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CAPÍTULO 2 O MODELO HEGEMÔNICO DE DESENVOLVIMENTO

2.3 Concepções Econômicas do Meio Ambiente e dos Recursos Ambientais

2.3.1 A economia ambiental

Esta corrente é a que mais se aproxima do modelo de desenvolvimento hegemônico. Os princípios que norteiam a relação da economia ambiental com os recursos naturais baseiam-se no princípio da escassez e na noção de internalização das externalidades. A base desses princípios é que os recursos ambientais devem subordinar-se às leis do mercado, isto é, precisam ser privatizados e sujeitos a precificação.

Até o último quarto do século XX, como demonstra Moreira (2003), a economia ambiental (mainstream neoclássico da economia) não considerava os recursos naturais como fonte de insumos, nem como suporte de assimilação de impactos (receptor de resíduos). Desse modo, considera que os recursos naturais (como fonte de insumos e como capacidade de assimilação de impacto dos ecossistemas) não representam, em longo prazo, um limite absoluto à expansão da economia. Pelo contrário, conforme Moreira, inicialmente esses recursos sequer apareciam em suas representações analíticas da realidade econômica, como, por exemplo, na especificação de função de produção em que eram considerados apenas o capital e o trabalho. A economia funcionava “sem recursos naturais” (aspas no original), mas com o tempo os recursos naturais passaram a ser incluídos nas representações de função de produção, embora mantendo a sua forma multiplicativa, o que para o referido autor significa:

a substitubilidade perfeita entre capital, trabalho e recursos naturais e, portanto, a suposição de que os limites impostos pela disponibilidade de recursos naturais podem ser indefinidamente superados pelo progresso técnico que os substitui por capital (ou trabalho). Em outras palavras, o sistema econômico é visto como suficientemente grande para que a disponibilidade de recursos naturais se torne uma restrição à sua expansão, mas uma restrição apenas relativa, superável indefinidamente pelo progresso científico e tecnológico (MOREIRA, 2003, p. 6).

Segundo Foladori (2001), com base nesse instrumental teórico, os economistas ambientais avançaram na implementação de políticas tendentes a encarar os problemas ambientais. Por um lado, criando mecanismos de controle e planejamento do uso dos recursos naturais e de geração de resíduos. Por outro, procurando instrumentos de mercado que imponham preço àquilo que o mercado livremente não faz: pressupondo que se pudesse dar preço ao ambiente natural e incluir esse preço na análise econômica, as tendências negativas

inerentes ao livre mercado poderiam ser corrigidas. Para Foladori, a transformação dos recursos naturais em “bens econômicos” cria a idéia de que são recursos limitados e que, em função disso, não podem ser desperdiçados. Para o autor, esse tratamento que a economia ambiental confere aos recursos ambientais, ao menos em tese, busca “educar” os usuários conscientizando-os de que as ações prejudiciais ao ambiente podem ser penalizadas. Mas se essa penalização pode colocar limites, em última instância, quem fala mais alto é o mercado, e a “educação” dos usuários se pautará mais uma vez, pela lógica de mercado (aspas no original).

Na avaliação de Moreira (2003), para essa corrente, os mecanismos através dos quais se dá a ampliação indefinida dos limites ambientais ao crescimento econômico são principalmente mecanismos de mercado. No caso dos bens ambientais transacionados no mercado (insumos materiais e energéticos), a escassez crescente de determinado bem se traduziria facilmente na elevação de seu preço, o que induz à introdução de inovações que permitem poupá-lo, substituindo-o por outro recurso mais abundante. Em se tratando dos serviços ambientais, em geral não transacionados no mercado - por sua natureza de bens públicos, como ar e água, por exemplo - esse mecanismo de mercado falha. Para corrigir esta falha é necessário intervir para cobrar por esses serviços ambientais à medida que sua escassez aumenta.

O referido autor continua a sua análise identificando que, para a economia ambiental, as soluções ideais seriam aquelas que de algum modo criassem as condições para o livre funcionamento dos mecanismos de mercado: seja diretamente, eliminando o caráter público desses bens e serviços através da definição de direitos de propriedade sobre eles, seja indiretamente através da valoração econômica da degradação desses bens e da imposição de tais valores pelo Estado através de taxas. A primeira implicaria a privatização de recursos como a água, o que, entre outros obstáculos, esbarraria no elevado custo de transação decorrente de processos de barganha que envolveria centenas ou mesmo milhares de agentes.

A segunda aponta a possibilidade de calcular esses valores a partir de uma curva marginal de degradação ambiental. Desse modo, criar-se-ia para o agente econômico um trade off entre seus custos (marginais) de controle da poluição e os custos (marginais) dos impactos ambientais (externalidades) provocados por suas atividades produtivas, que ele seria forçado a "internalizar" através do pagamento das taxas correspondentes: o agente econômico

vai procurar minimizar seu custo total que resulta da soma do quanto vai gastar para controlar a poluição (custo de controle) com a quantia a ser gasta com o pagamento de taxas por poluir (custo da degradação). O ponto de equilíbrio é chamado de "poluição ótima" (aspas no original).

Moreira classifica de ficção a concepção de uma curva suave de custos marginais da degradação, que ignora o fato de os impactos ambientais nem sempre evoluírem de modo previsível devido à existência de efeitos sinérgicos. Mas permanece o princípio de que a política ambiental mais eficiente é aquela que cria as condições, através da precificação, para que os agentes econômicos "internalizem" (aspas no original) os custos da degradação que provocam.

Os argumentos dos economistas ambientais podem ser discutíveis em vários pontos, mas como observa Marcuse (1996), são coerentes porque refletem claramente interesses de grupos alinhados com uma racionalidade instrumental que prioriza, em última instância, não as necessidades socioambientais, mas o lucro.

As limitações teóricas dessa abordagem para dar conta da questão ambiental devem-se, segundo Foladori (2001), em primeiro lugar, ao fato de que a noção de valor ambiental, revestida da teoria do valor de uso, constrói-se na percepção dos indivíduos e na disposição de pagar do usuário-pagador e/ou usuário-poluidor, pelo uso e pela contaminação dos recursos ambientais, que de público e abundante, passa a parcialmente privado e escasso. Em segundo lugar, ao criar um mercado de consumo de bens ambientais ou de capitais naturais (água, ar, paisagens etc.), abrem-se possibilidades para novas formas de privatização da economia com o controle econômico do uso privado do ambiente e da qualidade de vida, sempre regulado pela renda individual e com a garantia do Estado. Percebe-se que as limitações da economia ambiental relacionam-se com o enfoque reducionista que adota, ao buscar converter tudo o que é mensurável, em valores monetários, além de não considerar outras dimensões sem racionalidades além da econômica.

Por tal abordagem, o que importa é a manutenção, em longo prazo, do consumo real per capita. Implícita em toda a abordagem está uma perspectiva otimista de que a contínua inovação tecnológica poderá substituir os bens naturais – tanto os exauríveis, quanto

os renováveis que vierem a ser extintos – por outros bens naturais ou por bens de capital produzidos pelo próprio homem.