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3. TRAJETÓRIA DE PESQUISA

3.2. TÉCNICAS DE ANÁLISE DOS DADOS

Conforme ficou claro, a construção desse corpus ocorreu em um espaço de tempo de doze meses, com a inclusão de literaturas e de transcrições de entrevistas de modo concomitante com a realização de novas entrevistas e com a descoberta de novas fontes de literatura. As categorizações das entrevistas foram realizadas sempre imediatamente após a anexação das transcrições ao projeto criado no software de apoio.

Morse e Richards (2002) alertam que em pesquisas qualitativas, quando a análise – a categorização, que é o primeiro passo para a análise – começa antes do final da constituição do corpus, é comum ter que revisar a categorização várias vezes, porque a figura definitiva da pesquisa ainda não está totalmente definida. É preciso reconhecer que foi isso que aconteceu, e o trabalho de categorização das entrevistas que já era extenso, devido a quantidade de material, ficou ainda mais pesado.

A partir da análise do conteúdo das entrevistas (BARDIN, 2011), emergiram da primeira rodada de categorização aproximadamente 77 temas que mereciam análise, por dialogar – de alguma forma – com os processos de criação ou modificação dos PPC’s e Currículos, com foco na FHI Conforme eu já afirmei, eu tinha duas categorias tomadas a priori, que eram justamente Projetos Pedagógicos de Curso e os respectivos Currículos dos CSTPG. Em razão do direcionamento das perguntas dos roteiros de entrevista, estas categorias se confirmaram como relevantes, e as demais – como um processo natural a partir do momento em que eu fui “entendendo a riqueza dos dados” (MORSE; RICHARDS, 2002, p.134) – foram se consolidando na medida em que mais entrevistas eram analisadas, sobretudo a partir da intensificação do processo em setembro de 2018.

Foi neste momento que ocorreu o ponto de inflexão no andamento da pesquisa, após a definição das categorias de análise e da seleção da documentação, enfim, a definição do corpus da pesquisa. Após essas definições, segui a orientação metodológica da Dialética Negativa (ADORNO, 2009), buscando “tensionar o aparente e o real”, confrontar a primazia da ideia com a primazia do real, ou seja, confrontar “aquilo que algo promete ser (almeja/parece ser) e o que é na realidade”, “entre o que é o como não deveria ser” (VILELA; NAPOLES, 2019, p.4).

Conforme ensinam Morse e Richards (2002) e Saldanha (2009), a categorização em pesquisas qualitativas, consiste em reunir informações que simbolicamente representam a essência sobre um mesmo tema em ‘gavetas’, a partir das quais possam facilmente ser resgatadas, ainda mais com o recurso computacional. Porém, para o

interesse desta pesquisa, isso não era suficiente, uma vez que as questões dicotômicas, entre “aquilo que algo promete ser (almeja/parece ser) e o que é na realidade” (VILELA; NAPOLES, 2019, p.4), estavam categorizadas na mesma ‘gaveta’, com os dados da literatura e das falas dos entrevistados.

Para resolver isso, criei duas ‘gavetas’ auxiliares, com nomes autoexplicativos, que permitiram a separação do material: uma chamada “como foi feito” e outra “como deveria ser”. Assim, lançando mão das ‘gavetas’ já criadas, uma para cada categoria de análise, em conjunto com as duas ‘gavetas’ auxiliares, as informações categorizadas a partir do corpus puderam ser resgatadas nesses termos: “como foi feito” e “como deveria ser”.

Figura 11: Exemplo de procedimento de filtro dos dados

Fonte: Elaborado pelo autor, com base no software Nvivo 10®.

Essa forma de filtragem dos dados serviu como ponto de partida para exploração do corpus, sobretudo para a análise do extenso material empírico. O diagrama abaixo é um exemplo ilustrativo de como esse filtro opera, onde as caixas centralizadas representam os dados da literatura e as transcrições das entrevistas; e as setas indicam as categorizações feitas na ‘gaveta’ da categoria de análise ‘comunidade’, no exemplo, e na ‘gaveta’ auxiliar “como deveria ser”. Excluídas as extremidades, o conjunto de categorizações simultâneas às duas ‘gavetas’ – categoria de análise #comunidade e ‘gaveta’ auxiliar “como deveria ser” – reúne as categorizações do corpus sobre “como deveria ser” o processo de relacionamento dos IF’s com a comunidade.

As categorizações ou fontes que aparecem nas extremidades da figura, que foram excluídas, são trechos que dizem respeito somente a uma ‘gaveta’, e não as duas simultaneamente. À direita, dados sobre comunidade, mas sem relação com o aspecto “como deveria ser”; e à esquerda dados sobre “como deveria ser”, relativo a outras

categorias de análise. Esse mecanismo de filtro pôde, então, ser aplicado para todas as demais categorias de análise em conjunto com as duas ‘gavetas’ auxiliares, “como deveria ser” e “como foi feito”.

Importante relatar – sem pretender adiantar resultados, mas a título de informação que compõe o procedimento de filtragem e análise dos dados – que grande parte das filtragens com uso da ‘gaveta’ auxiliar “como deveria ser” advém, majoritariamente, dos documentos do corpus, e que as filtragens com a gaveta “como foi feito” advém, majoritariamente, da fala dos entrevistados e de pesquisas que tiveram os IF’s como objeto.

Dito de outra forma, os documentos de criação dos IF’s e seus documentos internos representam a “primazia da ideia”, como deveriam ser os processos; já a compilação das falas dos atores entrevistados representa a “primazia do real” (VILELA; NAPOLES, 2019, p.4). Isso porque são os documentos, em geral, que contêm determinações, regras e normas de como os processos devem ocorrer. Já os depoimentos dos entrevistados e os dados secundários versam, majoritariamente, sobre como os processos são efetivamente realizados. Ainda, literaturas permaneceram sendo incluídas no projeto até o final das análises, para dar conta de temas emergentes que demandavam aprofundamento.

A criação dos procedimentos adotados na realização da pesquisa, com apoio na literatura sobre pesquisas qualitativas (MORSE; RICHARDS, 2002; SALDANHA, 2009; BAUER; GASKELL, 2002), buscou manter a vigilância do alinhamento entre “a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico e o enfoque epistemetodológico” (TELLO; MAINARDES, 2015, p.156), a coesão entre os objetivos e a base teórica crítica, mantendo no horizonte a apresentação e interpretação dos resultados. A preparação para o tratamento e análise do material empírico foi construído com vistas a viabilizar uma análise crítica das relações entre o corpus, as categorias de análise e dos resultados da tese.

Os principais resultados desta tese estão representados à direita na figura 7. Uma instrução normativa (IN) que configura uma metodologia para criação ou modificação de cursos no âmbito dos IF’s, e contribuições para fomentar o Observatório do Mundo do Trabalho, em sintonia com a IN e com os objetivos estratégicos dos IF’s discutidos nesta tese. Além destas contribuições, há outras não exploradas que serão citadas para estudos futuros.

Essas contribuições da tese podem ser consideradas como tangentes a variáveis internas e externas, variáveis que estão sob controle da instituição e variáveis que independem do IF. Por óbvio, há elementos que podem ser modificados através da IN proposta, mas especialmente no contexto deste estudo, há variáveis consideradas fora de controle – pelo menos no curso prazo – tais como o perfil dos professores e o mundo do trabalho, temas que são explorados em outros estudos recentes (D’ARISBO, 2018; KERCH, 2019).

Figura 12: Ilustração da relação atores, categorias de análise e resultados da pesquisa.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Fiz questão de manter no desenho original as categorias de análise que, depois, foram retiradas do escopo da análise. Por isso, na figura 12, as setas são tracejadas ou esmorecidas entre estas duas categorias de análise e a representação da IN, porque a construção da metodologia delineada na IN considera a influência destas categorias, mas sem uma retroalimentação até estas dimensões. É verdade que o IF já promove treinamentos e seminários sobre o que é EPT para professores, sobre especificidades relativas ao mundo do trabalho, mas os resultados não são imediatos. Segundo depoimento de especialistas, “quem mais precisa ir, não vai” e alguns que frequentam, acham “tudo uma perda de tempo” (entrevistado 51).

A categoria Barreiras também acabou por ficar de fora da análise e, ainda que tenha se configurado com categoria que dialoga com os objetivos da tese, por falta de espaço e fôlego, foi para o rol de estudos futuros.