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4 O CENÁRIO DEMOGRÁFICO E O LUGAR: PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

5.1 MEIOS, MODOS DE VIDA E DINÂMICAS FAMILIARES DAS PESSOAS COM

5.1.2 Educação e escolaridade formal

De início é possível afirmar-se que um dos direitos básicos que tem tido pouca atenção em áreas rurais diz respeito à educação. No caso da educação inclusiva o abismo é ainda maior, isso porque uma das principais dificuldades não está na escola, mas sim, na forma como chegar até ela, visto que o transporte público rural é escasso em termos de horários e ineficiente em termos de unir as pessoas de um ponto a outro conforme será abordado no tópico seguinte.

O ingresso em escola regular ou escola especial, bem como a possibilidade de obter apoio de profissionais diversos, depende do tipo de deficiência apresentada e das condições da família. Os espaços educacionais não se restringem à escola regular, ampliando as possibilidades para associações e organizações que atuam com o desenvolvimento cognitivo e social de pessoas com deficiência, como por exemplo a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). O contexto de

vida reflete o envolvimento com as atividades educacionais, conforme relatos a seguir:

Ah eu fui na APAE uns 3 anos, por aí...e aí nós fomos morar em outra cidade e a área rural de lá era bem mais longe que aqui de Camaquã. Em Santa Vitória do Palmar. Não quis mais voltar. Na época ela não tinha habilitação, carteira de motorista, eu pegava 2 ônibus, todo dia, segunda a sexta. Um aqui e outro em Camaquã pra ir até a APAE. (P2, deficiência

visual e motora).

Na verdade lá daí falaram que, pra ele assim, pra ele poder sair... e ele não gostava. Ele ia porque eu que dizia aí, tu vai ganhar um salgadinho, tu vai... porque ele voltava sempre com dor de cabeça. Sempre. Pra ele era um tumulto. (Fb).

Ia seguido com ela pra APAE. Ela ia, frequentava. Uns 2 anos ela ficou na APAE, não mais. Mas assim: levava ela, até tinha que te né...desisti. Ia lá irritada. Ia de manhã, viajando, ela chegava lá irritada, porque ela não parava. [...] Não adianta! (Ff).

Por vezes o estímulo é externo, pois a pessoa com deficiência na condição de aluno não identifica um resultado positivo no que está realizando e, nem sempre, o ambiente de aprendizagem é um espaço de convivência agradável. Além de ser um grande esforço o acesso até ela.

Outro aspecto de destaque refere-se às atividades educativas desenvolvidas com as pessoas com deficiência, a abordagem e os objetivos. Mediante alguns resultados, isso pode favorecer ou desestimular a participação do aluno nas atividades, deixando, inclusive, de frequentar. Segundo uma das falas:

[...] Eu fui pra Santa Vitória e não quis voltar mais. Que...não aprendia muita coisa. O que fazia lá era o que: desenhar, fazia joguinhos, jogos pedagógicos, coisa assim, pedagógica sabe. Eu desenhava lá, uns desenhos. Eu não conseguia aprender a ler e a escrever. Aí falam muito hoje em, comé que é...botá o deficiente numa escola normal né. Isso é inclusão. Aqui tem que ter como uma sala...só que aí, não é bem assim a conversa. Tu sempre vai ficar pra trás né. (P2, deficiência visual e motora).

Para P2 a escola é um local para socializar, aprender e criar oportunidades. Além de estar cursando o ensino médio, faz cursos de informática e inglês para se qualificar e vislumbra um futuro profissional. A cadeira de rodas não é empecilho para deixar de estudar, mas o apoio dos pais é crucial, pois precisa se deslocar até a região central de Camaquã, visto que não existe oferta destes níveis de ensino no Banhado, onde reside.

As iniciativas e esforços em busca da educação são escassas, conforme constatado durante as entrevistas com as pessoas com deficiência participantes da pesquisa. O analfabetismo está presente na realidade da maioria deles. Dos 7 entrevistados que possuem algum tipo de deficiência, 4 deles não sabem ler e escrever, sendo dois deles com deficiência intelectual, um com deficiência visual e quatro com deficiência auditiva. O fato de viverem distantes das áreas urbanas e suas facilidades dificulta o acesso à educação inclusiva. A entrevistada 5, com surdez, estudou em escola regular – ensino fundamental – enquanto residia em Camaquã. No momento que se mudou para a Pacheca, abandonou os estudos e hoje mal sabe ler e escrever, e não se comunica em LIBRAS. Isso gera uma grande dificuldade para que a mesma se envolva com atividades sociais, políticas e econômicas.

Os entrevistados P3 e P4, com surdez congênita, frequentam a escola regular do Banhado do Colégio e outra escola em Camaquã. Pela surdez, necessitavam de apoio de uma intérprete de libras, que a escola não oferecia, o que de início gerou certa resistência por parte da Instituição. Mas, segundo a mãe, a direção buscou alternativas e, passados alguns meses, conseguiram contratar uma intérprete. Assim, ambos são alfabetizados em português e LIBRAS. No princípio, P4 não gostava de frequentar a escola, mas a mãe convenceu ele explicando que se não estudar não poderá ter carteira de habilitação, visto que gosta de moto e se interessa por dirigir. A irmã faz algumas “birras”, mas de modo geral gosta de frequentar a escola, diz a mãe.

Esta situação exemplifica que a garantia do direito à educação – que deveria ser dada pelo poder público – não é um processo automático, conforme sugere a legislação, tanto pela Constituição Federal de 1988 como leis e portarias posteriores. Novamente a falta de informações por parte das pessoas com deficiência e seus familiares é um dos aspectos que dificulta a busca pelos direitos e, ao mesmo tempo, quando conhecidas, precisam de esforço e, por vezes, encaminhamento judicial para que se concretize o acesso à educação.

Segundo estatísticas da Educação Básica no Brasil, o número de matrículas de pessoas com deficiência em instituições de educação especial reduziu e, paralelamente, o número de alunos com deficiência em escolas regulares aumentou entre os anos 2000 e 2015. Os dados são representados nos quadros 6 e 7, a seguir.

Quadro 6 – Número de matrículas no ensino regular, no Brasil

Ano

Nível de Atendimento

Total Creche Pré-Escolar Alfabetização Fundamental Médio EJA Profissional

2000 30.334 320 1.332 114 26.977 603 988 -

2015 750.983 12.804 39.087 - 576.795 64.488 54.865 6.172

Fonte: extraído das Estatísticas da Educação Básica (INEP, 2016), organizado pela autora. Porto Alegre, 2016.

Quadro 7 – Número de matrículas no ensino especializado, no Brasil

Ano

Nível de Atendimento

Total Creche Pré-Escolar Alfabetização Fundamental Médio EJA Profissional

2000 300.520 31.215 65.039 21.784 154.127 1.073 27.282 -

2015 179.700 5.524 6.633 - 105.872 1.269 60.040 1.080

Fonte: extraído das Estatísticas da Educação Básica (INEP, 2016), organizado pela autora. Porto Alegre, 2016.

A maioria das matrículas é observada no nível fundamental, tanto nas classes regulares quanto nas especiais. Seguindo para as matrículas em cursos superiores, são 37.927 pessoas com deficiência frequentando instituições de ensino, sendo que a maioria (34,2%) é de pessoas com deficiência motora. Percebe-se assim o progresso na eliminação das barreiras arquitetônicas e a facilitação no acesso físico às instalações, mas, por outro lado, as barreiras atitudinais ainda se mostram como uma limitação na sociedade no que diz respeito ao acesso à educação, pois apenas 4,4% das pessoas com deficiência intelectual alcançam um curso superior. (INEP, 2016). A desmotivação em seguir estudando se fez presente na fala do entrevistado 2:

Aí me disseram “ah, faz o supletivo. Entra no EJA com a tua mãe!”. Minha mãe fez o EJA aqui, o primeiro grau aqui e depois ela fez aquele supletivo do segundo grau e passou. Eu não fiz por que? Pra não ficar pra trás. (P2,

deficiência visual e motora).

Os números permitem inferir que a ideia de inclusão e integração das pessoas com deficiência está acontecendo, no entanto o relato no decorrer das

entrevistas demonstra que esse processo de “inclusão” não é efetivo nas áreas rurais. As sinopses do ano de 2015 permitem extrair informações da educação especial – matrículas em classes exclusivas e/ou comuns – por município. Em Camaquã foram registradas 443 matrículas, sendo 263 em classes regulares e 180 em classes especializadas. Destas, 401 matrículas em escolas localizadas na área urbana e 42 em áreas rurais. Retomando os dados apresentados na tabela 4 (capítulo 4), o município possui 19.829 pessoas com deficiência, o que significa que apenas 2,2% delas tem a oportunidade de estudar. Quando analisamos a realidade no espaço rural, este percentual cai ainda mais: 1,3% das pessoas com deficiência frequentam a escola.

A faixa etária também se mostrou como um elemento que diferencia as possibilidades de escolarização. A grande maioria das matrículas em 2015 no Brasil – equivalente a 70% – foi de pessoas com deficiência até 14 anos. (INEP, 2016). A tendência, conforme avanço da idade, é que os indivíduos se afastem do processo de escolarização e este não parece ser representativo para a fase adulta. Esse aspecto foi percebido no decorrer das entrevistas.

Além destas diferenças, o tipo de deficiência também é um aspecto que pode favorecer ou não o acesso à educação. Conforme o quadro 8, das 750.983 matrículas realizadas em classes regulares no ano de 2015, 65,2% correspondem a pessoas com deficiência intelectual, sendo que o INEPD não considerou como limitação intelectual o autismo7, a Síndrome de Asperger8, a Síndrome de Rett9 e o TDI10. Segundo o Censo de 2010, a deficiência intelectual é a que possui o menor número de casos, com 1,4% da população brasileira (IBGE, 2010) o que demonstra uma incoerência entre o número de matriculados, a acessibilidade arquitetônica das escolas e as estatísticas censitárias.

7

O autismo é um distúrbio neurológico com alto grau de comprometimento na interação social e na comunicação, com padrões comportamentais específicos e dificuldades cognitivas. Atualmente caracterizado como Transtorno do Espectro Autista, que abrange outras síndromes. (KLIN, 2006).

8

Enquadrada nos Transtornos do Espectro Autista, a Síndrome de Asperger caracteriza-se pelas dificuldades na interação social e comportamentos limitados. (KLIN, 2006).

9

A Síndrome de Rett é uma desordem do desenvolvimento neurológico que afeta o desenvolvimento motor e cognitivo, de causa genética, com prevalência no sexo feminino. (SCHWARTZMANN, 2003).

10

Transtorno Desintegrativo da Infância é caracterizado por complicações neurológicas que causam grande impacto nas habilidades sociais e comunicativas, associadas a quadros de encefalite ou epilepsia. Extremamente rara, de etiologia ainda é desconhecida. (MERCADANTE et al, 2006).

Quadro 8 – Número de matrículas em classes comuns por tipo de deficiência, em 2015 no Brasil

Número de Matrículas na Educação Especial em Classes Comuns - Ensino Regular e/ou EJA Tipo de deficiência, transtorno global do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação

Total Visual Auditiva Surdo

cegueira Motora Intelectual Múltipla Autismo

Síndrome de Asperger Síndrome de Rett TDI Altas Habilidades/ Superdotação 69.814 54.274 337 100.254 490.015 41.948 41.194 8.244 1.670 32.904 14.166 750.983

Fonte: extraído das Estatísticas da Educação Básica (INEP, 2016), organizado pela autora. Porto Alegre, 2016.

Entre as duas comunidades visitadas e com base nas falas dos entrevistados, o Banhado do Colégio oferece melhores condições para estudar do que a escola da Vila da Pacheca, onde, por exemplo, P6 não teve acesso à escola devido à falta de atendimento individualizado.

O papel da sociedade e do poder público de incluir a pessoa com deficiência fica relegado, o que faz com que esses sujeitos não promovam suas liberdades sociais, elementos que proporcionariam facilidades econômicas e liberdades políticas de forma sistemática.