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X- Julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;" (grifou-se).

6 A Divisão em Correntes

6.4 Argumentos da Corrente Vencida 1 Princípios da Igualdade e República

6.4.5.2 Duplo Grau de Jurisdição e Juiz Natural

O duplo grau de jurisdição é pouco abordado pela corrente vencida. Dos cinco ministros, apenas dois fazem referências a essa categoria. Não poderia ser muito diferente, uma vez que a presença do duplo grau de jurisdição quando lido de maneira literal ao lado da hipótese de competência do foro poderia trazer incompatibilidades no devido processo legal, como afirmou Fachin na corrente vencedora.

Portanto, para a corrente vencida ainda que a ideia de duplo grau de jurisdição seja afastada, não há uma anomalia jurídica. O ministro Dias Toffoli nessa linha diz que a ausência de duplo grau no caso do foro especial implica diretamente em um julgamento mais ágil, sem recursos, e inclusive com menos prescrições. E como difundido pelo precedente da Rcl. 473, o interesse público e a capacidade de resistência diante das pressões políticas explicam a razão do foro especial no STF ser imperativa, ao passo que o duplo grau pode ser relativizado.

Aliás, segundo o ministro Alexandre de Moraes, a relativização do duplo grau pode inclusive acontecer em outros contextos e neles o STF pode agir como instância única. Para este ministro, em quaisquer casos em que houver ameaça ou concreta violação dos direitos fundamentais das autoridades políticas ou quando essas mesmas pessoas estiverem violando direitos fundamentais de terceiros, o STF deve agir como instância única.

Nesses termos, o ministro realiza com o duplo grau algo parecido com o que a corrente vencedora fez ao interpretar os princípios da igualdade e da república. Naquela situação, os princípios foram colocados em tamanha superioridade que o texto literal da constituição no artigo 102,I,b foi reinterpretado ao restringir competências. Semelhantemente, essa afirmação

. 112 de Moraes sugere o abandono de uma leitura literal do duplo grau em dados contextos de violação a direitos fundamentais, em que a competência do STF pode se expandir legitimamente.

Quanto ao princípio do juiz natural, os ministros da corrente vencida que abordam o assunto são Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Observou-se que o princípio do juiz natural para a corrente vencedora se confunde com a própria competência que os juízes de primeiro grau podem ter ao julgar os parlamentares, em função que em local do cometimento do delito seja dada a competência para o julgamento.

Essa correspondência também está presente na corrente vencida. Para Moraes, a mudança de interpretação trazida pela corrente vencedora não assegura o princípio do juiz natural, mas o viola. Ademais, além de equivaler a uma livre interpretação da Constituição, a estabilidade do ordenamento jurídico e a segurança jurídica também restam abaladas.

Portanto, para Moraes é descabido reproduzir a máxima de que a restrição do foro está em conformidade com o princípio do juiz natural que possibilita inclusive o controle processual do STF em via recursal. Na realidade, o STF necessita de instrumentos processuais para dar efetividade à justiça, diante da competência originária do foro, tendo a iniciativa de lidar com alterações no processo penal. Assim, segundo ele, se atribuições processuais fossem dadas ao STF pelo legislativo, não haveria problemas em uma maior flexibilidade das definições de competência pelos próprios ministros da Corte.

O ministro Dias Toffoli diz em relação a esse princípio que a interpretação restritiva impede a concretização do juiz natural. Mais que isso, esses critérios restritivos podem existir desde que aplicados para todas as pessoas. Ou seja, o problema não está na restrição de competências por parte do STF, mas na extensão dessa medida. Porque do mesmo modo, a prorrogação de competências significa uma restrição às competências do STF, mas é para Toffoli, um dado mais objetivo, aplicável a todos os parlamentares federais sem grandes discussões.

. 113 Não se pode dizer o mesmo dos critérios “no cargo” e “em função” do cargo que por sua vez são subjetivos153. E representam para esse ministro

uma “subtração discricionária” de um procedimento pelo STF, e nesses termos uma violação ao juiz natural. Entretanto, contrariamente ao que disse acima o ministro Alexandre de Moraes, para Toffoli nem mesmo as técnicas legislativas que abrem margens para a discricionariedade para o STF dispor de matéria processual podem subsistir por esse princípio. Com isso, o princípio do juiz natural é sobremaneira valorizado pelo ministro, pois é uma garantia que todos os poderes do Estado devem respeitar.

A partir da compreensão de que o princípio do juiz natural não é incompatível com o foro, mas na realidade, se confunde com a importância em se assegurar a competência do STF, os ministros da corrente vencida partem para os problemas que o desrespeito a essa previsão podem implicar. E nisso se destacam com maior clareza na ação penal 937 dois deles, a especialização das justiças de primeiro grau no julgamento de políticos e a possibilidade do controlador ser julgado pelo controlado.

Quanto ao primeiro problema, o ministro Gilmar Mendes diz que o princípio do juiz natural é violado diante de ter-se uma câmara especializada para julgar crimes com foro especial, tal qual fez o Tribunal de Justiça no Rio Grande do Sul, além de constituir uma “câmara de gás”154. Logo, atribuir

competências ao primeiro grau alegando uma maior eficiência não significa para o ministro uma atitude de respeito ao ordenamento jurídico.

O segundo problema está na insubordinação ao princípio do juiz natural, em um caso hipotético de um juiz de primeiro grau que, apesar de ser controlado pelo CNJ, puder processar os integrantes daquela instituição. Isso

153 Para ser um critério objetivo Dias Toffoli diz que o sistema de foro privilegiado só seria preservado através da tese de crimes cometidos no cargo e em função do cargo, se os demais agentes públicos forem contemplados com essas hipóteses, o que não é o caso, pois existem outros numerosos cargos administrativos e políticos detentores da prerrogativa além dos parlamentares federais.

154 “Mas há um outro fato muito curioso, que ocupou o Supremo em outro momento,

que é a famosa chamada "câmara de gás" do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Exatamente para julgar as causas dos prefeitos, as matérias criminais, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul organizou uma câmara especializada, e de lá saíram muitas condenações.” Página 339 da Ação Penal 937.

. 114 comprometeria esse princípio, porque para o ministro o controlador seria julgado pelo controlado.

Conclui-se que o Supremo não pode alterar suas competências processuais porque isso não está na Constituição e nem foi pensado pelo legislativo. Além disso, uma das garantias processuais já estabelecidas inclusive em termos de competência refere-se à prevalência do juiz natural como algo que promove a segurança jurídica, à previsibilidade de julgamentos e à fixação de limites de atuação mais claros, conforme pressupostos legais sem inovações ad hoc.

Por fim, houve ainda uma maior prioridade de valores do direito doméstico, contrariamente ao que fez a corrente vencedora, ao trazer inúmeros exemplos da aplicação das competências de judiciários de outros países no julgamento de políticos. A análise comparada dessas correntes também demonstra que o princípio do duplo grau não é tão relativizado naquela corrente quanto nessa, que, ainda que implicitamente, impõe uma hierarquia da competência do artigo 102,I,b ao duplo grau na ação penal 937.