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Renato Russo,

Capítulo 2 2 2 Educação: direito de todos?

A caminhada histórica do Brasil na afirmação do direito à educação foi um processo lento, que passou por seis constituições, até chegar à última, reconhecida com a Constituição Cidadã, em 1988. A necessidade de ampliação do acesso à escola por diferentes grupos sociais demandou sua democratização. A escola não seria apenas para a elite, ou para os meninos brancos, mas para todos, alicerçada no direito social, e consequentemente, em ações e políticas voltadas para sua efetivação.

Assim, o tema educação aparece em vários documentos oficiais do país, desde a primeira Constituição, outorgada em 1824 por D. Pedro I. Com maior ou menor alcance e marcadas pelas ideologias de cada época, todas as seis Constituições brasileiras trataram do referido tema da educação, conforme quadro abaixo.

Constituição 1824

Outorgada por D. Pedro I

Estabeleceu a gratuidade da instrução primária para todos os cidadãos e previu a criação de colégios e universidades

Apesar da primeira da Constituição assegurar a instrução primária gratuita (artigo 179, XXXII), não havia escolas para todas as crianças. Muitos meninos entre nove e 14 anos trabalhavam em jornada superior a dez horas, eram explorados e apanhavam de seus encarregados, confirmando o descaso com a infância (PASSETTI, 2004).

Constituição 1891 Promulgada pelo Congresso Constituinte

Instituiu o ensino leigo ministrado nos estabelecimentos públicos. Coube à União legislar sobre o ensino superior, e aos Estados os ensinos secundário e primário, embora ambos pudessem criar e manter instituições de ensino superior e secundário. Ensino laico nos estabelecimentos públicos. Constituição 1934 Promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte

Reconheceu a educação como direito de todos. Organizou a educação nacional mediante especificação de linhas gerais de um plano nacional de educação e competência do Conselho Nacional de Educação para elaborá-lo; criou os sistemas educativos nos estados prevendo os órgãos de sua composição e destinação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Liberou impostos para estabelecimentos particulares, liberdade de cátedra e de auxílio a alunos necessitados. Definiu provimento de cargos do magistério oficial mediante concurso. Constituição 1937 Promulgada pelo Estado Novo

Vinculou a educação a valores cívicos e econômicos. Fortaleceu os sistemas educacionais e as competências para legislar sobre a matéria.

Constituição 1946

Constituição da República Populista

A educação voltou a ser definida como direito de todos, prevalecendo a ideia de educação pública. Foram definidos princípios norteadores do ensino, entre eles o ensino primário obrigatório e gratuito, liberdade de cátedra e concurso para seu provimento não só nos estabelecimentos superiores oficiais como nos livres, merecendo destaque a inovação da previsão de criação de institutos de pesquisa. A vinculação de recursos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino foi restabelecida.

Constituição 1967 Promulgada pelo ato Institucional N°4

Fortalecimento do ensino privado mediante previsão de meios de substituição do ensino oficial gratuito por bolsas de estudo; necessidade de bom desempenho para garantia da gratuidade do ensino médio e superior aos que comprovassem insuficiência de recursos; limitação da liberdade acadêmica; diminuição do percentual de receitas vinculadas para a manutenção e desenvolvimento do ensino.

Constituição 1988 Promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte

Reforçou a natureza pública da educação e destinou uma seção exclusiva para tratar do direito fundamental à educação, apresentando os princípios norteadores, reconhecendo-a como direito público subjetivo16.

Os sonhos me fazem voar em novos horizontes e, assim, antecipam o porvir, abrem perspectivas, apresentam e antecipam a própria travessia…

BOSI, 1988, p. 57

A educação, com as prerrogativas de direito de cidadania e dever do Poder Público, é fundamental para a construção de uma nação justa e democrática. Por influência dos princípios instituídos na atual Constituição Federal (CF), esse direito foi sendo progressivamente estabelecido no ordenamento legal, de forma a garantir o direito à educação escolar respeitando, entre outros, os princípios de “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”; e “garantia de padrão de qualidade”. (BRASIL, 1988, art. 206, incisos I e VII).

Por isso, nesse trabalho, nos interessa especialmente, a atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988 por uma Assembleia Constituinte formada por deputados e senadores eleitos. Adjetivada de Constituição Cidadã, a CF é a lei máxima do país, que limita poderes e define os direitos e deveres dos cidadãos, além de abranger um conjunto de preceitos que regulam e organizam o funcionamento do Estado. De acordo com Figueiredo (1988), ela se consagrou como uma das cartas constitucionais mais progressistas do mundo em matéria de proteção aos direitos sociais fundamentais coletivos e individuais.

A CF enunciou o direito à educação como um direito

social (artigo 6º), responsabilizando o Estado e a família pela sua garantia; também tratou

do acesso e da qualidade do ensino, organização do sistema educacional, financiamento e distribuição de encargos e competências entre os entes federados.

A Constituição redefiniu os

termos institucionais do federalismo brasileiro, instaurou um novo pacto federativo entre os diferentes níveis de poder, possibilitando aos municípios um grau de autonomia até então inédito na história do Brasil (SOUZA e FARIA, 2005). De acordo com Cury,

A Constituição fez escolha por um regime normativo e político, plural e descentralizado no qual se cruzam novos mecanismos de participação social com um modelo institucional cooperativo e recíproco que amplia o número de sujeitos políticos capazes de tomar decisões. Por isso mesmo a cooperação exige entendimento mútuo entre os entes federativos e a participação supõe a abertura de arenas públicas de decisão (CURY, 2002, p. 3)

No sistema educacional, instituiu o regime de colaboração entre as esferas municipais, estaduais e

Capítulo 2

federal, excluindo a preponderância de um ente federado sobre o outro. Segundo o artigo 18 da CF, o município é um ente jurídico da Federação, e não apenas uma unidade administrativa, o que repercute na atribuição de autonomia para criar suas próprias regras de gestão educacional, administrar sua própria rede de escolas e organizar sistema próprio de ensino.

Definiu a estrutura do financiamento da educação, determinando, no artigo 212, a aplicação de percentuais mínimos, de 18% para a União e 25% para os Estados e Municípios, da receita proveniente de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, elegendo o ensino obrigatório como área prioritária de atendimento; reconheceu, no nível constitucional, o salário-educação como fonte complementar de recursos (parágrafo 5º).

Com o novo modelo federal brasileiro, formado pela união indissolúvel da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, constituiu-se o Estado democrático de direito (BRASIL, 1988, artigo 1º), no qual estados e municípios possuem competências exclusivas em determinadas áreas, mas a União ainda é responsável por parte considerável do financiamento das políticas públicas.

No caso da educação, a União tem a competência privativa de legislar sobre normas gerais, e o faz na forma da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e das leis federais complementares. Ela delega aos estados poderes para legislar sobre a educação, especialmente no artigo 24; e, no artigo 25, compartilha, com os demais entes, o poder de legislar e o de estruturar sistemas de ensino.

À União coube a função redistributiva e supletiva, com o objetivo de garantir equalização de oportunidades e padrão mínimo de qualidade, devendo atuar, ainda que em caráter de apoio técnico e/ou financeiro, em todos os níveis. De acordo com o estabelecido no artigo 211 da CF, parágrafo primeiro:

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (BRASIL, 1988).

Já aos Estados compete atuar prioritariamente no ensino fundamental e médio, e aos Municípios, no ensino fundamental e na educação infantil. Quanto às dimensões