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2. Associação Mata Ciliar (AMC)

2.1. Descrição do local e atividades desenvolvidas

2.4.1 Educação Ambiental na AMC

Na AMC são realizadas semanalmente várias visitas no âmbito de educação ambiental. Durante a semana as visitas são realizadas para alunos de várias escolas que têm protocolo com a Associação e ao fim de semana as visitas são dirigidas para quem tiver interesse em conhecer o trabalho da Associação (população geral) e também para grupos de empresas que apadrinham animais residentes ou que doam algum tipo de material.

Durante o meu período de estágio tive várias oportunidades de assistir e mais tarde realizar de forma autónoma visitas de educação ambiental no âmbito do protocolo que a AMC mantém com as escolas de vários municípios.

As visitas duravam cerca de 2 a 3 horas e a idade dos alunos que recebíamos variava entre os 5/6 anos de idade, até aos 16/17 anos.

76 A visita pelas instalações não passava por recintos de animais que estavam em reabilitação, passava apenas por recintos de animais que por algum motivo foram considerados irrecuperáveis e foram mantidos nas instalações para as visitas de educação ambiental. É importante referir que as crianças nunca ficavam demasiado perto dos recintos nem tiveram contacto direto com nenhum dos animais da AMC. Para que a visita fosse mais interativa colocávamos algumas questões aos alunos para perceber que conhecimentos tinham sobre o assunto que estava a ser abordado antes de partir para a explicação relacionada com aquele ponto da visita.

Quando chegavam à Associação, os alunos eram encaminhados para a sala de educação ambiental onde era realizada uma pequena palestra sobre a associação e o trabalho realizado nas instalações, eram definidas algumas regras para garantir a segurança das crianças e para garantir que a perturbação dos animais era mantida no mínimo e o grupo era então dividido em dois grupos mais pequenos para dar início à visita. Um grupo iniciava a visita por um lado do percurso e o outro grupo iniciava a visita pelo lado oposto.

2.4.1.1 Viveiro de mudas

Figura 54- Grupo de crianças no viveiro de mudas. Fonte: Banco de imagens AMC

77 O viveiro de mudas é a primeira paragem deste percurso. Aqui começávamos por perguntar às crianças se sabiam o que eram mudas ( árvore jovem) e depois explicávamos que a Associação tem um viveiro de mudas funcional para poder plantar essas mudas em locais que têm poucas ou nenhumas árvores para que um dia mais tarde, quando as mudas crescerem e se tornarem árvores formarem uma pequena floresta que os animais podem habitar. Como dizíamos às crianças: “não adianta termos o trabalho de tratar e soltar os animais se eles não tiverem um lugar para onde voltar”. Visto que no Brasil a fragmentação de florestas e a desflorestação representam um grande problema para a fauna (Paviolo et al. 2016) é importante incutir nas gerações mais novas que a conservação de habitats também é importante.

2.4.1.2 Estátua de gaiolas

O ponto seguinte da visita era a estátua que representava uma ave construída a partir de gaiolas de aves que deram entrada na AMC provenientes de ações de apreensão por parte das entidades responsáveis.

Figura 55- Estátua construída a partir de gaiolas de aves provenientes de apreensão.

78 O tráfico de animais selvagens afeta aproximadamente 18% de vertebrados terrestres a nível mundial (Scheffers et al. 2019). Os principais locais de tráfico coincidem com as regiões do globo com maior biodiversidade, estando o Brasil incluído nesta categoria (Scheffers et al. 2019). Estima-se que cerca de 2345 espécies de aves (23%) sejam traficadas como pets ou produtos (Scheffers et al. 2019). De acordo com os dados apresentados pelo relatório do RENCTAS (2001), estima-se que sejam retirados da natureza 38 milhões de espécimes de animais selvagens da natureza no Brasil anualmente. O mesmo relatório também menciona que de 10 animais traficados, apenas 1 sobrevive, pelo que do enorme número de animais retirados, apenas 4 milhões de animais são comercializados ilegalmente por ano. Desses 4 milhões comercializados, apenas 0,45% são abrangidos por apreensões, um número demasiado pequeno quando comparado com o número de animais retirados da natureza. Tanto a nível mundial (Scheffers et al. 2019), como no Brasil especificamente (Nobrega Alves et al. 2013), uma parte das aves traficadas estão inseridas na lista de espécies com algum grau de ameaça. Estas aves são muitas vezes procuradas por características específicas como o canto ou plumagem (Nobrega Alves et al. 2013; Silva Souto et al. 2017).

A maioria da população brasileira não vê o tráfico de animais como sendo um problema. (Nobrega Alves et al. 2013). Por isso é que a educação ambiental pode ter um papel tão importante relacionada com este assunto. Através desta ferramenta podemos tentar mudar a mentalidade das pessoas e mostrar-lhes que este é realmente um problema bastante sério. E isto era o que tentávamos fazer com as crianças durante as visitas de educação ambiental na AMC. Primeiro pedíamos que adivinhassem o que poderia representar a estátua e quando mencionavam alguma espécie de ave introduzíamos o tema do tráfico de animais, mencionávamos que a maioria das espécies que eles conheciam não podiam ter em casa por ser ilegal e também falávamos um pouco sobre a função ecológica das aves na natureza.

2.4.1.3 Cozinha

Nas várias visitas que tive oportunidade de fazer apercebi-me que a maioria das crianças sabe muito pouco sobre a alimentação e ecologia da fauna existente na região. Por esse motivo quando parávamos na cozinha optava por dar-lhes exemplos práticos. Com a pergunta “o que comem os macacos?” a resposta era quase sempre “fruta”. Depois desta resposta explicávamos às crianças que embora muitos macacos comam frutas, muitos também comem flores e folhas

79 de árvores, como é o caso dos bugios (Alouatta spp.) ou insetos, como os sauás (C. nigrifrons) e por isso de alguma forma desempenham um papel importante na natureza como ajudar a disseminar sementes.

2.2.1.4 Recinto dos gatos-mourisco

No recinto dos gatos-mourisco introduzíamos o tema dos felinos. Quando perguntávamos às crianças que espécies de felinos que existem no Brasil conheciam, as respostas variavam bastante, sendo a onça-pintada (jaguar), onça-parda (puma) e gato-do-mato as respostas mais comuns. Bastantes crianças respondiam também leão, tigre e outros felinos que não são espécies naturais do Brasil. Começávamos então por lhes explicar que existem 8 espécies de felinos no Brasil, onça-pintada (Panthera onca), onça-parda (Puma concolor), jaguatirica (Leopardus pardalis), gato-maracajá (Leopardus wiedii), gato-mourisco (Puma yagouaroundi), gato-do- mato-grande (Leopardus geoffroyi), gato-do-mato-pequeno (Leopardus tigrinus) e gato- palheiro (Leopardus colocolo) e depois falávamos um pouco sobre os gatos-mourisco: a cor do pelo destes felinos varia do laranja claro ao cinzento escuro (figura 57) consoante a região que

Figura 56- Visita de educação ambiental: recinto de gatos-mourisco.

80 habita de forma a que consiga camuflar-se na vegetação e caçar preferencialmente pequenas aves terrestres que atrai ao imitar sons semelhantes a um piar (Teixeira et al. 2014).

2.4.1.5 Recinto dos bugios

a) b)

Figura 57- Diferentes colorações do gato-mourisco: a) cinzento escuro; b) laranja claro. Fonte: a) - Arquivo pessoal; b) - Banco de imagens AMC

Figura 58- Visita de educação ambiental: recinto dos bugios. Fonte: Arquivo pessoal

81 No recinto dos bugios as crianças tinham oportunidade de ver como estes primatas utilizam a cauda como se fosse um quinto membro como se pode observar na figura 58. Nesta parte da visita falávamos às crianças sobre a relação dos primatas com a transmissão da febre amarela. Quando perguntávamos às crianças “quem é o principal transmissor da febre amarela?”, a maioria das crianças respondia que o macaco é o principal responsável, e poucas sabiam que o verdadeiro responsável é o mosquito. Muitas pessoas têm esta ideia errada e os bugios particularmente acabam por sofrer a dobrar quando ocorrem surtos desta doença: primeiro porque morrem da doença e segundo porque uma grande parte deles é morta por pessoas que têm esta ideia errada de que os macacos transmitem a febre amarela (Bicca-Marques e de Freitas 2010). Como a maioria das crianças tinha também esta ideia, considero que este ponto da visita era bastante importante para lhes transmitir informações corretas que posteriormente poderiam vir a alterar a forma como estes primatas eram vistos.

2.4.1.6 Recinto dos urubus e carcarás

No recinto dos urubus e carcarás pedíamos às crianças para identificarem as 2 espécies. A maioria conseguia identificar quase de imediato os urubus e sabiam que estas aves comem carne de carcaças em decomposição, mas eram poucas as que identificavam o carcará. Neste ponto da visita queríamos que as crianças retivessem duas informações importantes. A primeira relacionada com os urubus: apesar de serem aves consideradas feias pela maioria da população,

Figura 59- Visita de educação ambiental: recinto dos urubus e carcarás. Fonte: Arquivo pessoal

82 como são necrófagos têm um papel ecológico importante no ecossistema em que se encontram inseridos (Grilli et al. 2019). Se conseguirmos incutir a importância do papel que estes animais têm na natureza, é possível que se consiga aumentar as atitudes positivas em relação a estes animais (Morales-Reyes et al. 2018). A segunda informação diz respeito aos carcarás e às aves de rapina no geral e está relacionada com a utilização de linhas de papagaios com cerol (vidro triturado colado à linha do papagaio), semelhante ao manja asiático. Esta atividade é uma prática comum no Brasil, apesar de ser ilegal em alguns estados como é o caso de São Paulo (Oliveira 2019). É uma atividade que representa um grande risco para as aves selvagens pelo material cortante que causa lesões muitas vezes irreparáveis nas aves e mesmo sem cortante as aves podem ficar enroladas nos fios que se soltam (Babu et al. 2015; Roy e Shastri 2013; Ryan 2018). Sendo uma atividade bastante praticada por crianças, é muito importante direcionar atividades de educação ambiental para este assunto. Ao mostrarmos às crianças aves que tinham dado entrada devido à linha com cerol e que não podiam ser libertadas devido a lesões irrecuperáveis esperávamos que estas compreendessem a gravidade da situação e influenciar algumas das suas atitudes.

2.4.1.7 Tetrapack- Reptilário

No reptilário são mantidos cinco jacaretingas (Caiman crocodilus), uma piton (Python spp.) e uma iguana (Iguana iguana). Os alunos conseguiam visualizar os animais através de um vidro. Neste ponto partilhávamos com as crianças a história de cada animal, na sua maioria provenientes de situações de cativeiro ilegal, para falar novamente sobre o tráfico, desta vez em répteis. Segundo Scheffers et al. (2019), cerca de 1184 espécies de répteis são traficadas a nível mundial, com o principal intuito de serem animais de estimação e também por produtos (pele) que foi o que aconteceu com os animais da AMC.

83 2.4.1.8 Jaguaretê

No Jaguaretê falávamos às crianças dos animais órfãos que recebíamos, principalmente os filhotes de gambá uma vez que estes eram os que davam entrada na AMC com maior frequência e dos motivos que levavam a essa entrada. Muitas vezes as fêmeas são atropeladas, atacadas por animais domésticos ou mesmo vítimas de violência por parte das pessoas e acabam por não sobreviver, ficando os filhotes dentro do marsúpio. Esses filhotes são muitas vezes trazidos para AMC onde são alimentados de duas em duas horas, com um substituto do leite materno (normalmente leite para cachorros). Ao falarmos de tudo isto às crianças o objetivo é incutir- lhes a ideia que cuidar de animais órfãos requer muito trabalho e que todo esse trabalho não substitui o papel da mãe.

2.4.1.9 Recinto das Aves

Este é um dos maiores recintos que existe na AMC e por esse motivo é utilizado para várias espécies de aves. Durante o período de estágio existiam no recinto espécimes de seriema (Cariama cristata), tucano-toco (R. toco), arara-canindé (Ara ararauna) papagaio-verdadeiro (A. aestiva) e maritaca (P. leucophtalmus) (figura 61).

Figura 60- Visita de educação ambiental: explicação do funcionamento do jaguaretê.

84 Relativamente às seriemas, salientávamos as principais ameaças para esta espécie e também a sua importância na natureza: muitas das seriemas que dão entrada na AMC são vítimas de atropelamento ou ataques de animais domésticos. Uma vez que se alimentam de insetos e pequenos vertebrados, como ratos, são bastante benéficas para os humanos, principalmente em ambientes rurais visto que ajudam a controlar as populações de ratos.

Com as araras e papagaios voltávamos a falar do tráfico de aves, já que estas são duas espécies muito vendidas para serem pets e a reforçar a ideia de que o tráfico só é uma atividade bem- sucedida porque existe quem compre.

a) b) c)

d)

Figura 61- Algumas das espécies existentes no recinto das aves. a) Arara-canindé; b) Maritaca;

85 2.4.1.10. Recinto dos Emus, Jabutis e Tigres d’água

Na AMC existem dois Emus que foram capturados após terem fugido de uma quinta de criação. Com estes dois animais introduzíamos o conceito de espécie exótica e falávamos às crianças do perigo que as espécies exóticas representam caso fujam e se adaptem ao novo ambiente. Com os jabutis e tigres d’água o que acontece é que quando são comprados têm um tamanho bastante pequeno, mas depois começam a crescer e as pessoas não sabem cuidar destes animais deixando-os muitas vezes ao abandono em lagos e rios. Sendo animais que passam praticamente a vida toda em cativeiro, muitas vezes não têm capacidades para sobreviver na natureza. Salientávamos que manter jabutis em cativeiro é ilegal (apesar de ainda haver muitas pessoas que os têm) e que como alternativa ao abandono destes animais, as pessoas podiam fazer uma entrega voluntária numa associação (se a entrega for feita voluntariamente as pessoas não são sancionadas).

Figura 62- Visita de educação ambiental: Recinto dos emus, jabutis e tigres d’água. Fonte: Arquivo pessoal

86 2.4.1.11. Recinto dos macacos-prego

No recinto dos macacos-prego falávamos sobre a importância de não alimentar os primatas, tanto em espaços públicos como parques, como os primatas que habitam em florestas próximas a urbanizações. Explicávamos às crianças que não se deve alimentar os primatas primeiro porque podemos transmitir-lhes doenças que são fatais como é o caso do herpesvírus (Verona e Pissinatti 2014) e segundo porque se eles se habituam a ser alimentados por humanos, deixam de ir procurar comida por si mesmos e deixam de desempenhar a sua função ecológica como por exemplo disseminar sementes.

2.4.1.12. Recintos dos grandes felinos

Antes de chegar perto dos recintos, por normalmente ser a parte da visita que as crianças mais ansiavam falávamos um pouco sobre as 2 espécies e a sua importância na natureza, particularmente sobre o controlo de populações de presas como a capivara. Se há uma diminuição do número de grandes predadores como jaguares e pumas, o número de capivaras existentes vai aumentar (Ferraz et al. 2003) . Esse aumento leva muita vezes a conflitos com o ser humano (Ferraz et al. 2003) e também a atropelamentos de espécimes em ambientes mais urbanos. Depois partíamos para a história de cada felino. O histórico dos jaguares residentes era mais relacionado com a caça e cativeiro, enquanto que dos pumas era mais direcionado com

Figura 63- Visita de educação ambiental: Recinto dos macacos-prego. Fonte: Arquivo pessoal

87 atropelamentos e acidentes com máquinas de colher cana de açúcar: devido à perda de habitat estes felinos escondem-se muitas vezes em campos de cana de açúcar. O que acontece é que na altura de colher a cana os pumas acabam por ser apanhados pelas máquinas.

A Apiúna e a Potira (figura 64) são duas irmãs que foram resgatadas de um caçador que tinha morto a sua mãe para ficar com as crias já que a Apiúna é uma jaguar melânica (coloração preta). O indivíduo que as mantinha dava-lhes pão e iogurte como alimento em vez de carne, pelo que quando foram resgatadas, estas fêmeas apresentavam vários problemas a nível dos ossos causados por carências nutricionais. Quando foram resgatadas não se movimentavam devido à condição frágil em que se encontravam e devido à carência de nutrientes existente durante a fase de crescimento, ambas as fêmeas cresceram menos do que seria espectável numa condição normal.

O Mayo (figura 65) é um dos pumas residentes que foi resgatado ainda filhote após ter sido apanhado por uma máquina de colher a cana de açúcar. As lesões no membro foram demasiado graves e por esse motivo o mesmo teve que ser amputado.

Figura 64- Potira e Apiúna. Fonte: Jéssica de Carvalho Kitagava

88 Após a visita pela AMC voltávamos à sala de educação ambiental onde os alunos tinham oportunidade de jogar um jogo sobre as informações que adquiriram durante a visita e outras (figura 66) e também de aprender sobre alguns animais empalhados, tocar nos mesmos (figura 67), tocar em peles de animais e em ovos de diferentes espécies (avestruz, jabuti) (figura 68).

Figura 66- Visita de educação ambiental: jogo didático realizado no fim da visita. Fonte: Arquivo pessoal

Figura 67- Visita de educação ambiental: interação com os animais empalhados.

89 Para mim enquanto estagiária esta foi uma das atividades que mais gostei de realizar na AMC. Era muito gratificante no fim da visita ouvir as crianças dizerem que queriam voltar e que iam trazer os familiares. Considero que esta é uma atividade com uma grande importância para a conservação da fauna e com tudo isto torna-se evidente que as atividades do veterinário vão para além da atividade clínica, podendo este ter também o papel de educador.

Figura 68-Visita de educação ambiental: crianças a tocarem em diferentes tipos de ovos e peles de animais. Fonte: Arquivo pessoal

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