• Nenhum resultado encontrado

O Modelo Hegemônico de Desenvolvimento e a Problemática Socioeconômica

CAPÍTULO 2 O MODELO HEGEMÔNICO DE DESENVOLVIMENTO

2.2 O Modelo Hegemônico de Desenvolvimento e a Problemática Socioeconômica

Esta parte do capítulo tem como objetivo apontar algumas limitações socioeconômicas e ambientais do modelo hegemônico de desenvolvimento dentro e fora do Brasil. Na busca pelo desenvolvimento, observa-se uma série de ações que são empreendidas cujos resultados e conseqüências socioeconômicas e ambientais nem sempre tem sido iguais para todos.

De modo mais específico, Young; Lustosa (2007), referindo-se às correntes de modelos de desenvolvimento adotado, concluem que a questão ambiental não esteve presente nas abordagens da quase totalidade dos economistas antes da década de sessenta do século XX, independente da corrente de pensamento. Mais tarde, no final desta década, é que a questão ambiental ganha espaço na análise econômica, mas ainda marginalmente. Nesse período não havia preocupação com a sustentabilidade dessas atividades, e pouca importância era atribuída aos riscos de exaustão de recursos ou aos problemas de degradação do meio

ambiente, deteriorando as condições de vida da população.

Apesar do desenvolvimento de novas tecnologias, tanto nas atividades produtivas e econômicas da sociedade como nas condições de saúde e ambientais decorrentes desse modelo, conforme os dados a seguir relatados, para uma parcela da população, ainda seguem existindo dificuldades econômicas, sociais e ambientais, associadas ao modelo de desenvolvimento.

O informe publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA (2000), com o título “Perspectivas do Meio Ambiente Mundial”, por meio de inúmeros dados e com antecedentes estatísticos também provenientes de várias fontes, prevê um cenário preocupante com relação à geração de riquezas, indicando uma progressiva deterioração dos recursos naturais em nível mundial, derivados do atual modelo de desenvolvimento econômico. Segundo esse informe, no século XX as desigualdades de geração de capital em escala mundial tomaram proporções sem precedentes. Por exemplo: a diferença entre a geração de capital dos países mais ricos e a dos países mais pobres era em torno de 3 para 1 no ano de 1820; de 35 para 1 em 1950; de 44 para 1 em 1973 e de 72 para 1 em 1992.

Informes mais recentes têm demonstrado que as diferenças entre ricos e pobres têm aumentado. Nos países do Hemisfério Sul, essas questões são percebidas mais claramente, como é o caso do Brasil, com a crescente concentração da população em centros urbanos, verificando-se desigualdades regionais e intra-regionais. Conforme os dados do IBGE (2008), o Índice de Gini (utilizado para medir grau de desigualdade no país), em 2002 era de 0,573; em 1992, era de 0,575. Conclusão: após 10 anos, embora o PIB do país tivesse crescido 33% e o PIB per capita tivesse aumentado 16%, as desigualdades se mantiveram inalteradas.

Quando se trata do debate em torno da questão ambiental associada ao desenvolvimento, percebe-se que aí existe uma relação direta com determinados padrões de consumo. O consumo refere-se às mercadorias, aos serviços e aos recursos que são usados pelas pessoas, pelas organizações e pela sociedade.Esse é um fenômeno que pode apresentar tanto dimensões positivas quanto negativas. Por um lado, níveis crescentes de consumo em todo o mundo podem significar que as pessoas estão vivendo em melhores condições do que

no passado. O consumo está associado ao desenvolvimento econômico: com a elevação de seu padrão de vida, as pessoas têm mais condições de arcar com comida, roupas, itens pessoais, tempo de lazer, férias, carros e assim por diante. Por outro lado, o consumo também pode trazer efeitos negativos. Os padrões de consumo, quando elevados, podem causar danos à base de recursos ambientais e exacerbar os padrões de desigualdade.

Com referência a esse aspecto, mais especificamente tratando das questões socioambientais decorrentes dos modelos de desenvolvimento, conforme Andion; Serva; Lévesque (2003, p. 202), o levantamento realizado pelo Programa Millennium Ecosystem Assesment (MA), criado pela ONU com o objetivo de produzir dados atualizados sobre o estado dos principais ecossistemas do planeta, associado aos dados já publicados por diversos organismos mundiais no relatório final divulgado em 2005, aponta que nos últimos 50 anos os seres humanos modificaram os ecossistemas mais rápida e extensivamente do que em nenhum outro período da história. Essas transformações têm contribuído, por um lado, para aumentar os níveis de bem-estar humano e promover o desenvolvimento econômico, no entanto, por outro, inúmeras regiões do planeta – especialmente as mais pobres – têm sido prejudicadas por essas dinâmicas. Outro aspecto importante identificado pelo relatório diz respeito aos custos reais dos processos de industrialização que estão sendo estimulados e que só agora estão se tornando nítidos.

O relatório destaca os principais desafios a serem enfrentados daqui em diante nos espaços de planejamento e gestão de novas estratégias de desenvolvimento. Esses desafios, sintetizados a seguir, segundo os autores, já foram também publicados em outros relatórios:  60% (15 de 24) dos ecossistemas examinados estão sendo degradados ou usados de

maneira não sustentável, incluindo a água potável, as zonas pesqueiras, o ar, a regulação local e regional do clima, dos desastres naturais e das pestes. A avaliação mostra que a degradação tem aumentado substancialmente nas últimas décadas.

 A degradação dos ecossistemas é desproporcional entre os países e seus efeitos são muito intensos entre as populações mais pobres, havendo uma relação direta entre gestão dos ecossistemas e aumento das desigualdades entre os povos. Para muitas populações mais carentes do mundo, uma das maiores ameaças ambientais à saúde permanece sendo o uso contínuo de água não tratada. Embora o percentual da população com acesso à água tratada tenha aumentado de 79% em 1990, para 82% em 2000, cerca de 1,1 bilhões de pessoas ainda não tem acesso à água potável, e 2,4 bilhões carecem de saneamento

adequado.

 A pegada ecológica, indicador que mede a pressão antrópica sobre os ecossistemas (impacto que a população provoca sobre o meio ambiente) que é expressa em unidades de área, era, em 2004, de 9,2 ha, no caso de um americano médio; 3,8 ha para um europeu ocidental; e apenas 1,2 ha para um africano. Segundo os cientistas do footprint, a biocapacidade da terra, considerando sua área biologicamente produtiva, era de 1,8 ha. por pessoa em 2000.

Um dos estudos mais recentes do PNUD29 tratou especificamente da questão da água no planeta. Esse informe aponta que quase 2 milhões de crianças morrem todos os anos por falta de um copo de água limpa e banheiro em suas casas. Fora dos domicílios, a disputa pela água para produção se intensifica, prejudicando os menos favorecidos das áreas rurais e o meio ambiente. Embora os ricos sejam os principais consumidores mundiais, os efeitos mais violentos dos danos ambientais causados pelo aumento do consumo recaem sobre os pobres.

O texto recusa a idéia de que a crise mundial da água resulta da escassez e defende que a pobreza, o poder e as desigualdades é que estão no âmago do problema. O relatório do PNUD revela que, no ritmo atual, as metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)30 relacionadas ao saneamento e água não serão cumpridas no prazo. Da lista de oito objetivos internacionais comuns, dezoito metas e mais de quarenta indicadores foram definidos, tendo em vista possibilitar um entendimento e avaliações uniformes dos ODMs, nos âmbitos global, regional e nacional. A meta 10, por exemplo, almeja reduzir pela metade, até 2015, a parcela da população sem acesso seguro e definitivo à água potável.

O relatório também aponta que por conta da crise da água e do saneamento, que atinge mais diretamente os pobres, quase duas em cada três pessoas sem acesso à água potável sobrevivem com menos de 2 dólares por dia; uma em cada três que vive com menos de 1

29

Disponível em: http://www.pnud.org.br/rdh/. Acesso em 07.08.2007.

30

As oito metas dos ODMs são resultado das discussões que aconteceram durante a Conferência do Milênio, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro do ano 2000, com a participação de 191 países que estabeleceram um conjunto de objetivos para o desenvolvimento e a erradicação da pobreza no mundo, os chamados Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODMs). Os oito objetivos estabelecem medidas e metas claras para a redução da pobreza, da fome, das doenças, do analfabetismo, da contaminação ambiental e da discriminação das mulheres. Entre os objetivos com prazo estabelecido para 2015 figuram garantir educação universal para meninos e meninas e reduzir pela metade, em relação a 1990, a proporção de pobres, famintos e pessoas sem acesso à água potável nem meios para custeá-la. Outras metas estabelecidas visam a promover a igualdade de gênero, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater o HIV/AIDS, a malária e outras enfermidades e garantir a sustentabilidade ambiental.

dólar por dia. Mais de 660 milhões de pessoas sem saneamento vivem com menos de 2 dólares por dia, e mais de 385 milhões, com menos de 1 dólar por dia. Em muitos países, a distribuição do acesso adequado à água e ao saneamento reflete a distribuição de riqueza. O acesso à água canalizada nos lares é, em média, de 85% para os 20% mais ricos, em comparação com 25% para os 20% mais pobres. A desigualdade vai além do acesso. O princípio perverso que se aplica à grande parte do mundo em desenvolvimento é que as pessoas mais pobres não só têm acesso a menos água, e a menos água potável, como também pagam alguns dos preços mais elevados do mundo.

Na avaliação de Castro; Scariot (2005), o mais grave nesses objetivos do milênio é o fato de que as metas estabelecidas não visam a eliminar, mas reduzir a injustiça social pela falta de acesso seguro à água e ao saneamento básico para todos os habitantes. Conforme as metas estabelecidas e os resultados até agora alcançados, a ONU continua conclamando os países a assumir o acesso seguro à água potável como prioridade máxima em suas agendas. Para tanto, ainda em 2005, uma força-tarefa criada para tratar sobre água e saneamento, recomendou ações críticas para minorar sua crise global, identificando que a solução desse problema não requer somas colossais de dinheiro31, nem descobertas científicas inovadoras.

Esses dados revelam que o acesso aos recursos ambientais, e no caso, especificamente à água, tem a ver com a crise ambiental que se vive hoje no mundo, que Leff (2000) dimensiona como degradação da qualidade de vida e das condições sociais nas quais se produzem e se propagam as novas epidemias e doenças ligadas à pobreza que estavam praticamente erradicadas, como a cólera, por exemplo, e não somente um problema de limites físicos ao desenvolvimento ou de contaminação técnica, como é comumente colocado pelas agências de desenvolvimento.

Esse aspecto também é comentado por Bouguerra, referenciado por Castro; Scariot (2005), para quem o fornecimento de água para a humanidade articula-se estreitamente às prioridades estabelecidas pelos homens. Os usos que damos à água refletem, no final das contas, os nossos valores mais profundos, onde a “água é primeiramente uma questão ética e política. Nenhuma outra questão merece mais atenção por parte da humanidade. Ela determina a paz universal e o futuro de todos os seres vivos”.

31

O grupo força-tarefa argumenta que estimativas apontam a necessidade de apenas 4% dos gastos militares com armamentos no mundo para prover água potável e saneamento adequado para toda a humanidade.

Diante das contradições do capitalismo, baseando-se nos indicadores apresentados, Motta (2007) conclui que no contexto da globalização, em que o modo de produção capitalista impera e tem sido concebido como única alternativa, “a capacidade social de produzir riquezas, em sua essência, isto é, dentro do contraditório movimento do capital, cresce na razão direta em que aumenta a pobreza, a miséria, o desemprego”. Mas não é somente esse quadro de precarização do trabalho iminente, do modo de produção capitalista, que vem preocupando alguns intelectuais da atualidade. A questão do meio ambiente deve merecer também atenção.

Ao mesmo tempo em que o capital gera lucro à custa da exploração do trabalho, também tem depredado o meio ambiente, colocando em risco a própria existência da humanidade. Nessa questão, Anderson (1992) é de opinião que, embora alguns países e regiões tenham alcançado níveis de desenvolvimento econômico satisfatórios, a retórica de que países em processo de desenvolvimento podem atingir níveis de desenvolvimento nos moldes dos países centrais é uma “falácia”. Segundo o autor:

o estilo de vida de que hoje desfruta a maioria dos cidadãos das nações capitalistas ricas [...] depende de sua restrição a uma minoria. Se todas as pessoas da terra possuíssem o mesmo número de geladeiras e automóveis que as da América do Norte e da Europa Ocidental, o planeta ficaria inabitável. Hoje, na ecologia global de capital, o privilégio de uns poucos requer a miséria de muitos, para ser sustentável (ANDERSON, 1992, p. 110).

Do exposto, conclui-se que o padrão de vida da média da população dos países mais ricos não pode ser reproduzido nos países pobres sem conseqüências ecológicas comuns. Cada vez mais são percebidas as desigualdades econômicas, sociais e territoriais que existem entre diferentes países e regiões. A persistência desses problemas em inúmeras regiões do globo tem-se somado ao agravamento da questão ambiental. Nas suas mais diversas dimensões de produção e consumo, a atividade humana provoca efeitos ao meio ambiente.

Este processo tem-se acelerado nos últimos anos de tal modo, tanto pela intensa utilização dos vários recursos (energéticos, água, minerais, solo etc.) quanto pela geração de resíduos (CO2, resíduos industriais, contaminação do solo e das águas, etc.), que suscitam a

realização de eventos e debates em nível mundial, com o surgimento de diferentes concepções e estratégias de desenvolvimento, algumas das quais discutindo as possibilidades da relação entre economia e meio ambiente.

2.3 Concepções Econômicas do Meio Ambiente e dos Recursos