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O ECA já completou dez anos, vai completar onze anos, e ainda falta a todos

No documento O trabalho juvenil em perspectiva (páginas 89-95)

nós brasileiros a consciência de que o

estatuto veio para dar direitos iguais a

todos. É isso que deve ser preconizado e

eu acho que estamos nos encaminhando

para isso.

(OP5)

Segundo Souza (1995), com a mudança da legislação, a fala das pessoas que são sujeitos de sua história deve acompanhar a discursada

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transposição, por isso torna-se necessário definir expressões relacionadas ao novo paradigma. Se a nova lei estabelece criança, todo indivíduo de 0 a 12 anos incompletos e adolescente, aqueles que têm de 12 a 18 anos incompletos, então o termo “menor” se tornou nomenclatura ultrapassada.

A substituição do termo menor, que reporta à idéia de situação irregular, pelos termos criança e adolescentes, é uma mudança com potencial simbólico do novo paradigma, pois representa a síntese da superação de uma legislação e políticas repressivas, para uma proteção integral e políticas universais e participativas.

O código revogado não passava de um código penal do “menor” disfarçado em um sistema tutelar; suas medidas não passavam de verdadeiras sanções. Atualmente, os direitos de todas as crianças e adolescentes são universalmente reconhecidos como direitos especiais e específicos, em virtude de sua condição de pessoa em desenvolvimento, devendo ser assegurada a satisfação de todas as suas necessidades até os 18 anos.

Farjado (1999) salienta que o paradigma atual é vencedor na disputa pela verdade da forma jurídica, ou seja, conseguiu impor-se como parte do ordenamento jurídico geral, situado na Constituição, o que lhe confere um status de confiabilidade como legítimo e oficial.

Nogueira (1996) resume o conteúdo do ECA destacando algumas linhas gerais. A proteção e a garantia dos direitos das crianças e adolescentes se faz no Estatuto através de uma linha de promoção de direitos (artigos 7 a 69), uma linha de efetivação de políticas públicas estaduais e comunitárias (artigos 86 a 97) e, finalmente, determinando o processo de reordenamento institucional em função de sua implementação. O Estatuto sistematiza ainda, uma linha de defesa de direitos,

através da instituição de medidas de proteção (artigos 98 a 102), da explicitação do devido processo legal para apuração de atos infracionais praticados por adolescentes (artigos 103 a 128) e da instituição de um elenco de medidas jurídicas, administrativas e judiciais, de proteção desses direitos (artigos 128 a 258).

O ECA se subdivide em duas partes: a primeira, chamada Parte Geral (Livro I), é uma declaração dos direitos das crianças e adolescentes e, a segunda, chamada Parte Especial (Livro II), é composta dos mecanismos de viabilização desses direitos, ou seja, de suas garantias.

Costa (1994) salienta que a dimensão da nova legislação pode ser dividida em três grupos de mudanças: de conteúdo, de método e de gestão. Segundo a apresentação do autor, as mudanças de conteúdo abrangem o campo dos direitos individuais (vida, liberdade e dignidade) e o campo dos direitos coletivos (econômicos, sociais e culturais), em que serviram como referência, instrumentos da normativa internacional, tais como: as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil; o Projeto de Regras Mínimas, para os jovens privados de liberdade, e a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), dentre outros documentos.

Quanto às mudanças de método, o ECA “instaura uma verdadeira revolução copernicana nesse campo” (Costa, 1994, p.26). O Estatuto substituiu o assistencialismo por um novo tipo de trabalho educativo emancipado, baseando-se assim, na noção de cidadania, ou seja, as crianças e adolescentes passam à condição de sujeitos detentores de direitos.

A nova legislação introduz significativas mudanças na gestão da política de atendimento à infância e à juventude, tendo por base dois princípios básicos: a descentralização político-administrativa, que amplia as competências e

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responsabilidades do município e da comunidade, e a participação da população, por meio de suas organizações representativas, que estão asseguradas através dos Conselhos paritários e deliberativos em todos os níveis: municipal, estadual e federal. Fica assim alterado radicalmente, o modo de conceber a criança e o adolescente, merecendo destaque o fato de que na nova legislação não há mais diferença entre criança rica e pobre: todas possuem iguais direitos, sem discriminações, visto que o atendimento da criança e do adolescente é compromisso da família, do Estado e da Sociedade.

Lehfeld e Silva (1998) propugnam que as propostas contidas no Estatuto, atribuem à infância e juventude a igualdade de direitos em relação aos demais cidadãos, baseando-se numa política de respeito, incentivo e proteção a esses sujeitos que estão em fase de crescimento e desenvolvimento de potencialidades físicas, psíquicas e sociais.

Costa (1994, p.31) destaca aspectos ligados às novas conquistas, conferidas pelo Estatuto, avaliando que foi uma grande conquista o adolescente ser considerado uma pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. Afirma o autor que isso significa que, além de todos os direitos que os adultos desfrutam e que sejam aplicáveis à sua idade, ele tem ainda direitos especiais decorrentes do fato de que:

... ainda não têm acesso ao conhecimento pleno de seus direitos; ainda não atingiram condições de defender seus direitos frente às omissões e transgressões capazes de violá-los; não contam com meios próprios para arcar com a satisfação de suas necessidades básicas; por se tratar de seres em pleno desenvolvimento físico, emocional, cognitivo, sociocultural, a criança e o adolescente não podem responder pelo cumprimento de leis e demais deveres e

obrigações inerentes à cidadania da mesma forma que os adultos.

A nova legislação revolucionou o Direito Infanto-Juvenil ao adotar a Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, que estabelece que crianças e adolescentes necessitam de proteção diferenciada, especializada e global, que deverá ser assumida primeiramente pela família e supletivamente pelo Estado e Sociedade. Ela indica, ainda, o mecanismo de sua exigibilidade, em que a garantia da prioridade deverá ser promovida e fiscalizada pelo Ministério Público. Vercelone apud Pereira (1996, p.28) afirma que “o termo proteção pressupõe um ser humano protegido e um ou mais seres humanos que o protegem”. Ou seja, significa que um ser humano necessita de outro ser humano – o qual, certamente, deverá ser mais forte que o primeiro, para que possa protegê-lo. Dessa forma, é possível deduzir que a proteção pressupõe uma desigualdade: um é mais forte que o outro. Isso implica em uma redução real da liberdade real daquele que é protegido, pois ele deve confiar-se às instruções de seu protetor e por ele é defendido contra terceiros (outros adultos e autoridade pública).

O Estatuto da Criança e do Adolescente trata do direito da convivência familiar e comunitária, numa demonstração que esta é uma das condições necessárias para o desenvolvimento saudável de um ser em formação. A família, como principal agente socializador, é também revestida de deveres e responsabilidades, que são direcionadas à satisfação das necessidades básicas na infância e adolescência, atendendo não só àquelas vitais, mas propiciando proteção para que ocorra um desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade e, assim, de convivência social.

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Conforme a nova legislação, os pais são responsáveis pela formação dos filhos, não só pela detenção do pátrio poder, mas pelo dever de garantir os direitos fundamentais, reconhecendo o status familiae, que implica na coincidência de direitos e deveres. O não cumprimento de suas obrigações e responsabilidades torna a família factível de ser punida, sendo que, ao mesmo tempo, todas as medidas de proteção reforçam o vínculo familiar.

Na legislação vigente ficou firmado ainda que, quando a família não estiver cumprindo sua função de protetora e formadora, o Estado e a Sociedade deverão subsidiá-la, informando-a e instrumentalizando-a e, excepcionalmente, afastando-a ou substituindo-a em algumas funções. O locus de atenção é a criança e o adolescente, bem como o resguardo de seus direitos.

Na realidade nacional, a família se apresenta com padrões diferenciados que evidenciam o próprio sistema econômico vivido. É nesse contexto que a situação de fragilidade das famílias encontra-se associada a situações de carências: emocional, cultural, financeira, social, habitacional e outras. As desigualdades constituem o conteúdo da chamada questão social, que se manifesta pela fome, violência, exploração, desemprego, evasão escolar, trabalho infanto- juvenil. Na sociedade brasileira, caracterizada por inúmeras desigualdades, verifica- se a situação de pobreza e vulnerabilidade da família, desassistida e inatingida pela política social. De um lado presencia-se a modernização tecnológica e a valorização do mercado; de outro, observa-se nitidamente a deterioração e subalternização das condições humanas.

O quadro atual mostra que o Estado se encolhe e as políticas sociais em geral, cada vez mais, trazem uma ótica fragmentada e descontextualizada,

geralmente repassada pelos programas assistenciais que acabam por reforçar a subalternidade e a exclusão.

Nesse enfoque, com pertinência, ressalta Demo (1993, p.74-75):

Entretanto, as formas mais usuais de assistência voltam-se para o atendimento de populações marginalizadas.

(...) no fundo o assistencialismo grassa em todos os cantos das assistências, porque o tratamento é tipicamente emergencial de uma realidade encardidamente estrutural, não há propriamente assistência, mas balcão de doações magras, arduamente disputadas, por vezes motivadoras de certa ‘indústria’ das esmolas públicas.

O Estado brasileiro, por sua vez, tem se mostrado absolutamente incompetente perante a assistência à família, à criança e ao adolescente.

O Estado peca ao tentar responder estas questões de forma excludente ou mesmo paliativa. A criança e o adolescente quando alijados de seus direitos, sofrem o processo de exclusão justamente por pertencerem a grupos familiares desestruturados social e economicamente, ou seja, grupos também inseridos no processo de exclusão social. (Moreira, 1998, p.201)

Tal enfoque também foi referendado pelos representantes dos órgãos pesquisados, quando ressaltaram:

Na verdade existem muito poucos

No documento O trabalho juvenil em perspectiva (páginas 89-95)