• Nenhum resultado encontrado

4. REVISÃO DE LITERATURA

4.5 Ecologia da paisagem e geossistema

Para Hobbs (1994) apud Metzger (2001) a ecologia de paisagem é considerada uma área do conhecimento emergente, em busca de arcabouços teóricos e conceituais sólidos. A forma de utilização do termo vem se dando muitas vezes de forma imprecisa, em função da busca de superação dos impasses criados pelas diferentes visões de paisagem utilizada pelos pesquisadores.

Existem hoje duas abordagens distintas de ecologia da paisagem. Uma nascida na Europa, em meados do século passado e outra mais recente que surgiu a partir de um workshop realizado em Illinois nos EUA (Risser et al., 1984 apud Metzger (2001).

A primeira referência à palavra “paisagem” na literatura vem do “Livro dos Salmos”, poemas líricos do antigo testamento em 1000 a.C. em hebraico por diversos autores, mas atribuídos na maioria ao rei Davi.

Atualmente segundo o dicionário Aurélio paisagem é definida como “um espaço de terreno que se abrange num lance de vista”. Portanto a palavra possui diversas conotações em função do contexto e de quem a usa. Porém apesar de vários conceitos a noção de espaço aberto, espaço vivenciado ou de espaço de inter-relação do homem com o seu ambiente está presente na maior parte das definições.

No âmbito científico, a primeira pessoa a introduzir o termo paisagem foi Alexander Von Humboldt, no início do século XIX, com o sentido de característica total de uma região terrestre. Em 1939 o termo ecologia de paisagens foi empregado pelo biogeógrafo alemão Carl Troll, apenas quatro anos após Tansley (1935) ter introduzido o conceito de ecossistema.

Segundo Metzger “A ecologia de paisagens caracteriza-se por um duplo nascimento, sendo assim construída também duas visões distintas da paisagem” (Metzger, 2001: 2). O primeiro surgimento foi impulsionado por Carl Troll e por geógrafos da Europa Oriental e da Alemanha. Essa abordagem teve forte influência da geografia humana, da fitossociologia e da biogeografia e de disciplinas de geografia ou arquitetura, voltadas ao planejamento regional. Para ele três pontos fundamentais caracterizam a abordagem geográfica, sendo a preocupação com o planejamento da ocupação territorial, através do conhecimento dos limites e potencialidades de uso econômico de cada unidade da paisagem, o estudo de paisagens fundamentalmente modificadas pelo homem e a análise de amplas áreas espaciais, sendo a ecologia da paisagem diferenciada nessa abordagem, por enfocar questões em macro-escalas, tanto espaciais, quanto temporais.

Nessa perspectiva a paisagem é definida por Troll apud Metzger (2001), “como a entidade visual e espacial total do espaço vivido pelo homem” (Metzger, 2001: 3). Fica clara a preocupação com o estudo das inter-relações do homem com o seu espaço de vida e com as práticas na solução de problemas ambientais.

A ecologia da paisagem pode ser definida como uma disciplina holística, integradora de ciências sociais (sociologia, geografia humana), geofísicas (geografia física, geologia, geomorfologia) e biológicas (ecologia, fitossociologia, biogeografia), visando em particular à compreensão global da paisagem (essencialmente cultural) e o ordenamento territorial.

O segundo surgimento da ecologia de paisagens se deu na década de 1980, por influência de biogeógrafos e ecólogos americanos que buscavam adaptar a teoria de biogeografia de ilhas para o planejamento de reservas naturais em ambientes continentais.

Segundo Gomes Orea (1978) “A ecologia da paisagem pode ser definida como sendo o campo que se preocupa com as interações entre os fatores do ecossistema de uma dada paisagem. Estas interações podem ser representadas visual e funcionalmente na paisagem na forma de uma estrutura territorial que são as unidades de paisagem.” (Orea, 1978).

Para Dollfus apud Vitte (2003)

“A paisagem é formada de elementos geográficos em articulação uns com relação aos outros. Alguns elementos pertencem ao domínio natural, abiótico, como o substrato geológico, o clima, as águas. Os demais constituem o

domínio vivo, a biosfera, formada pelo conjunto das comunidades vegetais e animais que nascem, se desenvolvem e se dissolvem utilizando o suporte constituído pelo domínio natural abiótico. Por sua vez, os grupos humanos são instalados no domínio natural e transformam, modificam, alteram o domínio vivo. Modelando assim grande parte das paisagens terrestres, que são conjuntos desigualmente frágeis e mutáveis” (Vitte, 2003: 8).

Para Christofoletti:

“A paisagem pode ser compreendida como um sistema ambiental que apresenta uma organização na superfície terrestre, no qual a espacialidade é uma das características inerentes à paisagem, sendo que a sua organização inclua-se com a estruturação e funcionamento de (e entre) seus elementos mediada pela dinâmica evolutiva da própria paisagem em um contexto regional” (Christofoletti, 1999).

Então a espacialidade é o resultado da interação entre dois elementos que estruturam as paisagens: a geoesfera e o sistema sócio-econômico-cultural, que em última instância constituirá a noção de espaço como a compreendida pela geografia. Ou seja, o espaço é o produto das relações que se estabelecem entre o meio e a sociedade (Monteiro, 1981), cujo aspecto perceptível é a paisagem (Dollfus apud Vitte, 2003).

Pode-se dizer que o planejamento da paisagem poderia ser um instrumento de proteção e desenvolvimento do ambiente com o objetivo de salvaguardar a capacidade dos ecossistemas e o potencial recreativo da paisagem como partes fundamentais da vida humana (Gomes Orea, 1978).

Entre as décadas de 50 e 60 a tendência nos estudos de ecologia da paisagem foi de produzir regionalizações do espaço natural, ou seja, um método de classificação de unidades de regiões naturais. O processo se iniciava com as unidades regionais fisionômicas, que eram subdivididas em unidades menores. Os critérios utilizados eram: o relevo, o mesoclima, a vegetação e o solo. Este procedimento, que já vinha sendo desenvolvido desde 1920, foi intensificado entre 1960 e 1970 com o advento da noção de geossistema, desenvolvida por geógrafos russos como Sotchava (1977), a partir do conceito alemão de paisagem (landschaft ou landscap).

Várias são as definições de paisagem e de ecologia de paisagem, variando principalmente em função da abordagem utilizada (geográfica ou ecológica) segundo Metzger (2001). A ecologia de paisagens é entendida como “o estudo da estrutura, função

e dinâmica de áreas heterogêneas compostas por ecossistemas interativos” (Forman e

Godron apud Metzger, 2001: 3).

Para o contexto dessa pesquisa o conceito mais adequado para o tema é o desenvolvido por Naveh e Lieberman apud Metzger que é: “ecologia de paisagem é uma

ciência interdisciplinar que lida com as interações entre a sociedade humana e seu espaço de vida, natural e construído.” (Metzger, 2001: 3). Essa definição caracteriza uma visão de

“ecologia humana de paisagem”, centrada nas interações do homem com o seu ambiente, onde a paisagem é vista como o fruto da interação da sociedade com a natureza, ou seja estamos falando da linha de pesquisa denominada por Metzger de abordagem geográfica da paisagem, definida acima por Naveh e Lieberman.

Outro conceito importante desenvolvido no campo da geografia e que tem relação com a ecologia da paisagem é o geossistema proposto por Sotchava (1977) a partir da preocupação em estabelecer uma tipologia aplicável aos fenômenos geográficos, enfocando aspectos integrados dos elementos naturais numa entidade espacial, em substituição aos aspectos da dinâmica biológica dos ecossistemas. Assim, os geossistemas seriam “(...)

sistemas dinâmicos, flexíveis, abertos e hierarquicamente organizados, com estágios de evolução temporal, numa mobilidade cada vez maior sob a influência do homem.” Naquele

momento, o que interessava era o estudo das conexões entre os componentes da natureza, de um ponto de vista espacial, mais do que os próprios componentes.

Porém a crítica à concepção geossistema de Sotchava (1977) foi justamente a imprecisão conceitual e espacial dos níveis hierárquicos que o compõe. Esta questão terminológica e conceitual foi retrabalhada por Bertrand que definiu o geossistema como sendo “(...) uma porção do espaço, resultante da combinação dinâmica e, portanto,

instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos, que fazem da paisagem um conjunto único e indissociável em perpétua evolução” (Bertrand, 1972).

O geossistema, para Bertrand, resultaria da combinação de um potencial ecológico (geomorfologia, clima, hidrologia), uma exploração biológica (solo, vegetação, fauna) e uma ação antrópica, não apresentando necessariamente homogeneidade fisionômica, e sim

um complexo essencialmente dinâmico. Bertrand (1972) para a resolução do problema espacial fundamentou-se em Tricart (1965). Propôs um sistema taxonômico de hierarquização da paisagem constituído de seis níveis têmporo-espaciais decrescentes, de tal maneira que um geossistema poderia abranger escalas de alguns km2 a centenas de km2, podendo ser decomposto em unidades menores fisionomicamente homogêneas.

No entanto, a crítica ao geossistema (Sotchava, 1977; Bertrand, 1972) é que o mesmo caracteriza-se muito mais por uma visão naturalista na qual o ser humano é colocado em oposição ao natural (Monteiro, 1977). Apesar da melhor definição dos elementos que constituem a estrutura do geossistema, assim como da ação antrópica em sua dinâmica, na proposição de Bertrand (1972) a ordem espacial acabou por condicionar o desenvolvimento das pesquisas com geossistemas e sua aplicabilidade no planejamento físico-territorial (Monteiro, 1987).

Monteiro (1987) desenvolveu uma proposta onde o geossistema, como sinônimo de paisagem, é considerado um sistema singular, uma entidade espacial delimitada segundo um nível de resolução determinado pelo pesquisador, a partir dos objetivos centrais da análise. De qualquer modo, o geossistema é sempre o resultado da integração dinâmica e, portanto, instável dos elementos de suporte, forma e cobertura (físicos, biológicos e antrópicos) expressos em partes delimitáveis infinitamente, mas individualizadas por meio das relações entre elas, relações estas que organiza um todo complexo, um verdadeiro conjunto solidário em perpétua evolução.

Para Monteiro (1987), a grandeza espacial é o resultado da dinâmica do geossistema. Este se define por relações que, por sua vez, irão qualificar os atributos de um determinado espaço. Neste sentido, o geossistema, como organização espacial complexa (Christofoletti, 1999), define-se a partir de processos, que operam tanto na esfera natural, no sócio- econômico, quanto na resultante da interação entre estes atributos.

Essa tendência começou a se desenvolver na França nos anos 60 e 70. A geografia tentava superar-se da forte orientação positivista, ao mesmo tempo em que a questão ecológica emergia através de manifestações em defesa da natureza.

No entanto, segundo Bertrand, estudar uma paisagem é antes de tudo apresentar um problema de método. Porém a noção de escala é inseparável do estudo das paisagens.

Segundo Bertrand (1972), todas as delimitações geográficas são arbitrárias e “é

impossível achar um sistema geral do espaço que respeite os limites próprios para cada ordem de fenômenos” (Bertrand, 1972:39), contudo, pode-se vislumbrar uma taxonomia

das paisagens com dominância física sob a condição de fixar desde já os seus limites. Não se pode considerar a delimitação como um fim e sim como um meio de aproximação em relação à realidade geográfica. Enfim, o geossistema constitui uma boa base para os estudos de organização espacial que segundo Chistofoletti (1999) combina aspectos do meio físico e sócio econômico.

Para Monteiro, o geossistema constitui um “sistema singular, complexo, onde

interagem os elementos humanos, físicos, químicos e biológicos, e onde os elementos sócio- econômicos não constituem um sistema antagônico e oponente, mas sim estão incluídos no funcionamento do sistema”. (Monteiro, 1978, 18)

A análise do meio físico torna-se então fundamental nos estudos da paisagem e de suas correlações. Permite caracterizar a estrutura superficial da paisagem e, desta forma, possibilita determinar o potencial e aptidão quanto ao uso, uma vez que, certos atributos do meio físico podem se constituir em fatores limitantes a utilização de determinada área. Associado aos estudos do meio biótico, possibilita o entendimento da dinâmica da paisagem, permitindo assim, a adoção de critérios para o planejamento com finalidades conservacionistas.

Para Rodrigues (2001) atualmente é possível considerar que a proposta de Sotchava (1978), concretizada no Brasil nos estudos de Monteiro (1982, 2000), seja uma das perspectivas das mais necessárias para a compreensão e valorização da dinâmica dos ambientes. Sem esse tipo de tentativa, haverá ausência de perspectivas em que se avaliam os graus de mudança ou de derivação que a interferência antrópica, em seu somatório temporo-espacial possa significar.

Para Monteiro (2000) é necessário aproveitar as experiências para desenvolver uma reflexão e pesquisar os setores justamente pouco ou mal explorados, como a temática colocada pela pesquisa, onde os impactos da sociedade sobre o meio natural e as relações entre os sistemas de produção socioeconômico e geossistema precisam ser melhor conhecidos.

A utilização dos conceitos Ecologia da Paisagem e Geossistema na pesquisa é em função de entendermos que os mesmos contribuem muito na construção do conhecimento em relação ao uso e ocupação do espaço, pois analisa o espaço, levando em consideração as diversas interações dos meios físico, social, econômico, cultural e ambiental (Anexo 7).