• Nenhum resultado encontrado

1 INTRODUÇÃO

4.2 Políticas de ação afirmativa no acesso ao ensino superior público

Todos os aspectos debatidos em instantes predecessores dentro deste trabalho ganham ainda maior importância quando transportados para a ambiência do direito ao ensino e à educação superior, por se acreditar que este um terreno dos mais sensíveis a qualquer atuação tendente à promoção de mudanças no quadro social. Alinha-se, aliás, ao pensamento de Clève (2013, p. 121):

No campo universitário, duas propostas relativas às ações afirmativas merecem ser lembradas. A primeira é a da promoção da igualdade de posições, ou seja, mesmo que um diploma universitário não constitua garantia de uma carreira de sucesso, tem o forte potencial de ―abrir portas‖ e auxiliar a superação de estereótipos negativos. A segunda trata da necessidade de formação de lideranças, pessoas que possam ocupar postos privilegiados na comunidade e também mitigar a perspectiva preconceituosa do determinismo racial.

Nas sociedades com minorias sub-representadas, é importante a adoção de medidas tendentes a remediar as desigualdades e impedir a perpetuação da estratificação social, ou seja, a dominação de um grupo hierárquico que se consolida em função de determinado arranjo desigual nas divisões de poder e renda na comunidade.

A educação superior é tratada, então, como um recurso valioso e escasso (CLÈVE, 2013).

Aliada a tudo isso, é verdadeira a ideia de que existe valiosa base legal a justificar implementações de políticas de ação afirmativa para o ingresso no ensino superior público brasileiro, propugnando pela constitucionalidade do uso dos mais diversificados critérios de justificação dessas práticas, levando à revisão dos parâmetros clássicos da isonomia, que deixa de ser percebida em seu âmbito meramente procedimental e formal.

Embora não seja algo verdadeiramente inédito no país, havendo várias instituições públicas que já implementaram o sistema, merecendo breve registro da atuação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pioneira em políticas desta natureza, o estudo é destinado ao sistema reserva de vagas (ou de cotas), como forma de democratização do acesso ao ensino superior, na medida em que se percebe que encontrar uma política

10

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Acórdão no recurso de agravo de instrumento n.º 0001936- 56.2003.8.19.0000. Relator: Des. CLÁUDIO DE MELLO TAVARES. 11ª Câmara Cível. Data do julgamento: 14/01/2004. Data da publicação: 11/02/2004.

educacional que vise a democratizar o acesso ao ensino superior de forma igualitária é tarefa nada fácil em um país das dimensões do Brasil, ostentando largas desigualdades.

De todo modo, é real a impressão de que são possíveis tais políticas discriminatórias, desde que observadas as ponderações feitas acima, cabendo examinar a necessidade, ou não, de lei específica que discipline a matéria ou se é viável a adoção por atos meramente administrativos das instituições de ensino, como forma de expressão da autonomia universitária (Art. 207, CRFB/1988).

Importante que se diga que a preocupação central deste ponto do capítulo é analisar a educação e o ensino superior não mais com um locus excludente de reprodução de um modelo historicamente falido, como se pretendeu fazer anteriormente, mas, sim, com a finalidade de especificar possibilidades de atuação da Universidade Pública e seus desafios no cenário atual do contexto neoliberal, incompatível com uma política social universal que objetive a realização de níveis mais ampliados de igualdade social (SOARES, apud PEREIRA, 2009).

A intenção, portanto, é o fechamento da pesquisa afirmando a viabilidade jurídico-constitucional das políticas de discriminação positiva para que sejam pensadas formas de acesso ao ensino superior público pelas Universidades brasileiras, na tentativa de assim promoverem mecanismos reais e efetivos de igualdade substantiva.

Significa dizer que, inserida neste contexto é que se encontra revelada a importância das ações afirmativas como instrumentos de promoção de igualdade, na sua vertente material, também no acesso à educação e ao ensino superior formal, na rede pública.

Há, outrossim, que se concordar com as conclusões de Minhoto (apud ROTHENBURG, 2013), segundo quem por ser o acesso facilitado à educação básica obrigatória e gratuita (Art. 208, inciso I, CRFB/1988), os reflexos dessa política aparecem em um ensino superior com gritantes desigualdades éticas, destacadamente nas universidades públicas, ambiente que, contraditoriamente, mais deveria se mostrar inclusivo.

Em síntese palatável apresentada por Rothenburg (2013), inteiramente absorvida nesta pesquisa, afirma-se que as ações afirmativas no ensino público superior são importantes veículos de igualação, em especial por proporcionarem condições de formação aos indivíduos

e grupos em desvantagens, para que, melhor preparados, possam enfrentar os ―desafios da vida‖.

Outro ponto positivo nestas políticas discriminatórias seria, justamente, o elevado potencial de transformação social em tempo relativamente curto, já que têm o condão de

alcançar sobretudo jovens que ingressarão, em seguida, no mercado profissional (ROTHENBURG, 2013).

Em um resumo, tendo sido definidas as ações afirmativas como aquelas medidas que visam minimizar ou erradicar a desigualdade e discriminação sofrida por grupos tradicionalmente excluídos (BASTOS, 2014), não esquecendo de ressaltar nestas políticas de discriminação positiva o potencial de (re)equilíbrio da balança social e de garantia de acesso a bens socialmente relevantes – tais como a educação –, bem assim, a espaços de intervenção e decisão política na comunidade em que estão inseridos estes grupos, fazendo com que eles ganhem representatividade e destaque social, casa-se perfeitamente seu espectro de atuação com as finalidades que emergem de uma educação pública superior formal, capaz de cumprir sua vocação constitucional de pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Art. 205, CRFB/1988), juntado a isso tudo a luta pela apropriação de um espaço que deverá ser marcado pela diversidade e multiculturalismo de seus frequentadores.

Este o fundamento axiológico das ações afirmativas no ensino superior.