente, assim como o docente, se envolva no processo educativo desde seu planejamento até a conclusão de cada etapa prevista, passando pela discussão, escolha e sequência dos conteúdos, ritmo empregado no trabalho, até a avaliação.