V. Resultados
V.4. Análise Temática
V.4.3. Episódios relacionados à Categoria 3: “compromisso com a população
adscrita”
Episódios que mostrem a corresponsabilização da equipe pelos problemas e pelas famílias da área adscrita, são apresentados nesta categoria (Quadro 6).
Episódio 5:
M: Esse exame aqui, seu M., exame de coração, a gente leva pra [zona urbana], certo? Nós vamos marcar lá, aí depois o exame volta pr’aqui marcado.
P: Sei.
M: Aí o senhor com uma semana mais ou menos, talvez... é, segunda- feira...(...) Aí aqui vai dizer o dia, a data, né?, no caso, e o local onde o senhor vai fazer. Aí no outro dia... não, segunda-feira o senhor já pode perguntar...
P: Eu pergunto.
M: ...pra E. [o agente], viu, se já veio ou não veio.
Este médico atende na zona rural. A equipe se compromete em marcar os exames e consultas que precisam ser realizados na zona urbana. Os pacientes, que são em sua maioria muito carentes e têm dificuldade com o dinheiro para o transporte, recebem do agente de saúde a requisição do procedimento agendados e são orientados quanto ao dia e local de sua realização.
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Para a categoria “compromisso com a população adscrita”, o EONA se define como episódio de oportunidade não aproveitada de demonstração da corresponsabilização da equipe pelos problemas ou pelas famílias pertencentes à área adscrita.
Episódio 6:
P: (...) mas ele [o marido] é problemático, tem problema do coração, ele é diabético, ele já foi operado, tem três pontes de safena. Quando eu saio assim, deixo uma pessoa pra dar um remédio a ele, toma remédio diariamente, o dia todo.
M: E ele se consulta conosco aqui?
P: Não, nunca consultou não, consulta lá em [hospital regional] com doutor L., cardiologista...
M: Mas se precisar de um médico de vez em quando dar uma olhada... P: Tá bom, tá bom, eu vou falar com ele, tá, eu vou falar com ele. M: Porque diabético precisa ser seguido, acompanhado.
P: É, justamente. Acompanhado, acompanhamento, né? M: Acompanhado de perto.
P: Tá certo, tá bom.
M: Então, fala pra ele que ele pode vir aqui... que vai ter um bom atendimento.
Neste episódio, o descompromisso se evidencia pelo desconhecimento da condição de saúde do paciente por parte do médico. Os pacientes desta região parecem não estar cadastrados e as visitas domiciliares não parecem ser executadas. Diante do relato da esposa do paciente, não se programa, por exemplo, de visita domiciliar; o médico apenas informa a sua “disponibilidade” em atender na unidade para onde o paciente deve se dirigir para ter atendimento.
Quadro 6 - Episódios relativos a compromisso com a população adscrita, por médico e por município: sumário dos aspectos principais.
Compromisso com a população adscrita
MUNICÍPIO I
M 17
Observa-se o compromisso com a população. Observa-se o esforço de manter as atividades integrais da equipe mesmo quando alguns membros tiram férias, com disponibilidade para o atendimento, com o
trabalho em espaços comunitários, buscando diminuir o deslocamento. M20
Observa-se um frágil compromisso com a população. Em decorrência da inexistência de um sistema de referência integrado com o PSF, M20 assume duas posturas: i) persuade o paciente a aderir, cobra a realização
dos exames, subordina o paciente a fazer o que é “certo”, manda, ordena; ou ii) isenta-se de responsabilidade, atribuindo sua inoperância às falhas do sistema.
MUNICÍPIO II
M1
Observa-se um frágil compromisso com a população adscrita. Os serviços da unidade são realizados, trabalha- se em equipe, mas a demanda é reprimida, e existem problemas com recepção e triagem. Ao longo das
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M2
Observa-se compromisso com a população adscrita. A relação entre M2 e a população é de proximidade. Tratando-se de uma equipe de zona rural, a equipe se responsabiliza em marcar exames e consultas especializadas. Em alguns casos, o próprio médico se responsabiliza em antecipar o resultado. As visitas domiciliares são feitas para os que precisam de atendimento e como um recurso para o fortalecimento do vínculo. Incentiva e confia na função do agente enquanto ponte com a comunidade e os outros profissionais
como auxílio complementar. M3
Observa-se compromisso com a população adscrita. A relação entre M3 e a população é de proximidade. O médico se mostra atento, relembra histórias, valoriza iniciativas dos pacientes. Trata-se de uma equipe de zona rural, mas vê-se que a equipe se responsabiliza pela marcação de exames e consultas especializadas. M6
Observa-se compromisso com a população adscrita. O médico apresenta uma atitude muito formal, mas isto não prejudica a atenção. M6 encontra-se disponível na unidade; diante de uma situação grave, distingue a
necessidade de cuidados, fundamentando-se em conhecimento específico sobre a doença. M8 Observa-se compromisso com a população adscrita. O médico centra seu foco de atenção na eficiência das
ações da unidade como, por exemplo, marcação de consultas, disponibilidade para assistência.
MUNICÍPIO III
M5
O modo como se estabelece o compromisso com a população adscrita não caracteriza a ação de uma equipe do PSF. M5 enfatiza a necessidade de acompanhamento da pressão arterial, mas não garante a disponibilidade porque depende de o paciente ter ficha na unidade; quando há solicitação de retorno, este
não é imediatamente agendado, a equipe espera que a população providencie o que lhe é solicitado sem contar com rede de serviços de referência.
M10
O modo como se estabelece o compromisso com a população adscrita não caracteriza como uma equipe do PSF. M10 encontra-se na unidade esperando a população. Por estar nesta área há muitos anos, conhece a
população e é empático, mas não promove ações extramuros sistematicamente e se restringe a recomendações-padrão.
M11
O compromisso com a população adscrita é frágil. O médico demonstra disponibilidade para acompanhamentos, mas estes não são agendados e dependem da iniciativa do paciente e da disponibilidade
da agenda na ocasião. Não são referidas ações extramuros.
O compromisso é observado entre os médicos estudados sob diversas formas. Estas diferenças relacionam-se com a compreensão do PSF vivenciada por cada equipe. Os médicos mais comprometidos são os que atuam na zona rural. Nestes, vê-se facilmente uma série de ações que extrapolam as tarefas clínicas, indicando uma concepção ampliada de saúde.
Pode-se observar médicos muito ativos, demonstrando proximidade com a população, como é o caso de M20, mas este perfil não constitui compromisso. O profissional coloca-se como um cumpridor de tarefas e as recomendações feitas à população não respeitam a realidade local. As condições de trabalho não favorecem a organização da demanda e esta é dificultada porque o propósito do profissional é desincumbir-se da tarefa.
Os profissionais do Município III guardam um certo grau de unidade entre si. Trabalham na unidade e esperam a iniciativa da comunidade. Formas enfáticas de prescrever aparentemente são tidas como compromisso, responsabilidade, mas as pessoas
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não são distinguidas, moradores de outras áreas e de outros municípios são atendidos e prevalece uma postura que garante os princípios dos médicos.