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4 MÉTODO

4.3 Procedimentos analíticos

Apresentados o método de pesquisa, as teorias que a fundamenta e as ferramentas que a instrumentaliza, aborda-se agora os procedimentos analíticos que a constroem.

Para elaborar e representar a lógica socioespacial da prisão brasileira contemporânea, com respaldo técnico e teórico na Sintaxe espacial, este trabalho se operacionaliza basicamente com o uso dos softwares JASS e Depthmap; aquele utilizado na produção de grafos justificados, este na produção de mapas (convexos, axiais, de visibilidade, de movimento) e gráficos.

Para interpretar a lógica socioespacial da prisão brasileira contemporânea, sob a ótica da Psicologia, se propõe uma “releitura” do estudo sintático realizado sob o viés de prerrogativas psicológicas. Este processo explora o que Leitão (2014) reconhece por “garimpo intelectual”, pois se caracteriza na atividade de correlacionar teorias, operacionalizando uma busca direcionada em conteúdos de outras disciplinas, que se fazem fundamentais para descrever e compreender o espaço arquitetônico.

No primeiro momento – o da análise sintática – o principal objetivo é descrever analiticamente os sistemas espaciais dos edifícios de re-formação selecionados. Para tanto, adota-se o roteiro sugerido por Hillier, Hanson e Peponins (1984), que estabelece as seguintes etapas:

1. Identificação e Representação dos elementos espaciais; 2. Categorização e Análise das relações espaciais

3. Identificação dos padrões genotípicos

A identificação dos elementos espaciais se dá no reconhecimento dos limites que diferenciam os espaços concebidos em um plano arquitetônico. Sendo as edificações objetos, em certa medida, controlados, tem-se que limites (barreiras físicas) e conexões (acessos) são previamente estabelecidos, de modo a conformar padrões espaciais.

Dessa maneira, a representação dos elementos espaciais de um plano poderia ser realizada considerando sua dimensão convexa ou sua dimensão axial (HILLIER, HANSON, PEPONIS, 1984; HANSON, 1998). No entanto, para além dessas duas dimensões, nesta etapa investigativa, considera-se uma terceira: a visual – por entender que as relações de visibilidade configuram um sistema espacial importante para a realidade estudada.

Logo, o estudo sintático aponta para três sistemas espaciais: o convexo, o axial e o visual. Metodologicamente, esta decisão mostrou-se necessária à obtenção de uma resposta mais acurada acerca do problema de pesquisa; sendo formulada com base em um quadro

construído previamente, onde se buscou verificar possíveis correspondências entre temas da Sintaxe espacial com temas das psicologias social e ambiental.

A elaboração do referido quadro se deu, a princípio, com o esforço de selecionar temas em Psicologia social e Psicologia ambiental que reconhecessem nas relações socioespaciais um conteúdo imprescindível aos seus entendimentos. Nesse sentido, dentre os temas que puderam ser garimpados, destacam-se: Grupos, Grupos e Instituições, Poder, Socialização, Ressocialização, Percepção, Organização espacial, Movimento, Exclusão, entre outros. Cumprida esta etapa, a seguinte aconteceu no intuito de aproximar os temas selecionados em Psicologia com conceitos e propriedades que pudessem ser consultados e medidos com o auxilio das ferramentas propostas pela Sintaxe espacial.

Rememora-se que a correlação entre temas de distintas disciplinas justifica-se no fato de todas elas possuírem um objetivo comum, ao buscarem entender as relações humanas num espaço físico e social, ou compreender este espaço a partir dos padrões de relações que viabiliza. Dito isto, segue o quadro.

TEMAS EM PSICOLOGIA SOCIAL TEMAS EM SINTAXE ESPACIAL

Mortificação do Eu Controle/ Profundidade

Prisionização Profundidade/ Controle/

Movimento/ Visibilidade Grupos, Poder, Influência social,

Socialização, Ressocialização

Co-ciência/ Co-presença/ Controle/ Conectividade

Percepção e Cognição sociais Visibilidade/ Acessibilidade/ Movimento/ Controle Espaço socialmente controlado Controle/ Acessibilidade

Espaço socialmente imposto Profundidade/ Controle

Exclusão Profundidade/ Co-ciência/ Co-

presença/ Controle

TEMAS EM PSICOLOGIA AMBIENTAL TEMAS EM SINTAXE ESPACIAL

Grupos e instituições Co-ciência/ Co-presença/ Controle/

Conectividade

Controle

Percepção temporal Controle/ Visibilidade

Organização espacial Configuração espacial/

Inteligibilidade/ Controle

Espaço marginal Profundidade

Espaço livre Visibilidade/ Controle/ Escolha

Movimento Movimento/ Controle

Quadro 1 – Correlação entre temas da Psicologia e da Sintaxe espacial

Os temas expostos no Quadro 1 tratam de fundamentar as análises socioespacial e psicossocial do espaço prisional aqui investigado. A notar pelas correlações nele postas, sob os argumentos exibidos, a demanda por investigar os três sistemas espaciais já mencionados revelou-se necessária.

Para a análise do sistema convexo optou-se por trabalhar com grafos justificados e mapas convexos, onde, entre outras, atentou-se para as propriedades sintáticas básicas de conectividade, integração e profundidade. A análise do sistema axial realizou-se por meio de mapas axiais de todas as linhas. Nesta fase, além das propriedades sintáticas mais elementares, foi observada a propriedade de controle. O sistema de visibilidade foi investigado através de mapas visuais e mapas de campos visuais; mais precisamente, de mapas de visibilidade de conectividade e integração e isovistas.

Para cada sistema analisado, apresenta-se um gráfico de dispersão que demonstra como o modelo funciona em termos de inteligibilidade. Por fim, realiza-se uma simulação com agentes de movimento, no intuito de analisar a estrutura espacial no que tange às dimensões de acessibilidade e de visibilidade, conjuntamente.

Nesses moldes, a construção do estudo sintático possibilita a Categorização e Análise das relações entre organização social e organização espacial e permite que os Padrões genotípicos sejam identificados.

Sobre a elaboração do material de análise é importante dizer que:

1. Sabe-se que os grafos podem ser justificados ao considerar uma “raiz”. Aqui, adotou- se por padrão o exterior do edifício como ponto de justificação. Na elaboração do grafo algumas simplificações foram feitas. Desse modo, por exemplo, celas com

banheiro foram entendidas como um único espaço convexo. O mesmo entendimento foi estendido a salas administrativas com banheiros e situações correlatas. Espaços muitos pequenos e que não demonstravam particular interesse à análise, como depósitos, DMLs, compartimentos de lixo e gás, foram desprezados.

Figura 39 – Processo de elaboração do grafo justificado no JASS. O ponto vermelho é a raiz do sistema. Os pontos verdes são os diversos espaços convexos do plano espacial

Figura 40 – Celas com banheiros simplificadas em um único espaço convexo

2. Na elaboração dos mapas convexos e axiais, tudo o que se configurava como elemento arquitetônico limitador ou impedidor de movimento foi considerado uma barreira – portanto, um ponto que não permitia acesso.

3. Na elaboração dos mapas de visibilidade considerou-se barreira visual todos os obstáculos opacos que se edificassem a partir da altura de 1.60m (visão do observador). Do mesmo modo, janelas acima desse limite (janelas altas) foram desconsideradas para efeito da análise do sistema visual. Em contrapartida, portas foram consideradas permanentemente abertas. Cercas de alambrados e grades não foram consideradas elemento de impedimento visual.

4. As isovistas utilizadas nos mapas de campos visuais são isovistas na “altura dos olhos” e contemplam um ângulo de 360°. Este recurso foi introduzido em percursos que buscam acompanhar as pessoas presas em suas rotinas dentro das unidades penais. 5. Na simulação com os agentes computacionais, o método analítico utilizado foi o

“ponto a ponto”, o qual se utiliza de cores quentes e frias para representar os padrões de movimento.

Uma vez finalizadas as análises sintáticas, os resultados encontrados são submetidos à segunda etapa metodológica – a análise psicossocial do espaço; quando o conteúdo extraído do estudo socioespacial, demonstrando os prováveis padrões de relações, é associado aos conhecimentos da Psicologia. Ou, quando das dimensões convexas, axiais e visuais do espaço busca-se conjecturar uma dimensão subjetiva correspondente.

Em síntese, os procedimentos operacionais cumprem as seguintes etapas: 1. Representação do sistema convexo por meio de grafo justificado;

2. Representação do sistema convexo por meio de mapas convexos;

3. Representação da propriedade de inteligibilidade convexa por meio de gráfico de dispersão;

4. Representação do sistema axial por meio de mapas axiais de todas as linhas;

5. Representação da propriedade de inteligibilidade axial por meio de gráfico de dispersão;

6. Representação do sistema de visibilidade por meio de mapas de visibilidade;

7. Representação da propriedade de inteligibilidade visual por meio de gráfico de dispersão;

8. Representação dos mapas de campos visuais; 9. Simulação com agentes de movimento.

Cumpridos todos estes passos, para cada um dos quatro projetos a serem testados, apresenta-se uma síntese com a discussão dos resultados obtidos, bem como viabiliza-se a aproximação desses resultados com prerrogativas da Psicologia, no sexto capítulo.

13/07/2000

Estou percebendo que o pior vai ser a rotina e a disciplina constante, uma vida a ser levada de um ponto a outro na inconfortável e indefinida reprodução dos mesmos laboriosos hábitos, além da solidão que machuca a gente.

11/5/2001

“Bonde” é um termo que usamos para designar a transferência de presídio, que normalmente é solicitada pelo preso. Esse tipo de transferência é solicitada por quase todos os presos do Carandiru, que é considerado um deposito de presos. Os processos são muitos e analisados lentamente; consequentemente, a maioria dos detentos permanece aqui, cumprindo sua pena de ponta a ponta. [...] “Bonde louco” já é bem diferente: acontece quando somos transferidos sem aviso prévio. Acordamos de manhã, o Agente de Segurança aparece na porta do “barraco” e avisa que temos de descer e nos encaminhar para o transporte, que nos levará para destino ignorado. É uma espécie de castigo, que pode acontecer com qualquer um. É terrível constatarmos que estamos privados de exercer qualquer mudança no curso dos acontecimentos. [...] A verdade é que não somos donos do nosso nariz e jamais podemos prever o que vai acontecer nos minutos seguintes.