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2. CONTEXTUALIZAÇÃO E BASE TEÓRICA

2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO

2.1.1. Economia Política Internacional

Conforme Gozzi (1998), como reflexo das Revoluções Industriais que se fizeram sentir na Europa e Estados Unidos, e depois no restante do mundo entre o fim do século XIX e início do século XX, a organização capitalista provocou transformações profundas na estrutura material do Estado de direito: o capital industrial, comercial e bancário se uniram na forma do capital financeiro, consolidando o capitalismo organizado.

Motta (2001) analisa isto citando dois fatos econômicos e dois políticos que destacam a centralidade dos Estado Unidos e da Inglaterra neste contexto. Na economia, o sistema de equilíbrio de poder entre as grandes potências da época e o abandono do padrão ouro como lastro das economias a partir da primeira guerra mundial; e na política, a emergência do mercado autorregulável e do Estado liberal.

O reflexo disso em nações emergentes como o Brasil é explicado por Sampaio Jr. (1997), com base em Caio Prado. Ele categoriza como "economias capitalistas nacionais" aqueles países que têm força própria e existência autônoma, ou seja, os países do centro; já as economias "coloniais", ou “periféricas”, são apêndices das economias centrais; e as "economias coloniais em transição" ocorre nos países que, mesmo tendo

conquistado independência política, ainda não conseguiram afirmar sua autonomia em relação ao sistema capitalista internacional (SAMPAIO Jr., 1997, p.73).

É sabido que o Brasil e demais países da América Latina mantém uma posição periférica em relação ao centro, sobretudo EUA (SAMPAIO Jr., 1997; CONNELL; WOOD, 2002; GUERREIRO RAMOS, 2008), ou seja, os países de economia dependente – coloniais ou periféricas – participam de forma seletiva da globalização. O reconhecimento dessas relações centro-periferia “nos permite ações transformadoras, pois não contêm o falso rótulo de neutralidade que esconde, quase sempre, relações perversas de dominação” (VIEIRA; CALDAS, 2006, p. 64).

Essa posição periférica do Brasil se aprofunda no pós-guerra, quando, segundo Sampaio Jr. (1997, p.16), a “transnacionalização do capitalismo” desarticulou o “equilíbrio de forças que assegurava a estabilidade da ordem internacional”. Os países centrais implementaram uma série de políticas mercantilistas que obrigaram os países periféricos a encontrar meios de atrair investimentos, num “esforço para aumentar a produtividade da força de trabalho, melhorar a qualidade da infraestrutura econômica e ampliar a dimensão de seus respectivos espaços econômicos”. Ao discutir essas políticas e seus reflexos no Brasil dos anos 80 e 90, ele diz que:

Não é de estranhar que a lógica do ‘salve-se quem puder’ tenha contribuído para minar as bases do Estado nacional. Ao debilitar a capacidade de a sociedade controlar as forças do mercado, o novo padrão de transformação capitalista desarticulou as premissas econômicas e políticas que haviam tornado possíveis os sistemas econômicos nacionais relativamente autônomos e autocentrados. É neste contexto que surgem as pressões para a completa remodelação do mundo do trabalho, a crise do Estado de bem-estar social, a força arrebatadora da ideologia neoliberal e os processos que abalam a própria noção de identidade nacional (SAMPAIO Jr., 1997, p. 17).

A hegemonia norte americana, conforme Matos et al. (2014), é baseada na “petro-prosperidade” ou petrodólares, pois o lastro da moeda americana passou a ser o petróleo. Conforme os autores, foi quando surgiu o termo “subdesenvolvimento” para designar “baixa produção, estagnação, pobreza”. Por outro lado, desenvolvimento estava relacionado a “crescimento econômico mais do que progresso social” (MATOS et al., 2014, p. 139).

Sob outro prisma, Santana (2013) analisa a situação brasileira citando a acelerada penetração do capital estrangeiro na economia latino-americana, sobretudo no setor manufatureiro. Em que pese o programa de substituição de importações do governo brasileiro nos anos 70, ele diz que o que ocorreu, de fato, não foi um processo de

internacionalização do mercado interno, mas uma desnacionalização da propriedade e do sistema produtivo nacional, que foi integrado à economia capitalista mundial.

Outra perspectiva útil para se refletir sobre os reflexos da economia-política na organização da sociedade, que veremos adiante, é trazida por Morin (2000). Este autor previu que as lutas sobre questões de democracia e ciência no século XXI seriam cada vez mais atreladas ao gigantesco problema decorrente do desenvolvimento da “enorme máquina” capitalista em que ciência, técnica e burocracia estão intimamente associadas. Ele alertou que essa “enorme máquina” não produz apenas conhecimento e elucidação, mas produz também ignorância e cegueira, e que “quanto mais a política se torna técnica, mais a competência democrática regride” (MORIN, 2000, p. 111).

Voltando ao papel que toca ao Brasil nesta conjuntura, Dias (2017) explica que atualmente é, em resumo, o da produção primária. Ele demonstra, no gráfico 1, que as balanças comerciais de produtos “agro” e “não-agro” do Brasil se descolam a partir dos anos 90 e com muito mais intensidade a partir de 2005. A partir disso, verifica-se um saldo positivo da ordem de US$80 Bi na exportação-importação de produtos derivados do agronegócio, e um saldo negativo de igual teor no balanço do comércio exterior de bens “não-agro”.

Figura 1: Evolução do saldo da balança comercial brasileira e do agronegócio – 1989 a 2011 (em bilhões de US$)

Fonte: Adaptado de Dias (2017), elaborado com dados do Ministério da Agricultura.

Segundo Dias (2017), esse mecanismo, inclusive, se realimenta, porque as receitas superavitárias da exportação de commodities “agro” viabilizam a importação de uma série de produtos industrializados “não-agro”, inibindo sua produção interna e deixando o país cada vez mais fadado a produção primária de baixo valor agregado.

Sampaio Jr. (2017) complementa dizendo que além da produção primária “agro”, resta ao Brasil a exploração mineral e de petróleo. De fato, o que se tem verificado é um repasse do controle dessas reservas para a exploração direta por empresas de capital estrangeiro. Como ilustração, após o golpe institucional em 2016, tramitou em regime de urgência no congresso o Projeto de Lei 4567/16, que resultou na Lei Ordinária 13.365, que alterou a Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010. Essa alteração excluiu a obrigatoriedade de participação mínima (de 30%) da Petrobras nos consórcios de empresas para exploração das reservas de petróleo do pré-sal.

Em 2019, o atual governo ainda mais subserviente aos países economicamente hegemônicos, enviou seu ministro da economia aos Estados Unidos para anunciar que vai vender a Petrobrás e outras organizações públicas (PAMPLONA; VETTORAZZO, 2019). A venda da Petrobras vai começar pelas subsidiárias, sem necessidade de aval do congresso nacional nem, sequer, licitação. Esse é o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que antes houvera barrado as privatizações nestes termos (STF, 2019).

Quanto a mineração não é diferente. Está em tramitação no órgão de licenciamento ambiental do Rio Grande do Sul (FEPAM) uma solicitação de lavra de cobre, ouro, prata e outros minerais em centenas de sítios no sul do Estado. Em Caçapava do Sul há um caso de solicitação de lavra a céu aberto, feita pela brasileira Votorantin em consórcio com a empresa canadense Imgold. Faço parte um grupo da sociedade civil organizada que atualmente busca, junto ao Ministério Público Federal e Estadual, garantir o direito de ser ouvido e fazer valer seus direitos, largamente desconsiderados pela empreiteira.

Sampaio Jr. (2017, p.13), citando Florestan Fernandes, ajuda a entender essa lógica, ao dizer que no Brasil o capitalismo funciona em “circuito fechado”, para privilégio da “plutocracia”. Ele diz que a manutenção de uma massa de pobres, a superpopulação das periferias, é útil para esta lógica, porque rebaixando e mantendo rebaixado o nível de vida dessas pessoas, é possível comprimir o salário, contribuindo para a maximização do capital dos empregadores e para a superexploração da mão de obra.

Estes são alguns exemplos que ilustram como a economia interfere na política, com consequências sociais e ambientais que passam pela educação, quebrando duas pernas do tripé da sustentabilidade, em movimentos que vem do centro para a periferia. Cunha (2013) resume dizendo que:

A América Latina como um todo e o Brasil, em particular, por sua industrialização tardia e por sua inserção periférica, enfrentam, permanentemente, dificuldades para construir políticas autônomas, ainda que com aumento da presença de certos aspectos democráticos. Em grande parte, pelas discrepâncias nas relações extremamente desiguais entre países, em parte pela própria forma como se reproduz a estrutura da economia mundial, seja internamente às nações ou nos movimentos dos capitais globais (CUNHA, 2013, p. 13).

Assim, a situação sui generis pela qual o país passa atualmente, com seu capitalismo também sui generis (SAMPAIO Jr., 1997), o que se vê é um enfraquecimento da própria identidade do Brasil. As relações sociais passaram por um desequilíbrio que está fortalecendo mais ainda o capital. Apple (2003) diz que o centro do discurso foi deslocado para a direita no espectro ideológico. O Brasil vive um momento de “regressão civilizatória claramente delineada na proposta governamental da reforma previdenciária e da reforma trabalhista, tendo como palavras de ordem flexibilização, precarização e terceirização” (IHU, 2017, p.2).

Na divisão internacional do trabalho, sob a égide do Estado liberal, cabe ao Brasil o aprofundamento da sua especialização econômica, com expansão do agronegócio, extração mineral e exploração do petróleo, como se fora “uma megafeitoria moderna” ao modelo colonial, resultando isso em mais capitalismo e na barbárie (SAMPAIO Jr., 2017). O avanço do mercado sobre as demais estruturas da sociedade não conhece limites e hoje em dia vemos, cada vez mais, a “uberização” da força de trabalho (ABÍLIO, 2017, p.20).

A barbárie referida por Sampaio Jr. (2017), se revela de várias formas: na expansão do agronegócio com base no agrotóxico, que traz favela, devastação social e ambiental; na mineração que destrói o meio ambiente; na volta febre amarela, da dengue, da zika e da chikungunya no país; no desemprego ou subemprego; na violência que mata mais do que muitas guerras mundo afora; no engarrafamento e stress dos centros metropolitanos. Segundo o autor, essa barbárie tem origem e se realimenta em duas heranças que persistem desde o período pré-colonial e que ainda não foram eliminadas no Brasil: primeiro, a segregação social, do rico e do pobre, do branco e do preto, dos de cima e dos de baixo; segundo, a dependência externa, que se manifesta em todas as dimensões da sociedade, principalmente na dimensão cultural e, claramente, na educação (SAMPAIO Jr., 2017).

Não reconhecer que estas características da barbárie não acontecem lá fora, mas aqui sob nossos olhos, é deixar que elas se perpetuem. Favela, devastação ambiental, doenças, desemprego, subemprego, violência, stress e segregação racial, se não são a realidade das universidades elitizadas do Brasil, representam a realidade do público-alvo e da comunidade onde estão muitos campi do Instituto Federal.

Contudo, assim como há modelos de desenvolvimento impostos do centro para a periferia, há também movimentos contra hegemônicos realizados fora do país que importa fazer a devida redução sociológica (GUERREIRO RAMOS, 1965), que será ampliada mais adiante. Apple (1997) ensina que é preciso dar visibilidade às lutas contra hegemônicas. Torres (2006), com base no que disse Apple (1997), alerta que o capitalismo, na sua vertente neoliberal, tem desdobramentos que precisam ser investigados, tais como as questões de raça, classe e gênero, bem como modelos de gerenciamento educacional, avaliação, pesquisa, currículos etc. Diante disso, justifica-se analisar a Economia-Política Internacional e seus reflexos no que será abordado a seguir: a Organização da Produção e da Sociedade.