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1 INTRODUÇÃO

3.2 Educação e ensino na perspectiva de 1988: um programa de transformação

Na fase atual do constitucionalismo brasileiro, a Carta Constitucional de 1988 torna clara a ideia, já no seu Art. 205, de que a educação assumirá valor intrinsecamente relacionado à capacitação do indivíduo, não apenas naquilo que diga respeito à sua qualificação para o exercício de qualquer trabalho, e sim, como veículo de integração social.

Falar, portanto, em direito à educação, sob a perspectiva do constituinte de 1988, é reconhecer o papel indispensável dos fatores sociais na formação do indivíduo, deixando a educação de ser apenas uma formação, e passando a ser uma condição formadora necessária ao próprio desenvolvimento natural, pressupondo um conjunto de fatores de interação social (MALISKA, 2013).

Precisamente por isso, é que se faz essencial uma abordagem interdisciplinar, porquanto os elementos essenciais para o atingimento de tal fim não seriam perceptíveis na sua inteireza tão somente a partir dos textos jurídicos. Falta ao direito a sensibilidade para a apreensão do tema em tamanha profundidade, o que não importa, em absoluto, em dizer que não lhe seja interessante o estudo. A propósito, o Art. 6º da Constituição Federal de 1988 desloca a educação ao status de direito social, de fundo prestacional, portanto.

Na sistemática constitucional de 1988, o legislador entendeu por bem setorizar, naquele mesmo Art. 205 os elementos que compõem, em sua visão, um conceito jurídico de educação, o que é completado pelos princípios encartados logo no Art. 206, dentre os quais destaca-se o da igualdade de acesso e permanência (inciso I) e o da pluralismo de ideias (inciso V).

O primeiro destes princípios relaciona-se com as discussões que foram apresentadas ao longo da primeira etapa do desenvolvimento deste trabalho dissertativo, cumprindo salientar que não deverá corresponder a simples esquemas procedimentais de acesso, tendo como principal objetivo acabar com quaisquer privilégios de origem (MALISKA, 2013).

Ao lado deste, o princípio do pluralismo de ideias dá corpo à própria concepção de liberdade e diversidade de pensamento, favorecendo o multiculturalismo. Isto revela uma inclinação ao projeto comunitarista, coadunando-se com a existência de uma engrenagem constitucionalmente pensada a partir do reconhecimento de que não há uma igualdade absoluta, porém, uma realidade desigual.

Dito isso, é possível afirmar tratar-se de consenso doutrinário a visão da educação com um papel transformador, revelando nela uma carga energética potencial, tendente a municiar o indivíduo – ao menos aparentemente – dos instrumentos necessários ao alcance da dignidade e ao desenvolvimento completo de suas competências subjetivas.

Assim, na ordem constitucional de 1988, a educação avança para além da estruturação do ensino, ostentando uma arquitetura de matriz social, integrando o rol de direitos especialmente destacados na redação do já mencionado Art. 6º da Constituição Federal de 1988, entregando para o Estado, em cooperação com os particulares, o dever de prestação aos indivíduos, com fins a garantir o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Isto representa evolução diante das abordagens pretéritas, haja vista que não se está tratando de nenhuma novidade, uma vez que a educação já havia sido prevista nos textos de constituições anteriores. A discussão nuclear, contudo, na forma como exposta na

Constituição de 1988, faz com que se possa dizer que não há, a rigor, uma única educação possível.

Como sói acontecer, partindo de uma metodologia equivocada e de que usualmente os profissionais do Direito lançam mão, ainda que se tenha normativos acerca da matéria, reduz-se sobremaneira a sua abrangência. Tenta-se, incessantemente, enquadrar os

comandos e normas constitucionais em uma só ―educação‖, muitas das vezes em confusão com ―ensino‖, o que dificulta o aprofundamento do debate. Fala-se, portanto, em direito à

educação, sempre em uma organização aparentemente única, o que não corresponde à verdade7. Nesta perspectiva, diz Barcellos ([2010], p. 2):

Embora faça referência geral ao direito à educação – em seu artigo 6º, por exemplo –, a Constituição de 1988 o desdobra em vários direitos mais específicos. A esses direitos correspondem serviços a serem prestados pelo Poder Público cujos regimes jurídicos não são idênticos.

Ainda que seja tema de carisma, a natureza do trabalho, todavia, não comporta seu enfrentamento por completo, razão pela qual escolhe-se o enfoque relacionado ao direito à educação superior, especificamente da rede pública.

Por outro lado, é essencial que se aproximem ―educação‖ e ―ensino‖, a serem

tratados com a mesma seriedade, porém, a partir de suas peculiaridades.

Crucial atentar para o que diz Silva (1989, p. 66) a respeito desta necessária diferenciação entre educação e ensino:

Se considerarmos que o conceito de educação não pode se limitar ao conceito de ensino, pois o primeiro é bem mais abrangente, não é difícil concluir que não só o Estado, como a família e as demais forças da sociedade, têm muito a ver com a educação de seu povo. A questão que fica é: Como pode o cidadão usufruir desse seu direito? Do direito a educação em geral e do direito ao ensino, em particular?

É de se atendar que ambas as figuras continuam merecendo assento constitucional no Texto de 1988, tanto que o constituinte cuidou de forma diversa para cada uma delas,

7 De forma ilustrativa, recorre-se à redação do Art. 205 da Constituição Federal, que diz que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, porém, com relação àquele ente, seu dever ser resume só ao acesso à educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria (Art. 208), sendo este um direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo (Art. 5º, caput, Lei n.º 9.394/1996). Perceba-se que, mesmo sendo a educação um direito social relacionado à afirmação subjetiva do indivíduo dentro do corpo social em que está inserido, o dever prestacional do Estado não se estenderia, a rigor, a qualquer pretensão de cursar o ensino superior, por exemplo.

como traz o Título VIII, Capítulo III, Seção III, da Carta Política de 1988. Isto parece favorecer aquela dita confusão terminológica.