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3 A PRESENTAÇÃO , ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Através da análise de conteúdo apercebemo-nos da consistência das entrevistas,

3.2.5 M EDIDAS DE POLÍTICA SOCIAL

Nesta categoria procurei perceber se eles tiveram alguma ajuda do Estado e como é que acabaram por ter a casa no bairro.

3.2.5.1 Ajuda do Estado

Relativamente à ajuda do Estado, alguns entrevistados dizem que obtiveram ajuda do Estado, outros dizem que não obtiveram ajuda.

A Catarina diz que “O IARN sim, a mim deu-me um subsidiuzito, que era (…) 12 euros por mês. (...) ainda entrou nesses cinco anitos nos descontos da reforma. Hã… e pronto quando a gente precisava de ir trocar dinheiro ela por ela o meu marido foi lá chegar a trocar, quando viemos no princípio. Depois nunca mais dão nada".

O Miguel refere que “Foram as mantas que fizeram jeito (…) …e umas camas de encalhadas assim da tropa".

74 O Carlos, a Leonor e a Gisela dizem que não foram ajudados.

O IARN foi uma organização que se criou para alguns indivíduos. (…) Aproveitaram-se do dinheiro para ajudar os retornados. Alguns poucos beneficiaram disso, a maior parte deles eram alojados e hotéis em Lisboa, uma família com seis, sete pessoas num quarto só para duas. (…) Não é viver. (…) Casais com filhos, com crianças pequenas, tudo num quarto só, num hotel em Lisboa…. (Carlos)

A Leonor durante a entrevista não se referiu ao IARN, mas referiu-se às assistentes sociais em três ocasiões diferentes:

“Quando chegámos a Lisboa estavam lá umas senhoras que vieram na…na, deviam ser assistentes sociais. (…) Que nos levaram para o hotel depois".

“Depois deram-nos aqui, vinham umas senhoras, deviam ser assistentes sociais. (…)Pronto, deram o aspirador, deram coisinhas assim, e depois eu fui comprando!”.

“Eu não fui falar com ninguém…quando nós viemos (…) fomos à INATEL. (…) Ficámos lá. (…) Então eles, as assistentes sociais não é, começaram a ver onde nos devia alojar e dar casa…”.

De todas as ajudas, é curioso ter sido dado um aspirador, visto que nessa altura não era algo que se utilizasse muito e era bastante caro na época.

Assim pude compreender como é que o IARN conseguiu ajudar as pessoas e também constatar que existiam profissionais a ajudar na integração, nomeadamente assistentes sociais.

3.2.5.2 Casa

Sobre a vinda para o bairro, os entrevistados Matilde, Miguel, Gisela e Catarina ocuparam, cada um, uma casa do bairro.

75 …quando eu soube aqui do bairro e ocupei aqui este bairro. Vim, sabia que era um bairro que tava destinado pra PIDE e como ainda não estava acabado nós ocupámos, ainda tinham…alguns ainda não tinham janelas, não tínhamos água, não tínhamos luz, algumas não tinham portas. (…) A minha tinha porta…. (Gisela)

À Leonor e ao Carlos a casa foi dada. “…a tropa veio lá dizer que tinha habitação para nós”. (Leonor) "Esta casa foi-me entregue pelas autoridades na altura, que era a autoridade militar". (Carlos)

O bairro acabou por se tornar um bairro multicultural.

3.2.6 INTEGRAÇÃO

Nesta categoria procurei entender como é que foi o processo de integração dos entrevistados em Portugal, qual foi a receção dos portugueses, como é que é o relacionamento com as pessoas que vieram das ex-colónias e o que acham do bairro.

3.2.6.1 Receção dos portugueses

Para todos, exceto para a Catarina, a receção foi má. Ela é a única que afirma "Foi bom, eu dei-me bem com toda a gente. Sempre. Pode haver um desentendimento às vezes, hã… epá, mas eu não tenho ódio a ninguém, não tenho raiva a ninguém, eu quero que toda a gente seja feliz, eu quero, dou-me bem com toda a gente”.

O resto dos entrevistados afirma que

“…o meu relacionamento foi do…do piorio, porque o nosso regime faziam um “R” na testa. (…) Éramos os retornados, “vai pá tua terra, porque lá andavas a roubar aos pretos e não vais roubar aos brancos”. (Miguel)

"As pessoas não gostaram muito porque diziam que os retornados vinham roubar os empregos que eram deles". (Matilde)

76 “Há certas pessoas que (....) …sei lá, uma vez eu ia caindo de elétrico. (…) Eu ia descer, o homem arrancou… Começou a falar “Ai estes imigrantes”, mais não sei o quê, quase ia caindo". (Leonor)

"...com as outras pessoas era um relacionamento com elas que não nos olhavam assim com bons olhos". (Gisela)

"E outras coisas, faziam mal mesmo nos serviços. (…) Eu tinha o meu chefe que fazia tantas maldades...". (Leonor)

“Nós retornados vínhamos para cá não eramos nacionais. Nós éramos as pessoas que vinham para cá para tentar roubar o posto de trabalho deles. A compreensão deles não dava para mais... (...) esta gente daqui era muito fechada". (Carlos)

Apesar de tudo, atualmente já se dão bem com os portugueses e os portugueses com eles, pois como o Miguel afirma, "O tempo tudo esquece, hoje já não se fala em retornados, (…) somos todos amigos. É só o futebol, discute-se futebol, ameaçasse com o futebol, bate-se por causa do futebol...”.

Todos os entrevistados tiveram uma mobilidade social descendente, ou seja, desceram da sua posição social que tinham em Angola. A entrevistada que menos sofreu essa questão foi a Leonor, que já tinha poucas posses em Angola.

A mobilidade social em Portugal não teve ainda a mesma atenção que tem tido nas sociedade industrializadas. (Cabral,1998)

3.2.6.2 Pessoas das ex-colónias

Relativamente ao relacionamento com as pessoas das ex-colónias, a Gisela afirma que o “Relacionamento que a gente tinha mais era com as pessoas retornadas".

A Leonor ainda mantém o contato com uma amiga que tal como ela foi da Índia para Angola, e neste momento encontra-se em Goa.

A Matilde diz que no bairro eram quase todos vindos de Angola mas na escola era uma mistura.

A Catarina dá-se ainda bem atualmente com todas as pessoas que conhece e que vieram das ex-colónias e fala que “…as pessoas foram todas à luta, a maioria de Angola vinha toda habituada a trabalhar. (...) ...agora as que tavam cá os maridos é que trabalhavam para elas, a maioria".

77 Após analisar os dados obtidos pelos entrevistados, procurei relacionar com o conceito de identidade grupal, pois esse conceito está relacionado "...com os interesses sociais pessoais e/ ou coletivos, de maneira que exista uma totalidade, uma unidade de conjunto, ao mesmo tempo em que ocorra uma diferenciação com outros grupos da mesma categoria". (Vieira-Silva & Miranda, 2013, p.644)

Os entrevistados também tiveram que (re) construir a sua identidade e cidadania, sendo que, tal como referi no capítulo 1.3, (Identidade, fluxos migratórios e cidadania) o conceito de cidadania é deveras importante para os indivíduos que vieram das ex- colónias.

3.2.6.3 Bairro

Por último, sobre viver no bairro, todos os entrevistados acabam conformados por viver lá, “…uma pessoa pode viver num…num bairro de luxo e se encontrar uma ovelha ranhosa ou qualquer problema. Não, isto aqui é sossegado e estamos contentes, ainda no outro dia, não podemos mudar com a idade que a gente tem…”. (Miguel)

Que remédio. Comprei a porcaria da casa aqui que remédio tenho eu. Se eu pudesse já não vivia aqui há muito tempo. Eu mais dia menos dia devo fugir daqui. Deus me livre, isto é um “badangue”. Não, sou sincera. Não é contra as pessoas, não é contra ninguém. Tou farta de viver aqui! (…) a ver se vejo um cantinho que me agrade, uma casinha térrea com quintal, com um jardim à frente, que é para eu puder cultivar, para eu puder ter galinhas para eu puder fazer chouriços para eu puder fazer alheiras, ainda agora fui para a minha sobrinha fazer alheiras e fazer chouriços. (..) Ou que venda esta ou que alugue saio daqui. (Catarina)

Se eu gosto? Não gosto. Vivi cá os anos difíceis que foi sem ter as condições básicas, lutei por elas para que elas fossem estabelecidas e concluídas, depois isto começou a degradar-se… (pausa) Salvo meia dúzia

78 de pessoas parece que são todos desconhecidos. O poder financeiro não me permite sair. (Carlos)

Apesar de falarem muito mal do bairro, nunca assisti a nada, dou-me bem com toda a gente e pronto, tou satisfeita, não posso dizer o contrário. Se pudesse mudar pra outro sítio, assim estar mais perto da minha filha e das minha netas, gostava, mas não quer dizer que, lá do bairro com…não tenho razão de queixa. (Gisela)

A Matilde atualmente vive no Algarve, pois depois de casar foi para lá viver, mas continua todos os anos a lá ir, com o marido e os filhos para visitar a família que ficou lá, tanto da parte dela como da parte do marido.

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