• Nenhum resultado encontrado

Em q ue medida o projecto “Histórias de Quintal”, iniciativa de educação ambiental (emancipatória) não-formal, contribuiu para o empoderamento

(empowerment) de seu grupo-alvo?

Esta questão é exatamente a que fora idealizada para ser a pergunta de partida desta dissertação de mestrado, tendo sido, portanto, a dúvida que direcionou os nossos estudos e investigações na área da educação ambiental no âmbito desta pesquisa em Ecologia Humana e Problemas Sociais Contemporâneos.

Já arrancando para a apresentação da(s) resposta(s) a que chegamos após nossa investigação, temos que, considerando o conceito de empoderamento adotado neste estudo (Freire, 1987), e analisando os dados do projecto que pudemos colher,

não acreditamos ter evidências capazes de nos permitir asseverar, com confiança e

segurança, que elas foram de facto empoderadas, sob a perspectiva de Freire (1987). Até porque a ideia de empoderamento, para Freire (1987), traz em seu âmago uma elevada carga política, direcionada à superação das relações de dominação e desigualdade das sociedades. Ora, este perfil o torna um projecto deveras complexo para crianças e jovens de doze (12) a dezessete (17) anos, de modo que não se pode esperar que eles, com essa tenra idade, sejam empoderados, de facto, sob a perspectiva de Freire (1987).

É claro que o “Histórias de Quintal” serviu para ‘plantar a semente da mudança’ nas jovens, e abriu sim caminhos para transformação futura da sociedade, em virtude da conscientização socioecológica promovida nas alunas e da consequente mudança em seus hábitos diários.

Nesse sentido, pode-se afirmar que o projecto promoveu um empoderamento

inicial e a nível individual nas jovens, uma vez que incutiu-lhe conceitos sociais e

ecológicos capazes de transformar suas visões de mundo e, por conseguinte, seus comportamentos, e, aí, a forma pela qual se relacionam consigo mesmas e com o ambiente no qual estão inseridas.

Assim, adequando-se à realidade das crianças envolvidas, o projecto executou um trabalho introdutório de conscientização, despertando nas jovens a atenção para

98 as questões socioambientais, e isso, acreditamos, certamente contribuirá para que elas, num futuro não muito distante, transformem-se em cidadãs críticas e

participativas, capazes de se tornarem agentes de efetiva transformação socioecológica.

“Histórias de Quintal”, desse modo, abriu vias para que as jovens que dele participaram possam futuramente operar aquela superação - econômica, social, cultural, política – inerente ao conceito freireano de empoderamento (Freire, 1987).

Não estamos a dizer, contudo, importante frisar, que daqui a alguns anos estas jovens se revelarão cidadãs revolucionárias, e irão gravar seus nomes nos livros de histórias como líderes de uma mudança de paradigmas e de uma renovação dos valores da sociedade.

O que sustentamos, tão-somente, é que “Histórias de Quintal” criou condições para a formação de cidadãs conscientes e participativas no viés socioambiental, uma vez que, acreditamos, promoveu um despertar nas alunas para a problemática ecológica, para a sua relação com ela, e, também, para a importância de sua participação na superação da crise ambiental.

E para alcançar este objetivo, “Histórias de Quintal” fez uso de uma pedagogia

crítica, problematizante e dialógica (Freire, 1987), que utilizou a reciclagem como um

tema-gerador para uma reflexão conjunta e participativa acerca da problemática socioecológica, rompendo então com a concepção bancária da educação (Freire, 1987).

Nas palavras de Freire (1987):

Enquanto a prática ‘bancária’ [...] enfatiza, direta ou indiretamente, a percepção fatalista que estejam tendo os homens de sua situação, a prática problematizadora, ao contrário, propõe aos homens sa situação como um problema. Propõe a eles sua situação como incidência de seu ato cognoscente, através do qual será possível a superação da percepção mágica ou ingênua que dela tenham. A percepção ingênua ou mágica da realidade da qual resultava a postura fatalista cede seu lugar a uma percepção que é capaz de perceber-se. E porque é capaz de perceber-se enquanto percebe a realidade que lhe parecia em si inexorável, é capaz de objetivá-la [...] O fatalismo cede, então, seu lugar ao ímpeto de transformação e de busca, de que os homens se sentem sujeitos (p.85).

99 Nesse sentido, “Histórias de Quintal” reconheceu nas jovens um papel fundamental no seu processo de transformação, motivo pelo qual lhes fora assegurada ampla participação nas oficinas, o que mostra que a metodologia utilizada pelo projecto realizou-se em consonância com aquela requerida pela pedagogia libertária de Freire (1987), segundo a qual os sujeitos se encontram para a transformação do mundo em co-laboração (Freire, 1987, p.191).

O projecto, assim, promoveu um repensar acerca das relações que as jovens travam consigo mesmas, com sua família, e com o seu ambiente de um modo geral, e isso lhes deu uma noção de responsabilidade que, certamente, acabou também por contribuir para a elevação de sua auto-estima.

E muito desses resultados passa pelos saberes apresentados pela coordenadora das oficinas, Samantha Silva, que se alinham com aqueles tidos para Freire (1996) como essenciais à prática educativa problematizadora, crítica, dialógica e emancipatória.

Dentre tais qualidades, deduzidas pelas entrevistas que realizamos com ela e com as jovens, e também observadas ao longo dos vários anos de amizade que temos com Samantha, mencionamos: (i) o respeito ao conhecimento e à autonomia do educando; (ii) a aceitação do novo e a rejeição a qualquer forma de discriminação; (iii) a corporeificação das palavras pelo exemplo; (iv) a aceitação do novo e a rejeição a qualquer forma de discriminação; (v) curiosidade; (vi) alegria; (vii) humildade e generosidade; (viii) a convicação de que a mudança é possível; e, por último, (ix) o reconhecimento de que a prática educativa deve ser dialógica.

Assim, para concluir, entendemos que o empoderamento promovido pelo “Histórias de Quintal” foi introdutório e individual, uma vez que, até mesmo em consideração à idade das participantes, cuidou de direcionar uma conscientização inicial acerca da questão socioecológica e, aí, provocou mudanças nos hábitos diários das jovens.

Ainda, importante mencionar que o projecto serviu também para oferecer uma nova possibilidade de renda para as jovens, uma vez que algumas delas passaram a vender os produtos que criavam nas oficinas, e este foi outro ponto do “Histórias de

100 Quintal” que reforça esta ideia de empoderamento individual, muito embora, neste caso, ele tenha reflexos também no âmbito familiar.

Ainda para comprovar esta mudança, Samantha nos relatou em entrevista que uma das alunas costumava dizer que não faria faculdade, já que ela não daria conta porque era pobre demais e estudos eram “coisa de gente rica”. No decorrer do projecto, contudo, esta mesma aluna mudou a sua percepção, e passou a afirmar que se dedicaria aos estudos e que cursaria a faculdade, o que atesta, nas palavras de Samantha, que “[...] o projecto não mudou apenas a questão de jogar lixo na rua, de demorar no chuveiro, mas mudou o comportamento mesmo..a pessoa ‘abriu a cabeça’, se empoderou, começou a querer trabalhar...”.

Não se pode afirmar, entretanto, que “Histórias de Quintal” empoderou coletivamente as alunas, uma vez que esta ideia está ligada à transformação social, e

seria irreal, até mesmo um devaneio, esperar isso de jovens entre doze (12) e dezessete (17) anos de idade.

Portanto, para arrematar, entendemos que “Histórias de Quintal” fez uso da

pedagogia freireana (Freire, 1987) e que, graças a isso, conseguiu oferecer um

processo inicial e introdutório de empoderamento a nível individual que, certamente, desvelou caminhos para um futuro empoderamento coletivo, aquele que fará das jovens empoderadas cidadãs conscientes e participativas no viés socioambiental, construtoras, portanto, de um novo modelo de sociedade, mais justo, democrático e sustentável.

101