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CAPÍTULO III APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

3.5. Educação ambiental e a seleção de conteúdo do curso

As articulações entre educação ambiental e a seleção de conteúdo do curso técnico em Mecânica abrem possibilidades para diferentes leituras e compreensões sobre a presença do tema educação ambiental nos planos de curso. As práticas e discursos dos educandos e educadores do curso, muitos dos quais já citados ao longo desse estudo, são construtores e dinamizadores do currículo. Nessa perspectiva, concebe-se o currículo não como rol e

prescrição de conteúdos, instrumento neutro e desinteressado, mas como território de luta e contestação, onde coexistem diferentes abordagens e interesses. Com um currículo crítico são estabelecidas relações entre este e uma educação ambiental, também concebida numa vertente crítica.

Com Apple (1982), Giroux (1997) e Freire (2005) se assume o currículo como uma produção social, permeado por ideologias, tensões, identidades e culturas. O currículo, portanto, não é uma realidade abstrata, mas uma produção cultural e social que reflete tanto as questões estruturais de um país quanto aspectos educacionais e da cultura mais ampla.

De acordo com esses educadores, um currículo crítico deve preservar o compromisso com a justiça social, a democracia, a libertação e os direitos humanos. Ao invés de reproduzir o

status quo e a ideologia da classe dominante numa lógica de exclusão dos educandos que não

se enquadram no modelo considerado hegemônico e único, o currículo crítico deve ser instrumento problematizador das contradições do contexto no qual a escola está inserida. Deve favorecer que seus agentes privilegiem e desenvolvam atividades reflexivas e libertadoras.

A partir dessas ponderações sobre o currículo, algumas questões devem ser pensadas acerca do contexto curricular que marca a educação profissional: a predominância dos conhecimentos técnicos em detrimento das ciências sociais, a necessidade do pragmatismo dos conhecimentos dominantes e o atendimento imediato às demandas do mercado de trabalho por meio da seleção de conteúdos “úteis”. A partir dessas reflexões emergem os seguintes questionamentos: qual é o lugar da educação ambiental no currículo de um curso técnico? Quais são as percepções e as abordagens práticas dos docentes sobre essa temática? Quais são os sujeitos produtores de um currículo crítico, quando se trata da educação ambiental?

Tomando como referência os debates anteriormente explicitados e sem pretender o esgotamento das questões pontuadas, dadas as suas complexidades e as limitações dessa tese, são apresentados alguns resultados possíveis, obtidos pela análise das entrevistas, que fornecem pistas para articulações entre educação ambiental e os conteúdos selecionados para o currículo do curso técnico em Mecânica.

Pensar o currículo de uma escola implica viver seu cotidiano, o que inclui, além do que é formal e tradicionalmente estudado, toda a dinâmica das relações estabelecidas. Para fins de

sistematização desse organizador, foram selecionadas duas perguntas do roteiro da entrevista. Em relação à pergunta sobre a presença da temática ambiental nos planos de ensino do curso, 19 entrevistados afirmaram que ela não está presente e 4, sim. Constata-se que os educadores que afirmaram haver presença da educação ambiental são aqueles que concebem a multidimensionalidade e transversalidade da temática, pois, ao estabelecerem conexões entre os conteúdos de suas disciplinas e os diferentes aspectos socioambientais, percebem os diferentes temas e princípios da educação ambiental que estão explícitos nos planos. A percepção desses educadores sobre a relação das questões ambientais com os conteúdos de suas disciplinas pode ser evidenciada nas seguintes falas:

A educação ambiental poderia ser colocada nesse laboratório, porque ele é um laboratório multidisciplinar. Onde as pessoas fazem práticas e geram todos os resíduos para um trabalho, então qualquer atividade que a gente faça está pertinente à educação ambiental. [...] Não há soldagem, trabalho de tecnologia, sem haver a limpeza, sem fazer higiene, sem ter noção das condições de segurança (Professor Meio Ambiente).

Eu trabalho de acordo com o conteúdo em função, vamos colocar voltado para a Mecânica: quando a gente fala produzir lixo, ou seja, produzir cavacos, em termo de setores, de produção, de fabricação. Porque Desenho não depende da gente só trabalhar com papel, e papel também é um material que a gente tem que saber onde deve ser jogado (Professor Ferramentaria).

O fato de os demais educadores afirmarem que não há nada explícito nos planos leva à conclusão de que as abordagens de gestão ambiental, normas de segurança e saúde e organização dos ambientes – assuntos e conteúdos recorrentes nas aulas e, em sua maioria, explícitos nos planos - não são consideradas dimensões da educação ambiental por esses educadores. A ausência da temática educação ambiental na formação dos professores é um dos fatores que levam esses profissionais a uma compreensão naturalista de educação ambiental.

A seguir, dois exemplos de falas de educadores que alegam a não explicitação da temática em seus planos. Contraditoriamente, em análise aos seus planos de ensino contidos no projeto de curso, verifica-se que há assuntos pertinentes à temática.

Não contemplam. As coisas acontecem aqui dentro pelo currículo oculto. É uma forma mais do momento, envolve mais o professor, o aluno, mas não há nada que esteja relacionado ao currículo explícito (Professor Manutenção).

Não tem. Por exemplo, quando eu falo de óleo, quando eu falo de graxa eu falo do descarte correto. Eu falo dos problemas que podem existir, embora não esteja aqui explicitado no meu plano (Professor Lubrificação).

Como a consciência ambiental é um valor relevante para inserção da educação ambiental no currículo, a pergunta nº 9 objetivou levantar sugestões para um trabalho de desenvolvimento desse valor com os educandos. Nessa pergunta, o educador poderia dar mais de uma sugestão. As respostas foram diversificadas, carecendo de organização quanto ao nível de relevância dado pelos docentes:

- Relação interdisciplinar entre saberes e entre sujeitos – dez sugestões;

- Melhor formação dos professores, por meio de cursos de atualização, palestras, seminários – nove sugestões;

- Relação escola-empresa, incluindo visitas técnicas – cinco sugestões; - Inclusão da temática nas ementas das disciplinas – quatro sugestões;

-Observância às necessidades do entorno e contextualização – duas sugestões.

As sugestões permitem compreender que não há um consenso entre o grupo de educadores sobre o marco teórico a ser adotado para a construção de um novo currículo, ancorado nas preocupações ambientais. Princípios como a interdisciplinaridade, a observância à realidade dos educandos e a formação de professores estão entre os princípios de uma matriz crítica de educação, de acordo com o referencial teórico utilizado nessa tese. As outras sugestões, porém, como as relações escola-empresa e a redação das ementas das disciplinas, precisam ser problematizadas e ressignificadas para que haja coerência entre as ações que se pretende realizar e os objetivos educacionais que se tem.

Parafraseando Santos (2010), a educação ambiental no currículo do curso técnico em Mecânica é um saber que agrega uma ecologia de saberes31capaz de “descobrir categorias de inteligibilidade globais, conceitos quentes que derretam as fronteiras em que a ciência moderna dividiu e encerrou a realidade” (p.72).