• Nenhum resultado encontrado

A economia cafeeira e as cidades paulistas – o território propício ao surgimento das usinas hidrelétricas

LISTA DE ABREVIATURAS

2. OBJETIVOS – Luz elétrica, precisa-se!

6.1. A economia cafeeira e as cidades paulistas – o território propício ao surgimento das usinas hidrelétricas

Como o processo de expansão da cultura cafeeira paulista já foi largamente analisado, não cabe aqui reproduzir a bibliografia consolidada que destaca a transição da mão de obra escrava para a assalariada, as crises do café, as ondas de imigração etc., mas somente contextualizar o panorama paulista e suas individualidades que propiciaram o surgimento das usinas hidrelétricas e a paisagem elétrica que refletiram o nível de “urbanidade” do estado em relação ao resto do país.

O processo de ocupação e povoamento do hinterland de São Paulo começou a se configurar no século XVIII no caminho das minas de Goiás. Ao longo deste caminho, formaram-se diversas aglomerações humanas que, como notou Monbeig (apud SANTOS, 2002. p. 25), resultou numa relativa disposição em linha reta das cidades que ali emergiram.

46

Figura 08. Divisa da Capitania de São Paulo com a de Minas Gerais (1765). Fonte: CORREA e ALVIM, 1999. p. 10

O impulso definitivo para consolidação desses núcleos foi à ampliação da fronteira agrícola a partir de 1860, num momento em que, como observa Devescovi (1987), a economia, centrada na produção e exportação do café, era um dos principais determinantes do surgimento e urbanização de núcleos no interior paulista. É o café que vai proporcionar o uso do dinheiro e conseqüentemente, a mão de obra livre.

“O café, como já foi tantas vezes enfatizado, seria a matriz do sistema urbano paulista. Não que os ciclos econômicos anteriores tenham sido pouco importantes para sua constituição.” (NEGRI, GONÇALVES E CANO, 1988)

Café, modernidade, industrialização foram o mote para a transformação da paisagem paulista culminando na construção da paisagem atual, muito alicerçada nas referências de um território urbanizado e na economia monetária, diluindo, ou pelo menos deixando mais permeável, os limites entre o espaço rural e o espaço urbano.

47

Os desdobramentos da economia cafeeira promoveram transformações sociais e econômicas com significativos reflexos sobre a paisagem. Todavia, apesar da economia do café trazer consigo os paradigmas da "modernidade", ainda se fundamentava nas raízes rurais.

“A produção cafeeira e sua relação com a urbanização das cidades ligam-se diretamente com a riqueza gerada por ela que aos poucos foram sendo invertidas para outros setores e, nesse processo, as cidades foram sendo beneficiadas com os mais diversos empreendimentos”. (SANTOS, 2002. p.57)

“Em tempos normais o excedente é gasto na cidade ou contribui para desenvolver um tipo novo de sociedade’’. (ROCHE, 1998. p. 50). Foi o que aconteceu com a economia cafeeira no estado de São Paulo.

Com todo capital acumulado na região, fazendeiros e comerciantes vãos se tornando também pequenos industriais. A região viu-se na cômoda posição de acumular riquezas sem ter necessariamente de dispersá-las nos grandes centros mundiais; os lucros eram reinvestidos no nascente centro econômico do estado, sendo também uma forma de manutenção do poder oligárquico das grandes famílias de cafeicultores.

A esse processo de desenraizamento da economia, quer seja por pessoas inovadoras ou por uma elite que perdeu status social, os fazendeiros de São Paulo “surgem como uma extraordinária anomalia” (DEAN, 1971. p. 41) na história da América Latina como um todo. Não somente se mantiveram no poder, como promoveram a passagem da economia rural “para um complexo sistema industrial nos meados do séc. XX” (DEAN, 1971. p.41).

A classe dominante, atrelada à riqueza do café, era quem propiciava as melhorias da cidade e ditava os modelos de comportamentos a serem seguidos como forma de diversificação do capital e expressão de seu poderio político.

“Quando a Light inaugurou a primeira linha de bondes elétricos foi com o pai ver os novos veículos que dispensavam a tração animal. Quem seria essa Light? Então

48

‘poderia ela mais que D.Veridiana2? Pois D.Veridiana não tinha carros de roda de

borracha?’, pensou intrigado o garoto, que perguntou ao pai: ‘Diga, meu pai, quem é mais rica, D.Veridiana ou a Light?’ “(HOMEM, 1996. p. 107).

A economia cafeeira paulista ainda estruturou a rede urbana paulista, definindo sua hierarquia; investiu na implantação da malha ferroviária paulista e na construção do espaço urbano; impulsionou o trabalho livre e remunerado, criando mercado; e contraditoriamente, criou mecanismos para a superação deste padrão de acumulação, lançando as bases para o modo de produção urbano industrial.

A cidade colonial foi dando lugar à cidade capitalista. “Nesse processo, a civilização urbana procurou eclipsar a civilização agrária” (HOMEM, 1996. p. 55).

Os fazendeiros faziam questão de investir em alguns segmentos urbanos, dentre os quais a produção de equipamentos coletivos. Até o início do século XX, a população era praticamente toda servida por equipamentos públicos urbanos, pertencentes a burguesia local.

Dentro desse contexto o conceito de modernidade ligava-se à idéia de melhoria das condições de vida associada às inovações propiciadas pela Revolução Industrial, aos preceitos higienistas e aos modelos urbanos transportados da Inglaterra, França e Alemanha para os núcleos urbanos do interior paulista.

Surge a cidade progressista que representava o novo modo de urbano, moderno, assalariado e tecnológico.

A vida urbana se aprimorava e se modernizava. Toda a modernidade chegava pela ferrovia: as máquinas beneficiadoras de café, o luxo das casas, os materiais de construção europeus, os tecidos finos etc.

As cidades que surgiram nessa época eram a representação da modernidade, principalmente a européia; e estavam invariavelmente baseadas em três idéias que

2

49

referenciam o urbanismo oitocentista: fomentar a limpeza e higienização, facilitar a fluidez da circulação quer do tráfego ou das águas e regulamentar as edificações.

“O avanço da urbanização, com o conseqüente aumento da demanda por serviços públicos, e o incremento das atividades industriais, observadas no sudeste do país, abriram boas perspectivas para investimento no incipiente campo da energia elétrica” (CMEB, 1988. p.28).

Comparativamente com o Velho Mundo, o Brasil dessa época é muito avançado no que diz respeito a modernização de cidades e a produção de energia. Só para efeitos comparativos, Portugal, país do qual fomos colônia, começa a implantar os melhoramentos urbanos como o gás e a ferrovia somente em 1850 e de acordo com Madureira (2005) somente em Lisboa, Porto e Coimbra. Até 1960 havia, em Portugal cidades que não dispunham de energia elétrica.

Outra conseqüência foi que o eixo econômico, por causa do café e da industrialização se deslocou da capital federal para São Paulo. A elite cafeeira do oeste passou a ter residência na capital e diversificar seus negócios, investindo nas fábricas e, necessariamente em produção de energia.

Até os finais do século XIX a ocupação do território limitava-se à metade oriental do estado: o litoral, o vale do Paraíba, a região da Mantiqueira, o início da Depressão Periférica e o lado oeste do Planalto Oriental. Conforme De Lorenzo (1993), a maior densidade populacional ainda era o Vale do Paraíba, mas já eram relevantes os movimentos de populações para outras, também, antigas áreas do estado como Campinas e Ribeirão Preto. A região de Sorocaba já tinha uma ocupação mais antiga e na região do Litoral, mais ligada à exportação.

Em 1879 haviam 100 municípios no Estado de São Paulo. Em 1900 já eram 161 municípios.

“A expansão da iluminação pública elétrica, no Estado de São Paulo, percorreu os caminhos da própria ocupação do território. Além da óbvia disponibilidade de

50

recursos hídricos, apareceu, primeiramente, em áreas onde já havia se manifestado algum desenvolvimento, nas quais foram sendo instalados pequenos sistemas de iluminação pública a gás ou querosene.” (LORENZO, 1987).

Em 1886 o estado tem 1.221.380 habitantes. Em 1900 já tem mais de 2 milhões; o que conforme Camargo (apud De Lorenzo, 1993), deveu-se basicamente a imigração.

Entre 1907 e 1913, com a imigração, a ferrovia e significativa ampliação do número de cafeeiros já permitiam antecipar, conforme Negri, Gonçalves e Cano (1988), a liderança da indústria paulista, que se consolidou na década de 1920.

Em 1907, São Paulo participava com 16% na produção industrial do país; passou para 31% em 1919 e 41% em 1939. Somente a cidade de São Paulo, passou de poucos mais de 60 mil habitantes em 1890, para 240 mil no fim do século e 580 mil no ano de 1920. (NEGRI, GONÇALVES E CANO, 1988).

“O final dos anos dez e o início do a década de 20 marcam, portanto, o início de um ciclo de expansão da economia cafeeira paulista, que trouxe à tona uma diversificação crescente tanto da economia urbano-industrial, como do mundo agrário. Ao longo desses dez anos mais de 610 milhões de cafeeiros foram incorporados à capacidade produtiva do Estado. A acumulação industrial definiu a primazia paulista, não apenas pelo seu maior crescimento, mas sobretudo pela significativa transformação qualitativa da estrutura produtiva.” (NEGRI, GONÇALVES E CANO, 1988)

Entre 1914 e 1918, período da grande guerra, a dificuldade de importação permitiu que a economia paulista ocupasse os mercados periféricos. Logo após, com a reabertura das importações, São Paulo adiantou-se novamente com o investimento estrangeiro no setor industrial, propiciando também o surgimento de segmentos complementares a sua estrutura industrial.

Em 1920 o número de habitantes no estado atinge mais de 4 milhões. A população dobrou em 20 anos. Isso representou um grande mercado consumidor de energia, onde

51

o período de maior crescimento da população se sobrepõe ao de forte expansão da energia elétrica, principalmente a iluminação. Nessa década, as regiões mais antigas do estado também já tinham iniciado a diversificação da agricultura.

O crescimento da população ocorreu da capital para o oeste.

“Analisando a questão da imigração no período da economia cafeeira como um todo, Camargo mostra que entre 1887 e 1930 entraram em São Paulo 2,5 milhões de imigrantes. [...] As maiores levas de imigrantes, no entanto, se dirigiram às zonas pioneiras: Mogiana e Rio Claro com 30% e a zona da Noroeste, que nessa época apenas iniciava a sua expansão, recebeu 15%” (CAMARGO apud DE LORENZO, 1993)

A ferrovia foi, sem dúvida, o grande agente indutor de transformações nas cidades paulistas. Outro efeito da ferrovia, pouco discutido foi o parcelamento das grandes propriedades, já que, como coloca Homem (1996):

“[...] a ferrovia, conjugada com a imigração, começou a contribuir para o maior adensamento urbano e para a diminuição do número de necessidades básicas a serem cumpridas no âmbito doméstico. Por onde passava, iniciava-se o fracionamento da grande para a pequena propriedade e para as colônias de estrangeiros” (HOMEM, 1996. p. 63).

Mas esse avanço rumo ao oeste paulista não implicou a decadência das regiões que ficaram para trás. Diferentemente do café escravista, cuja herança foi a paisagem das “cidades mortas” do Vale do Paraíba, a nova expansão cafeeira requereu e impulsionou a vida urbana nos centros do leste, sobretudo na capital. E foi nesse processo, conforme Negri, Gonçalves e Cano (1988), que se definiram as regiões e organizou-se a primeira hierarquia no sistema de cidades do Estado.

“Se na década de 1920 a continuidade da expansão cafeeira ainda foi responsável pelo avanço na ocupação do território e expansão da fronteira, na década de 1930 as demandas das populações urbanas, em grande expansão, e a indústria estadual

52

nascente sugeriam outros ‘arranjos’ no delineamento das redes urbanas” (DE LORENZO, 1993).

Após 1930 a imigração européia reduziu-se sensivelmente.

Mesmo perdendo população rural para as novas áreas de café que se abriam ao oeste do estado, algumas cidades continuaram na posição de liderança econômica, diversificando as atividades – quase sempre de caráter industrial – e tornaram-se centros regionais, como Campinas, Ribeirão Preto, Piracicaba. Parte dessa população também migrou para as cidades, reforçando a tendência urbana. Conforme a Fundação SEADE (s.d.), na década de 30 os municípios que mais aumentaram sua população urbana foram Campinas, Jundiaí, Limeira e Piracicaba.

No final da década de 1930 já estava formado o panorama, não só da eletrificação, mas também da hierarquia e vocação econômica das cidades do estado de São Paulo. A cafeicultura por si só não teve o poder de transformar o território. Fica claro que a vontade de diversificar o capital e a visão empresarial dos novos fazendeiros foram muito mais fundamentais do que o tipo de economia rural; afinal havia cafeicultura em outros estados também (como Minas Gerais, por exemplo) e que não levou diretamente a industrialização.

Os demais estados do país continuaram com sua economia rural, enquanto São Paulo já avançava na implantação das indústrias. Dessa forma, é possível se desvincular o café da eletrificação e da industrialização, já que ela ocorreu também nos outros estados brasileiros onde não havia café, com outras intensidades e temporalidades. Então, urbanização e eletrificação aconteceram de forma articulada, refletindo a necessidade de um novo território para o desenvolvimento de novas economias e relações humanas.

53

6.2. O papel da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo: Mais