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A educação ambiental não formal promovida pelo projecto ‘Histórias de Quintal’ teve um perfil conservador ou emancipatório?

O primeiro ponto que analisaremos diz respeito ao perfil da educação ambiental não-formal promovida pelo “Histórias de Quintal”.

Seria ela uma educação ambiental conservadora, tímida, carente de uma preocupação com a transformação dos valores vigentes e com a superação das desigualdades sociais, inerentes ao modelo de vida em voga?

Ou seria ela uma educação ambiental emancipatória, comprometida com o empoderamento dos oprimidos (Freire, 1987), com a renovação cultural e ética da sociedade, e com a sua consequente reconstrução?

Analisando todos os dados e informações do projecto em 2012, e levando em conta o conteúdo das entrevistas realizadas (tanto a respeito do projecto em si, quanto do perfil dos entrevistados), a partir do que apresentamos na parte inicial desta pesquisa, chegamos à conclusão de que o projecto “Histórias de Quintal”, em sua edição de 2012, promoveu uma educação ambiental não-formal com um perfil

emancipatório.

Primeiro, porque o projecto teve uma percepção sistêmica e multidimensional da problemática ambiental, uma vez que buscou promover um novo olhar sobre o mundo e a vida a partir do estímulo à arte e à sensibilidade. Assim, seguindo a diretriz do Programa Algar Transforma para as oficinas de meio ambiente, o projecto reconheceu como indissociáveis cultura e meio ambiente, partindo, por isso, para a (re)inserção do ser humano na natureza e para a promoção de uma ética capaz de informar hábitos e posturas social e ecologicamente responsáveis.

“Histórias de Quintal”, acertadamente, não entendeu que o meio ambiente se reduz à sua faceta ecológica; ao contrário, arrancou de uma “[...] compreensão integrada (do meio ambiente) em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo

90 aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos”87.

Prova disso, o projecto trabalhou a questão ecológica a partir de atividades artísticas e culturais, reconheceu a importância dos vínculos familiares (encontro com as mães), ofereceu oportunidades de renda (venda dos artigos criados nas oficinas de reciclagem), promoveu a formação ambiental a partir das pedagogias dos 4R’s e das 3 Ecologias, e, o mais importante, no nosso entendimento, partiu do pressuposto de que a mudança das relações com a natureza começa com uma mudança na forma de ver e perceber o mundo; com uma mudança na forma com a qual nos relacionamos com nós mesmos, com a nossa família e, por fim, com o nosso entorno.

Em segundo lugar, o projecto adotou uma postura crítica e politizada da problemática ambiental, eis que buscou promover nas participantes a ideia de que elas têm responsabilidades sobre o mundo no qual estão inseridas e, dessa maneira, motivá-las a atuar na melhoria de suas condições de vida, e do planeta como um todo. Ainda, “Histórias de Quintal” não atribuiu a crise ecológica a um homem abstrato, genérico, indefinível; pelo contrário, ao problematizar a questão dos 4R’s e do Consumo Consciente, enfrentou a questão do Consumismo e, dessa forma, questionou os valores da sociedade vigente, colocando-os como causa da crise da sociedade moderna.

Atestando isso, o já mencionado texto de Isabela Gomes, escrito para o blog do Programa Algar Transforma, diz que o homem, com seus hábitos de consumo irresponsáveis, motivados por “necessidades” forjadas, é a causa da poluição e do aquecimento do mundo.

Através de um variado leque de atividades, que envolveram filmes e documentários, leitura de artigos e distribuição de revistas, trabalhos de campo, encontro com as mães e oficinas de reciclagem, o projecto objetivou sensibilizar as jovens para a causa socioambiental para, na sequência, mobilizá-las, especialmente a

87 O desenvolvimento desta compreensão está elencado como um dos objetivos da educação ambiental no cenário brasileiro, conforme dispõe a Lei n. 9.795/99, que instituiu no Brasil a Política Nacional de Educação Ambiental.

91 partir da mudança de seus hábitos diários, a assumir uma postura mais responsável com elas mesmas, com o seu meio social e com o meio ecológico (3 Ecologias).

Dessa maneira, colaborou para a promoção da cidadania e da participação

social, uma vez que incutiu nas jovens o pensamento de que elas têm

responsabilidades sobre o mundo em que vivem, e que a superação da crise ecológica depende da sua participação, começando pela mudança de seus hábitos diários.

Em texto também já citado, Bruna Verônica, de apenas 14 anos, diz que as oficinas mudaram a sua forma de ver o mundo e que agora ela faz a sua parte para melhorá-lo.

“Histórias de Quintal”, assim, teve uma vocação transformadora dos valores e

práticas contrários ao bem-estar público, oferecendo uma leitura crítica do espaço

vivido pelas jovens que as permitiu, num primeiro momento, (re)construir a sua visão de mundo para, posteriormente, superar os hábitos que eram incompatíveis com essa nova percepção.

Não estamos querendo dizer, é óbvio, que agora, depois de participarem do projecto, as jovens se tornaram ‘anjos ecológicos’, seres que não trazem nenhum impacto negativo ao meio ambiente e que orientam toda e qualquer ação pelos princípios da ecologia.

É claro também que para descobrirmos qual a medida e intensidade dessa mudança de postura precisaríamos conviver diariamente com as jovens, e por um razoável período de tempo, muito embora, caso nos aventurássemos em tal empreitada, certamente algumas das escolhas feitas pelas participantes seriam motivadas pela nossa presença inquisidora.

Entretanto, a partir do que fora pesquisado, a imprensão que temos é que de facto houve uma mudança no olhar e na percepção que as jovens tinham acerca do mundo, da vida, do ambiente, e delas mesmas, o que as levou a repensarem a forma com a qual se relacionavam consigo mesmas, com sua família e com o seu ambiente.

Natália Moura, 12 anos, em texto igualmente já mencionado na parte anterior desta pesquisa, diz que “[...] antes eu não estava nem aí, eu fazia tudo o que prejudicava a natureza [...] eu olhava o mundo de um jeito diferente, não me

92 preocupava com nada que acontecia na natureza [...] Depois que comecei a participar da oficina de meio ambiente tudo mudou, eu olho o mundo de uma forma diferente, me preocupo com o meio ambiente [...]”88.

O projecto contextualizou a problemática ecológica, apresentando-a a partir da realidade e dos problemas vividos pelas participantes, partindo então do local para o global, o que lhes permitiu perceber que a crise ambiental também lhes diz respeito e as afeta diretamente.

Apesar de o projecto não ter, explicitamente, trabalhado questões como Justiça Social, Democracia e Transformação Socioecológica, entendemos que isso se deu em respeito à faixa etária das participantes e, consequentemente, ao seu poder de compreensão acerca de matérias de tal complexidade.

Isto, a nosso ver, mostra que o projecto se realizou em consonância com a realidade e características de seu público-alvo, e a ausência da discussão dessas questões, na nossa leitura, não descaracteriza o perfil emancipatório da educação ambiental desenvolvida pelo projecto em estudo.

“Histórias de Quintal”, enfim, propôs uma transformação individual em sentindo amplo (individual, social e ambiental – 3 Ecologias), atribuindo responsabilidades às participantes na defesa do meio ambiente equilibrado, tal qual prescreve a Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 225, caput.

QUESTÃO 2: Enquanto projecto de educação não-formal, ‘Histórias de Quintal’ teve