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3   EDUCAÇÃO E CULTURA 25

3.3   Educação Artística 38

Ao refletir sobre os bens culturais na sociedade contemporânea, Arga (1995, p. 35) afiança: "A hipótese que a sociedade do nosso tempo, não obstante o seu interesse aparatoso e fictício pela arte, seja intrinsecamente incapaz de desenvolver atividades artísticas ou criativas, verifica-se claramente no uso que é feito da arte do passado: uma sociedade que desvaloriza e desperdiça o seu próprio património de valores artísticos não pode verdadeiramente desejar ampliá-los. “Constata-se, a partir desta reflexão, do pouco valor dado à Arte e, consequentemente, à sua produção bem como da perca do valor primeiro da Arte, que não é, assim, o económico, mas o patrimonial e cultural. Ou, preferindo as palavras de Platão: "o limite do cognoscível". Segundo este filósofo, e através de um órgão existente na alma de cada ser, a forma de alcançar o "limite" frisado será realizado através da educação: "A educação seria, por conseguinte, a arte desse desejo, a maneira mais fácil e eficaz de fazer dar a volta a esse órgão, não a de fazer obter a visão, pois já a tem, mas, uma vez que ele não está na posição correta e não olha para onde deve, dar-lhe os meios para isso" (PLATÃO, 2001, p. 321).

Tomando em linha de conta que o direito à educação deve ser universal, assim também: "a cultura e as artes são componentes essenciais de uma educação completa que conduza ao pleno desenvolvimento do individuo" (UNESCO, 2006, p. 5). Os problemas emocionais e sociais causados pela exigência da sociedade contemporânea, reflexo da falta de atenção dos progenitores - por um lado -, e da clara separação do desenvolvimento cognitivo e do emocional dando primazia, nos meios educativos, ao cognitivo - por outro -, são causa, segundo Damásio, do declínio do comportamento moral da sociedade. Mais acrescenta o autor que: "Um saudável comportamento moral, que constitui o alicerce sólido do cidadão, exige a participação emocional", algo que poderá ser alcançado com a Educação Artística. (UNESCO, 2006, p. 7).

Os alicerces desta forma de encarar o ensino foram erigidos na sociedade portuguesa na década de 60 pela mão do pedagogo e psiquiatra Arquimedes da Silva Santos, com a criação dos fundamentos do curso de educação pela arte, dum ponto de vista psicopedagógico. O seu projeto assentava, essencialmente, sob a batuta teórica da obra Educação pela Arte (READ, 1982), de grande impacto no Portugal de então (EÇA, 2008, p. 28).

Santos (2008, p. 19-22) acredita que, aliando a investigação científica da psicologia, centrada nas questões da psicopedagogia, e da formação da personalidade do indivíduo, com o auxílio da Arte e do gosto por esta, é possível o desenvolvimento da afetividade do ser humano e que isso favorece a sua própria formação enquanto ser. Santos (2008) baliza, então, duas formas para a implementação da sua teoria: o "ensino paralelo", ou o "ensino integrado". No primeiro caso, avança que este deve constar do curriculum oficial da escola, a par das restantes disciplinas tradicionais, e que deve ter o mesmo tratamento das restantes disciplinas, permitindo a sua certificação para efeitos de ingresso num nível de estudos superior, quer artístico ou outro. Esta vertente pressupõe um ensino integrado entre o ensino geral e o artístico. No segundo caso, afirma que este pressupõe uma construção curricular virada para a sociologia e psicologia da arte, bem como para as questões socioculturais da função do artista. Embora considere que possa existir uma certa ambiguidade entre os conceitos por ele próprio defendidos, acrescenta que o primeiro procurará uma abordagem mais quantitativa e, o segundo, uma mais qualitativa (SANTOS, 2008, p. 19-22).

Assim, e clarificando melhor as questões propostas por Arquimedes da Silva Santos, a Comissão Nacional da UNESCO avança, no seu Roteiro, duas formas de encarar a Educação Artística na educação: uma, partindo do ensino das artes como disciplinas individuais, constantes do currículo desenvolvendo, assim, a sensibilidade e o gosto pelas artes; a outra, e partindo da teoria das "inteligências múltiplas", integrando as matérias artísticas nas restantes disciplinas do conhecimento, procurando o aprofundamento do conhecimento e flexibilizando a rigidez do ensino formal (UNESCO, 2006, p. 10).

Mais que uma nova visão e abordagem à educação urge, hoje mais que nunca, colocar a cidadania no centro das preocupações, pois:

"As sociedades do século XXI necessitam de um cada vez maior número de trabalhadores criativos, flexíveis, adaptáveis e inovadores, e os sistemas educativos têm de evoluir de acordo com as novas necessidades. A Educação Artística permite dotar os educandos destas capacidades, habilitando-os a exprimir-se, avaliar criticamente o mundo que os rodeia e participar ativamente nos vários aspetos da existência humana" (UNESCO, 2006, p. 7).

Assim, e apesar da Arte e o ensino artístico serem dispendiosos e a retribuição do investimento nelas feito seja moroso, é inegável que a aposta na Arte, e na Educação Artística em particular, propicia a abertura das mentalidades e a forma como conceptualizamos o mundo. Mais que desenvolver a criatividade dos indivíduos, desenvolve ainda a sua capacidade crítica e o seu comprometimento face à construção de uma sociedade mais justa, descentrada da visão corrente de uma sublevação do valor da arte como "bem de consumo" (BRILHANTE, 2007, p. 3-4).

Também num relatório do Grupo de Contacto entre os Ministérios da Educação e da Cultura se dá enfoque à Educação Artística e estética no sentido da formação de público, vulgo teoria da formação ao longo da vida, como algo dinamizador destes. Assim, este grupo propõe-se a: "qualificar culturalmente os públicos, desenvolvendo os seus conhecimentos e capacidades e, portanto, influenciando os processos de formação dos gostos, de realização de escolhas e de recessão das obras e das propostas artísticas" (SILVA, 2000, p. 165). Porém, esta visão já tinha sido de alguma forma posta em cima da mesa. Em 1990, o Estado Português definiu, nas alíneas a), b) e c) do Decreto-lei nº 344, que a Educação Artística deve estimular e desenvolver o contacto com as disciplinas artísticas como forma de desenvolvimento psico-motor equilibrado proporcionando assim a construção de um espírito crítico e estético individual (DECRETO-LEI nº 344/90).

Com a crescente exigência social de um ónus de participação ativa na sociedade, bem como, no caso das bibliotecas, do uso da informação de forma consciente buscando o desenvolvimento e o conhecimento, é forçoso concluir que a cidadania só se cuida através da prática da educação para a literacia da informação. Mais se afirma, que a Biblioteca hoje deve ser encarada como um prolongamento da aprendizagem fora dos espaços ditos tradicionais, aumentando a capacidade cívica e democrática de todos os cidadãos. Para além de assegurar a liberdade de informação, a Biblioteca deve procurar a formação continua e a divulgação cultural. Deve, ainda, adotar uma postura inclusiva e de desenvolvimento cultural de uma consciência crítica: a Biblioteca como colaboradora ativa para a construção social (OLIVEIRA, 2007, p. 215-219). Isto, não porque seja um substituto da escola, mas por ser semelhante a um museu, um centro de cultura e divulgação cultural. Assim, e pegando em pensadores que refletem sobre o papel dos Museus, constata-se:

Raramente as crianças (e adultos) são levadas a contactarem com as obras de arte, a envolverem-se em diálogos sobre as suas qualidades formais - a composição, a expressão e o estilo - através de práticas educativas intencionalmente estruturadas. [...] Os Serviços Educativos dos Museus são raramente apoiados por ações de investigação.

Uma das maneiras de aproximar as populações poder-se-á centrar no desenvolvimento de atividades nos Museus, envolvendo escolas de vários níveis de ensino em ações continuadas, implicando a planificação, o estudo dos públicos e a organização dos espaços” (FRÓIS, 2000, p. 205-206).

Postulada esta necessidade premente, deve-se procura implementar no sistema uma estratégia, embora contextualizada, de Artes na Educação. Conforme afirmou Sousa: "As Artes na Educação não procuram, de modo algum, a formação de futuros artistas. O seu objetivo é o enriquecimento da criança a nível da cultura geral e não a sua canalização precoce para o mundo artístico do adulto" (SOUSA, 2003, p. 88).

Esta linha de pensamento está também presente no relatório da UNESCO sobre Educação do século XXI onde se afirma que as instituições culturais, como os museus e as bibliotecas, devem reforçar o papel da escola, fugindo da limitação do seu papel de centros de investigação e conservação patrimonial e permitindo uma cooperação forte entre professores e agentes culturais através de projetos inovadores (UNESCO, 1998, p.115).

Tendo este panorama sobre a Educação Artística, reafirma-se a sua importância fundamental no quadro de relação de um qualquer Serviço Educativo de uma biblioteca com a sociedade em que se insere. Posto isto, resta dar especial enfoque a um dos pensadores que melhor se bateu sobre a ideia de alinhar a Educação e a Arte. Read (1982) acreditava que a arte deveria ser a "base fundamental" da educação: "Porque mais nenhum tema é capaz de dar à criança não só uma consciência em que a imagem e o conceito, a sensação e o pensamento se relacionem e conhecimento instintivo das leis do universo, e um hábito ou comportamento de harmonia com a natureza" (READ, 1982, p. 91).