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3.1 MARCO LEGAL DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO E DA ESCOLA

3.1.1 Educação e Democracia na Constituição de 1988

A década de 1980 configurou-se como um período de aprofundamento das lutas dos movimentos sociais, políticos e culturais contra o regime ditatorial e, em defesa da democracia, época marcada pelo debate de idéias e de produções científicas sobre o pensamento político latino americano, principalmente o brasileiro, na compreensão de Tótaro (1997) a democracia como tema central desse pensamento, pode ser considerada como a grande novidade dessa década.

No contexto das lutas em prol da democracia, entre tantas iniciativas da sociedade civil, o movimento pelas Diretas Já8 teve um papel de fundamental importancia, inclusive influenciando o surgimento do Movimento Constituinte que teve como missão eleborar a Constituição de 1988.

No âmbito da educação, destaca-se no cenário nacional o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, criado inicialmente a partir da organização de vários atores sociais comprometidos e empenhados na discussão e elaboração de proposta e políticas educacionais, como: a Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior – ANDES, Associação Nacional de Profissionais de Administração da Educação - ANPAE, Associação Nacioanl de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação – ANPED, Centro de Estudos Educação e Sociedade – CEDES, Associação Nacional de Educação – ANDE, entre outras entidades ligadas diretamente a educação e algumas entidades de classe. (cf. GONH, 2005, p.78-79)

O referido fórum entregou à Assembléia Nacional Constituinte sob a forma de emenda popular, para serem incorporados ao capítulo da educação, dispositivos, onde o Estado deveria garantir a sociedade civil o controle sobre a execução da política educacional em todos os níveis (federal, estadual e municipal), bem como deveria garantir formas democráticas de participação e mecanismos de controle social efetivo sobre as suas obrigações com a educação pública. (cf. RODRIGUES, 2003, p.135-136).

Segundo a autora, o texto constitucional não contemplou nenhum aspecto da proposta sobre controle social e participação da sociedade na definição e acompnahamento da política educacional, constando das propostas apresentadas para o capítulo da educação, apenas o inciso VI, do art.206, „a gestão democrática do ensino público, na forma da lei‟.

A Carta Magna, conforme analisa Rodrigues (2003) é restritiva no que concerne aos aspectos democratizantes no âmbito educacional, inclusive se comparado aos artigos da saúde, seguridade e assistência social. Entretanto, no que diz respeito ao regime político basileiro, a mesma é enfática, logo no seu art. 1º, parágrafo único, afirmando textualmente: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”.

A Constituição de 1988 é considerada como a “Constituição Cidadã” entre outros motivos, pela forma como expressa com clareza os direitos civis, socias e políticos dos cidadãos. No capítulo II dos Direitos Sociais, dispostos no Art. 6º, destaca-se a educação; na

8 O qual defendia a eleição direta para presidente da república, embora não tendo obtido o almejado, pois o primeiro presidente foi eleito pelo colégio eleitoral, influenciou o surgimento do Movimento Constituinte.

afirmação de Cury (2002, p. 20), “é um direito social fundante da cidadania e o primeiro na ordem de citação.” Configura-se como condição sine qua nom para o pleno exercício da cidadania.

A Constituição Federal do Brasil, no capítulo III, sessão I da Educação, no seu Art. 205, dimensiona a educação como um direito de todos e dever do Estado e da Família e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Nota-se nesta primeira parte do artigo, que a responsabilidade primeira da educação é do Estado e sinaliza para a participação da sociedade como colaboradora. Ainda sobre o respectivo artigo, Cury (2002, p. 28) afirma: “A Constituição Federal do Brasil Art. 205” incorporou como princípio que toda e qualquer educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Desse modo, os princípios constitucionais, sobre os quais a educação brasileira deve ser efetivada, correspondem ao patamar de princípios universais colocando-a numa condição de coerência frente à visão de educação que articula desenvolvimento pessoal, educação para o trabalho e formação para a cidadania.

O Art. 206, do referido capítulo, define que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III- pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V – valorização dos profissionais de ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;

VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade.

O conjunto desses princípios constitui-se na base sobre a qual se fundamenta a legislação educacional da escola pública brasileira e, por conseguinte devem ser incorporados nas legislações estaduais e municipais do país, a fim de atender as exigências de uma educação que tem como perspectiva a formação dos cidadãos e cidadãs para o exercício da cidadania.

A gratuidade do ensino público, prevista no art. 206, IV da Constituição, é um aspecto muito importante para consolidação da gestão democrática da escola pública Cury (2002, p.

29), “Jamais uma constituição havia posto a gratuidade, em nível nacional, após o ensino fundamental. Isto ficava reservado à autonomia dos Estados e dos municípios”. E, acrescenta:

A constituição de 1824 dispunha a gratuidade para o ensino primário e só para filhos de livres ou libertos. A Constituição de 1934 é que estabeleceu a gratuidade e obrigatoriedade para todos e de qualquer idade no primário. A Constituição de 1967 amplia a gratuidade e obrigatoriedade para oito anos, do que a Lei 5.692/71 denominaria de ensino de primeiro grau. (CURY, 2002, p. 29).

Sem dúvida que se trata de um significativo avanço para a sociedade, ter na sua Carta Magna, a garantia da gratuidade do ensino público na educação básica, como um dos seus princípios. Analisando os aspectos concernentes à democratização do ensino público fundamentado na Constituição Brasileira de 1988, Rodrigues (2003, p.137), afirma que: ”os avanços constitucionais, no tocante a democratização da educação, restringem-se a dimensão da garantia do acesso ao ensino obrigatório, agora reconhecido como um direito público subjetivo.”.

No Art. 208, em seus sete incisos e três parágrafos, são definidas as formas de garantia do dever do Estado com a educação, sobre o qual Cury (2002, p.21), chama atenção para as questões contidas nos seguintes parágrafos: “1º parágrafo - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. 2º parágrafo – O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta, importa responsabilidade da autoridade competente”.

Toda e qualquer pessoa, em idade escolar ou que não teve acesso à educação na idade própria, tem o direito de exigir que lhe seja garantido o acesso ao ensino, o sujeito do direito é a pessoa e do dever é o Estado.

No Art. 211 da Constituição está previsto que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizem seus Sistemas de Ensino em regime de colaboração, e determina a universalização do ensino fundamental e médio, deixando transparecer o compromisso com a educação para todos e com o exercício da democracia.

Em se tratando dos aspectos educacionais relevantes instituídos na Constituição de 1988, é preciso destacar o estabelecimento da criação do Plano Nacional de Educação, previsto no art. 214, cuja finalidade é avaliar, definir diretrizes, objetivos e metas da educação nacional, e servir de orientação para a elaboração dos Planos Estaduais e Municipais de Educação.

A Constituição de 1988, ao definir os municípios como entes autônomos, além de avançar em relação à autonomia desses, abre espaço para que possam, a partir da regulamentação da LDB, criarem seus próprios Sistemas de Ensino, e o que, é mais importante, em regime de colaboração, respeitando os princípios da autonomia de cada ente federativo.

É importante salientar que essa Constituição é a oitava do Brasil e a sexta da República, no entanto, trata-se da primeira Constituição Brasileira que institui a gestão democrática do ensino público, ainda que apenas como um princípio, dependendo do ordenamento jurídico das leis infraconstitucionais para ser incorporado pelo Distrito Federal, Estados e Municípios nas suas políticas educacionais.

Por mais importante que se considere a definição do princípio da gestão democrática do ensino na atual Constituição, como fundamento para um ordenamento jurídico educacional catalisador de uma proposta democrática, o “texto constitucional omite qualquer referência ao controle social à participação da sociedade civil na definição e no acompanhamento da política educacional” (RODRIGUES, 2003, p.136).

Ao que pese à história política brasileira ser marcada por abruptas formas autoritárias de tomadas do poder, o empenho da sociedade civil na luta pelo estabelecimento e restabelecimento da democracia, tem marcado parte desse cenário, por certo, esta insistência pela institucionalização da democracia serviu de acúmulo para a construção de uma Constituição que na sua essência estabelece os princípios e mecanismos de uma sociedade democrática, calcada na garantia dos direitos, civis, políticos e sociais, dos cidadãos e cidadãs.

Frente às reflexões aqui destacadas acerca da gestão democrática do ensino público consubstanciada no texto constitucional, apraz-se, aprofundar no item seguinte, estes aspectos firmados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.