• Nenhum resultado encontrado

Trataremos nesse momento sobre educação e autonomia, traremos as perspectivas, principalmente, de Guerreiro Ramos e Paulo Freire. Nossa intenção é compreender como a experiência formadora, característica fundamental da incubação, se relaciona com a autonomia dos sujeitos envolvidos. O desenvolvimento de uma ciência ética e com consciência, se dá a partir da aceitação da perspectiva do outro, indo além do conhecimento colonizador, por vezes, formuladona universidade. A aceitação da perspectiva do outro se relaciona intimamente com as questões de autonomia do sujeito, e assim a respeito

de sua perspectiva histórica e do entendimento de sua situação na sociedade.

Como já discutimos há um espectro que, frequentemente, ronda os mais diversos enclaves da vida humana associada, é o espectro do mercado, como diria Tenório (2008). Esse espectro é legitimador de uma ética restrita, uma ética menor, uma ética que substancia as relações mercadocêntricas. Essa ética não pode ser base de um tipo de pedagogia que visione a emancipação humana, por isso educadores e educandos devem atentar à rigorosidade ética da tarefa emancipatória que a educação traz consigo (FREIRE, 1996).

Guerreiro Ramos (1989) analisa em sua obra a transmutação histórica de determinados termos na sociedade ocidental, resultando em uma fundamentação comportamentalista guiada pelo capitalismo, alterando assim o eixo ético dos sujeitos. Esses princípios éticos embasam uma postura humana reflexiva e não reflexa, ou seja, o sujeito não está presente no mundo, está com o mundo. Dessa forma o homem estabelece relações com o mundo, não agindo somente a partir de uma reprodução. Paulo Freire (2011, p. 58) afirma que "Não se reduzindo tão somente a uma das dimensões de que participa, a natural e a cultural – da primeira, pelo seu aspecto biológico, da segunda, pelo seu poder criador –, o homem pode ser eminentemente interferidor".

Portanto a experiência formadora não deve ser limitada à simples transferência de conhecimento.Ao invés disso, deve criar possibilidades para a produção e criação do mesmo.

Herdando a experiência adquirida, criando e recriando, integrando-se às condições de seu contexto, respondendo a seus desafios, objetivando-se a si próprio, discernindo, transcendendo, lança-se o homem num domínio que lhe é exclusivo - da história e o da cultura (FREIRE, 2011, p. 58).

Com o advento do capitalismo o homem passa por um momento de perda de identidade, por meio da unidimensionalização da vida humana associada se faz pertinente que o mesmo tenha comportamentos requeridos pela estrutura dominante. Essa unidimensionalização da construção do sujeito se dá a partir da retirada de contexto em que o mesmo vive, ou seja, há uma ‘a-historicidade’ em todo tipo de contextualização necessária para que o homem tenha entendimento de sua situação. Paulo Freire (2011, p. 59) tece alguns comentários acerca

dessa problemática: "Daí que a massificação implique no ‘desenraizamento’ do homem. Na sua ‘destemporalização’. Na sua acomodação. No seu ajustamento".

O conceito de massificação pode ser colocado em paralelo com o de síndrome comportamentalista, cunhado por Guerreiro Ramos (1989), que se trata de uma disposição socialmente condicionada, que interfere na vida das pessoas fazendo com que essas tomem as regras e normas específicas a alguns tipos de sistemas sociais como uma disposição normativa para suas vidas como um todo. Há, portanto, a ‘unidimensionalização’, que consiste na invasão da ética do mercado a outros espaços sociais e faz com que o homem abdique de sua função enquanto projetista da própria vida, o indivíduo passa a ser ‘comportamentalizado’. O sistema então massifica-o, aliena-o e faz com que outras classes exerçam o papel de pensar por ele, porque a história desconectou essa função de sua existência. Freire (2011, p. 60) afirma que "As tarefas de seu tempo não são captadas pelo homem simples, mas a ele apresentadas por uma ‘elite’ que os interpreta e lhes entrega em forma de receita, de prescrição a ser seguida".

O comportamento exigido da massa é o de um ser condicionado ao comportamento das elites, já que há uma pressuposição da incapacidade política, intelectual e humana da massa planejar o seu futuro, ou seja, ela deve ser alvo das metas desenvolvimentistas dos “mais capacitados”. Por isso, “no assistencialismo não há responsabilidade. Não há decisão. Só há gestos que revelam passividade e ‘domesticação’ do homem” (FREIRE, 2011, p. 80). Há então um tipo de política cognitiva por parte das classes dominantes que legitima, cada vez mais, esse comportamento das pessoas marginalizadas, faz com que a classe marginalizada e dominada sinta-se incapaz de escrever o seu futuro. Guerreiro Ramos (1989) ao dissertar a respeito da política cognitiva afirma que cognição e política são temáticas que não devem ser compreendidas separadamente, no entanto, essa é uma prática constante das pesquisas em administração. Dessa forma há um conjunto de padrões cognitivos inerentes às atividades mercadológicas que institucionalizam uma política cognitiva. Esse tipo de política “[...] consiste no uso consciente ou inconsciente de uma linguagem distorcida, cuja finalidade é levar as pessoas a interpretar a realidade em termos adequados aos interesses diretos e/ou indiretos de tal distorção” (GUERREIRO RAMOS, 1989, p. 87).

A educação deve ser algo além do puro treinamento técnico, a realização desse como forma de educação é uma prática limitante do poder e papel emancipatório que educar deve exercer na sociedade

(FREIRE, 1996). A educação deve ser parte de uma tarefa dialógica fundamentada em compromissos sociais e políticos, tarefa essa que temporaliza o homem, e lhe proporciona profundidade para a interpretação dos problemas (FREIRE, 2011). Portanto o homem deve ter a possibilidadede construir suas opções, sendo capaz de compreender a realidade em que vive, para assim projetar o seu futuro juntamente com uma proposta de mudança de sua vida e consequentemente da sociedade da qual faz parte.

A temporalização humana é uma tarefa fundamental para a mudança do status quo da sociedade, ou seja, há a necessidade de humanizar o indivíduo, de proporcionar condições para que ele deixe o processo de coisificação criado e mantido pelo sistema em que vive e torne-se dono de seu próprio destino. Dessa forma o entendimento da história e das relações desenvolvidas entre o povo brasileiro é de suma importância para se compreender o porquê da sociedade brasileira ser estabelecida dessa forma. Num primeiro momento, a nossa colonização teve um interesse, fundamentalmente, exploratório e comercial, não sendo intenção dos nossos colonizadores criar uma sociedade. A nossa formação foi caracterizada, substancialmente, pelo exercício do poder exacerbado juntamente com a submissão, resultando em ajustamento e modelação ao sistema e não a integração. Já o nosso estado nacional democrático fez parte de uma importação sem ausente de contextualização, ou seja, o homem comum sempre foi marginalizado e submisso às relações de poder, sendo sempre conduzido. Dessa forma, a decisão e a participação sempre foram temáticas ausentes aos processos de responsabilidade social e política da sociedade brasileira (FREIRE, 2011).

A educação tem papel fundamental para o estabelecimento de uma democracia deliberativa em que o indivíduo é parte integrante da produção do bem-público, o simples ideal estabelecido pela democracia representativa, em que o homem é deixado à margem das decisões, pois seu papel social está, somente, no voto. A educação não deve ser uma tarefa descolada da praxis, a reflexão crítica a respeito da mesma é essencial para sua melhora contínua (FREIRE, 2011). A partir do momento em que a educação é fonte de mudança do status quo, ela intervém no mundo e altera as mais variadas relações estabelecidas entre o indivíduo e sua vida.

Outro saber de que não posso duvidar um momento sequer na minha prática educativo- crítica é o de que, como experiência especificamente humana, a educação é uma forma

de intervenção no mundo. Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento. Dialética contraditória, não poderia ser educação só uma ou só a outra dessas coisas. Nem apenas reprodutora nem apenas

desmascaradorada ideologia dominante (FREIRE, 2011, p. 98).