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3 ESPAÇO, SOCIEDADE E EDIFÍCIO PRISIONAL

3.2 O edifício de modelo longo e reverso

Instituições sociais são objetos abstratos que para tornarem-se concretos necessitam do espaço. As especificidades que definem cada instituição tratam de elaborar seus programas de necessidades – os quais são entendidos como o modelo de regras que pauta o desenvolvimento dos seus eventos. Desse modo, a depender do objeto social, existem instituições que necessitam de um modelo de regras mais complexo e rígido, e outras que podem ser concebidas e terem suas demandas atendidas através de um modelo de regras mais simples e flexível (HILLIER e HANSON, 1984; HILLIER e PENN, 1991).

É com base na variação entre rigidez e flexibilidade que se define o tipo de programa de necessidades de uma instituição – se fraco ou se forte; e também o comprimento do seu modelo de regras – se curto ou se longo. Os modelos curtos estão associados aos programas fracos. Os modelos longos associam-se aos programas fortes (GRIZ, 2004).

RELAÇÕES SOCIOESPACIAIS MODELO LONGO

[Programa Forte]

MODELO CURTO

[Programa Fraco]

Regras preestabelecidas + -

Setorização + -

Estruturação espacial Grande separação das interfaces Possibilita interação das interfaces

Controle + -

Encontros não programados - +

Comunicação e interação - +

Figura 6 – Síntese das características que representam os modelos longos e curtos Fonte: GRIZ, 2004 (Adaptado).

No escopo da Sintaxe espacial, os edifícios prisionais são associados aos ditos modelos longos, assim classificados por serem tipos edilícios que demandam prescrições mais complexas e detalhadas quanto ao seu texto e funcionamento (HILLIER e PENN, 1991).

Diferentemente dos denominados edifícios de modelo curto, os de modelo longo congregam um maior número de regras pré-estabelecidas; apresentam maior rigidez em sua setorização espacial; promovem um maior controle dos eventos; buscam suprimir o acontecimento de eventos não programados; e evitam qualquer tipo de interação e comunicação que não seja de cunho institucional.

A complexidade própria dos edifícios de modelo longo seria atributo das demandas socioespaciais restritivas, típicas de instituições hierarquizadas que operam para separar distintas categorias de sujeitos (AMORIM, 2016).

Para Hillier e Hanson (1984), em uma organização social existem ao menos dois tipos básicos de sujeitos: os habitantes e os visitantes. Ao pensarem a ideia de um edifício elementar – este que seria o sistema espacial mais simples – os autores demonstram que há uma relação direta e distinta entre os entes que o “habitam” e os entes que o “visitam”. Os habitantes desse edifício, ou de qualquer outro, seriam aqueles que dominam o seu espaço interior e, portanto, teriam a capacidade de controlá-lo. Os visitantes, então, seriam aqueles que, porventura, adentrem esse espaço interior controlado pelos habitantes que dele têm posse. Por assim ser, entende-se que os visitantes estão sujeitos às regras dos habitantes.

Além disso, uma vez inseridos no espaço interior, os habitantes mantêm os visitantes mais próximos do espaço exterior. Em termos topológicos, diz-se que os habitantes localizam-se em espaços mais profundos, enquanto aos visitantes relegam-se os espaços mais rasos. Hillier e Penn (1991) observam que este padrão de relação geralmente se repete em edifícios e culturas diversos, sendo ele característico dos modelos curtos. Contudo, esta regra não é validada por edifícios institucionais mais complexos, pois nestes

[...] existe um genótipo construtivo fundamental que se caracteriza precisamente pela inversão nas posições de habitante e visitante, na medida em que os visitantes - aqueles que não controlam o conhecimento da construção nem seus propósitos - passam a ocupar as células primárias, geralmente não distribuídas; enquanto os habitantes - aqueles que controlam o conhecimento incorporado na construção e seus propósitos - ocupam o sistema de circulação distribuído (HILLIER e HANSON, 1984, p.184).11

11 Tradução livre. Do original: “[...] there is a very fundamental building genotype that is characterised exactly by the reversal of positions of inhabitant and visitor, in the sense the visitors – those who do not control the knowledge embodied in the building and its purposes – come to occupy the deeper primary, usually nondistributed cells; while inhabitants – those who do control the knowledge embodied in the building and its purposes – or their representatives como to occupy the distributed circulation system”.

A inversão das relações acontece porque, do ponto de vista configuracional, há uma busca por atender a demandas de segurança por meio de áreas com acesso controlado: células primárias. A função destas células seria a de eliminar relações presumidamente tidas como perigosas e contaminantes para as descrições edilícias. Seriam elas, então, uma singularidade; um ponto sem relações, em vez de um ponto definido por relações.

Fica evidente que em prisões o posicionamento topológico entre habitantes e visitantes deve ser invertido, quando comparado ao padrão elementar. A Figura 7 ilustra um fato como este. Nela, observa-se que, enquanto em edifícios elementares os visitantes tendem a ocupar as porções espaciais iniciais (mais rasas); em edifícios institucionais de modelo longo, como os prisionais, os visitantes tendem a ocupar as porções espaciais terminais (mais profundas). As estruturas espaciais que configuram relações desse tipo, Hiller e Hanson (1984) convencionaram chamar de edifícios reversos (reversed buildings).

Figura 7 – Esquema gráfico das posições relativas entre habitantes e visitantes em um edifício elementar (esquerda) e em um edifício reverso (direita)

Fonte: NASCIMENTO, 2008 (Adaptado).

Entende-se que a estrutura essencial do edifício reverso pressupõe a eliminação do conhecimento social e articula-se como uma interface espacial de controle. Por isso, o conceito de reversão do edifício, como explicado pela Teoria da Lógica Social do Espaço, torna-se tão evidente quando discutido a partir de edifícios prisionais – estes que são exemplares emblemáticos quando se trata da utilização do espaço para conceber relações sociais invertidas (HILLIER e HANSON, 1984).

Sintetiza-se que longo é o modelo que prescreve muitas e detalhadas regras de funcionamento e organização espacial. Reversas são as relações que definem uma estrutura socioespacial específica. Do ponto de vista sintático do espaço, assim pode ser definida uma prisão: um edifício de modelo longo e reverso. Nela, a teoria mostra que as pessoas presas –

ou visitantes – fatidicamente estarão localizadas nos espaços mais profundos, contrariando a lógica convencional. Mas, contudo, deverão ser submetidas a um conjunto de regras socioespaciais formulado pelo corpo institucional, ou seja, pelos habitantes do edifício penal.