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1 INTRODUÇÃO

3.3 Educação e Ensino: duas faces de uma mesma moeda

A educação é comumente apresentada como atributo da pessoa humana, devendo ser comum a todos (SILVA, 2008), revelando uma disposição natural e espontânea de promoção da igualdade material e de pacificação social.

John Stuart Mill, por exemplo, com sua abordagem utilitarista, a que já se fez referência na etapa anterior, encara a educação como sendo uma necessidade, um elemento de

valor econômico essencial à criação do ―bom senso‖ na população, servindo de princípio

moral basilar, que, no Brasil, foi eleito como mola propulsora do progresso desejado pelos preceitos republicanos da última década do século XIX, em nome de um projeto civilizador (ANDREOTTI, 2005).

Dando uma atenção incomum para o tema, Mill sustentava a necessidade de uma difusão do acesso à educação, principalmente a básica, enxergando no Estado o único instrumento capaz de garantir tal acessibilidade. Óbvio que a marca liberal se faz ainda presente, já que, para Mill, esta atividade não deveria negar o princípio da livre iniciativa, não sendo possível ao governo o exercício da educação em monopólio, nem interferir na iniciativa privada.

Esses aspectos estão presentes no projeto republicano de educação nacional brasileiro, ao menos na sua primeira fase e relatada no início desta sessão, na qual prevalece o caráter civilizatório da educação para as classes trabalhadoras (ANDREOTTI, 2005).

A educação, representada pela ―escola‖ em ato que tende à redução do alcance e

seu conceito ideal, deve apresentar um propósito cívico partilhável por todos os cidadãos (SILVA, 2008).

Já na visão de Rawls, a educação é tida como o desenvolvimento e o treinamento de habilidades e aptidões, com finalidade ao ensinamento cívico e meio para o alcance do sustento e o senso de cooperação no atingimento de uma sociedade ordenada.

Desta forma, na concepção rawlsiana, a educação capacita os cidadãos para um debate público, estimulando a autonomia das pessoas e fortalecendo o exercício do juízo bem ponderado, fazendo, ao fim, com que os indivíduos alcancem e desenvolvam seus talentos, na medida em que a concepção de Rawls vem pregar o conceito abstrato de pessoa como consequência da posição original sob o véu da ignorância.

A Constituição Federal de 1988, embora não abandone os valores da socialdemocracia e do liberalismo igualitário, parece encarar o tema sob a perspectiva de um constitucionalismo comunitarista, como se verá com mais calma na próxima fase de desenvolvimento deste trabalho, servindo por ora afirmar que o destaque a ser dado é às decisões filiadas ao interesse da comunidade, sem a supressão das tradições.

Sob esta perspectiva, recorre-se às esferas de Walzer para apresentar a educação como um programa social diretamente relacionado a uma sociedade específica, sendo necessário assegurar, primeiramente, o acesso das crianças às escolas, para depois nos preocuparmos se estes prédios suportam um real ambiente de convivência democrática, uma vez que aquelas crianças não possuem os mesmos interesses e nem a mesma compreensão daquilo que é ensinado.

A concepção comunitarista da educação pressupõe que deve haver um contínuo entre a cultura local e o currículo escolar. Os professores não poderiam ser agentes estranhos à comunidade, ensinando saberes e valores em virtude apenas de sua suposta universalidade, racionalidade e cientificidade. A identidade é formada a partir da pertença a uma comunidade, sem a qual uma pessoa não poderia descrever a si mesma. A escola, vista como entidade comunitária, é uma criação da comunidade local para responder às necessidades educativas específicas. As escolhas aparentemente individuais refletem o reconhecimento de deveres definidos coletivamente através de exemplos e companheirismos. Isso gera responsabilidades que mantêm a estabilidade social. A comunidade torna-se uma fonte de valores e o referencial para se definir a democracia e a formação humana. A legitimidade democrática não resulta de escolhas individuais ou da construção negociada de valores, mas é ―essencialmente‖ um produto coletivo. (SILVA, 2009, p. 163-164)

De qualquer modo, em todas essas perspectivas a educação é encarada não apenas como um direito de fundamento moral, mas, também, como um ideal social, diretamente ligado ao conceito de cidadania, em que o sujeito se coloca consciente de seu espaço de dominação política e com capacidade de engajamento. É como foi assimilado pelo Constituinte de 1988.

Ainda assim, persiste a pergunta: o que é educação?

Existe um direito à educação? Um direito moral? Um direito legal? A resposta para esta questão depende de como nós concebemos duas coisas: a noção de um ―direito‖ e a noção de ―educação‖8 (KATZ, 2009)

8Tradução livre para: ―Is there a right to education? A moral right? A legal right? The answer to that question depends on how we conceive of two things: the notion of ‗right‘ and the notion of ‗education‘‖ (KATZ, 2009).

Poder-se-ia dizer que ―educação‖ é algo de caráter mediato, envolvido com uma intenção de reconstrução da experiência individual, ao passo em que ―ensino‖ admitiria uma acepção de natureza imediata, urgente, com ares de visibilidade e de vivenciabilidade.

Deve-se conseguir apresentar, todavia, uma forma pela qual ambos conceitos possam interagir dentro do contexto sistêmico do ordenamento jurídico brasileiro, levando em consideração não apenas as normas de cunho constitucional, mas, também, as legislações específicas, mormente naquilo em que mereçam observância tanto a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e suas posteriores alterações9, quanto a Lei n.º 12.711/2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio.

É necessário, portanto, que se procure percorrer os caminhos da história da educação no Brasil, iniciando com uma reflexão sobre os sentidos a ela atribuídos, para pensar, após, os rumos que ela foi obrigada a seguir e as formas com que se relaciona, em particular, com o modelo neoliberal.