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III. A Perspectiva Ecológica e o Programa de Saúde da Família

III.3. A ecologia do desenvolvimento humano

O desenvolvimento humano, entendido por Asendorpf e Valsiner (1992) como gênese e emergência de novidade psicológica no indivíduo e em sua relação com o contexto apresenta-se, na proposta ecológica de Bronfenbrenner (1996), como observado a partir de mudanças duradouras na maneira como as pessoas percebem e lidam com seu ambiente. O ambiente é considerado nesta abordagem como ambiente percebido fenomenologicamente, constituído de quatro níveis crescentes interarticulados, e que tanto sofrem alterações decorrentes das ações dos indivíduos como influenciam o comportamento destes.

A concepção de ambiente em níveis crescentes interarticulados revela a concepção sistêmica presente na proposta. Ao nascer e ao longo da vida a pessoa estabelece relações no seu ambiente imediato que caracterizam um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais compondo o nível do microssistema. Aumentando a complexidade, o

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mesossistema consiste das relações vividas pelos membros da díade constituinte do microssistema com outros microsistemas. O terceiro nível dos sistemas constitui o exossistema. A este nível refere-se um ou mais ambientes que não envolvem a pessoa como participante ativo mas no qual, ou nos quais, encontra-se a pessoa em desenvolvimento. O quarto e último sistema, o macrossistema, é caracterizado por referir-se às consistências culturais na forma e no conteúdo dos sistemas anteriores (BRONFENBRENNER, 1979, 1996).

Para favorecer a compreensão do modelo foi elaborada uma apresentação gráfica adequando ao sistema de saúde e especialmente a relação médico-paciente (Figura 1).

Um exemplo citado por Bronfenbrenner (1979/1996), muito adequado ao contexto do presente trabalho, é o das maternidades. Em um país, caracterizando uma “consistência cultural”, as maternidades possuem em geral muitas semelhanças; as diferenças dizem respeito principalmente as condições de hotelaria. Uma mudança desencadeada por uma decisão dos órgãos públicos, (no Brasil, o Ministério da Saúde), que venha modificar os padrões de alojamento das crianças no momento imediatamente posterior ao nascimento no caso, o estabelecimento do alojamento conjunto como uma norma, repercutiu em todos os sistemas e na vida da criança; esta mudança será crítica para alguns padrões de desenvolvimento, na medida em que favorece o processo inicial de formação de vínculos.

O vínculo formado entre a mãe e a criança se complexifica e é base paras as relações ao longo da vida. Esta complexificação é ilustrada na compreensão de Bronfenbrenner (1979/1996) na medida em que a relação diádica é a base dos quatro sistemas. As díades podem constituir-se com base na presença física ou fenomenológica de seus membros. Em resumo, tem-se a manutenção dos comportamentos independentemente da presença dos participantes da díade e isto a caracteriza como díade primária.

O exemplo anterior mostra a influência do macrossistema estruturando o microssistema: uma norma que modifica as oportunidades de conformação da relação mãe-criança nos primeiros momentos da vida. Bronfenbrenner (1979, 1996) refere estudos indicando que, na medida em que um membro da díade vive uma transição no

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desenvolvimento, esta mudança repercute no outro membro da díade. Quando ocorre mudança do papel, ou mudança de posição na sociedade ocorre o que ele nomeia transições ecológicas.

A compreensão da importância das díades e a caracterização dos quatro níveis do sistema fundamentam a primeira formulação de Bronfenbrenner que, posteriormente, propôs o delineamento PPCT  Processo, Pessoa, Contexto, Tempo. Como processo, considera-se que o desenvolvimento envolve formas particulares de interação entre o organismo e o ambiente chamados de processos proximais. Eles ocorrem ao longo do tempo e são mecanismos primários produtores do desenvolvimento humano. A focalização na pessoa reafirma que o indivíduo e o contexto se relacionam bidirecionalmente.

As transições ecológicas são observadas, por exemplo, quando a criança entra na escola. Tal inserção é conhecida por experiências relatadas por outros, mas não deixa de repercutir tanto na criança, que passa a constituir um novo microssistema, como também nos familiares.

A definição de microssistema vinculada a relações face a face privilegiou a proximidade física como característica básica desse sistema; conseqüentemente, o fator espacial passou a ser considerado como definidor da inserção nos sistemas. Freqüentemente os exemplos de inserção no meso e no exossistema vinculam-se a conquistas relacionadas à inserção em novos espaços  geográficos e simbólicos. A criança que vai para a escola conquista outro espaço; um novo local, mas também novos modos de organização da vida em grupo. Conseqüentemente, estabelece relações de ordens diferenciadas que não se dão no âmbito doméstico. Entretanto, esta não é a única via de observação/ocorrência de inserção em sistemas “superiores”.

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Figura 1 – Representação gráfica dos sistemas propostos por Bronfenbrenner adaptados a saúde especialmente a relação médico-paciente.

Tratando da inserção em novos sistemas, Goodnow (1996) explicita a necessidade de aliar outras dimensões definidoras do contexto, capazes de ampliar a compreensão dos processos desenvolvimentais em contexto. Entre essas dimensões destaca-se a diferenciação na forma de participação nas relações. O indivíduo mais participativo e com maior conhecimento tem mais chances de inserção nos diversos níveis do sistema ecológico (BRONFENBRENNER, 1996); o macrossistema (como ambiente percebido) é um sistema com formas de interação e intervenção com as quais ele pode ter contato. A observação do estabelecimento de contratos sociais é um outro exemplo que possibilita a composição de relações em sistemas que não são fisicamente imediatos.

Usando exemplos da relação médico-paciente, pode-se afirmar que esta é uma relação diádica; no momento em que uma pessoa se dirige a um centro de saúde para ser atendida pelo médico, muito provavelmente entrará em contato com outras pessoas,

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compondo outras díades e tríades. Deste modo constitui-se o mesossistema; a unidade de saúde é um segundo ambiente no qual a pessoa participa com algum grau de controle.

Na própria unidade de saúde são identificados ambientes nos quais a participação individual não se dá ativamente, embora a pessoa possa ser afetada por acontecimentos ali produzidos. O exossistema pode ser observado a partir do sistema de marcação de consultas. Se as consultas são realizadas por ordem de chegada, a pessoa necessitará sair de casa o mais cedo possível, não poderá prever quando será atendida e a hora em que será liberada, o que incidirá no horário de chegada ao trabalho, um dos ambientes que compõem o micro e mesossistema dos usuários.

III.4. Usos da Abordagem Ecológica de Bronfenbrenner na