• Nenhum resultado encontrado

4 O CENÁRIO DEMOGRÁFICO E O LUGAR: PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

5.1 MEIOS, MODOS DE VIDA E DINÂMICAS FAMILIARES DAS PESSOAS COM

5.1.6 Interação e vida social

A vida social das pessoas com deficiência participantes da pesquisa fica restrita aos relacionamentos familiares, vizinhos e às atividades existentes nas

proximidades do local de residência, na sua grande maioria disponibilizada por associações religiosas.

Durante as entrevistas, as falas apontam com frequência atividades individualizadas, como o uso do computador e da televisão. É o caso de P1, que, além de utilizar o computador para os estudos, possui acesso à internet para poder fazer do computador uma forma de “passar o tempo”, que intercala com os momentos em que assiste televisão. Apesar da deficiência visual, P2 contou que também gosta de “olhar TV” ou escutar jogo de futebol através do rádio. Assim, devido à distância de outras pessoas, seja por opção ou por imposição, a participação na sociedade fica comprometida.

Uma situação particular é da entrevistada P6, que possui autismo e não consegue expor seus interesses através de comunicação oral ou escrita, mas a mãe identifica através do nível de concentração que a filha apresenta. Por exemplo, o “som” adquirido recentemente pela família e que possui uma “roda luminosa” enquanto reproduz músicas, causando interesse em P6. Outro exemplo é a televisão, pois ela fica parada, olhando fixo para o que está acontecendo durante os programas. Dessa forma, a mãe deduz que a filha está gostando daquilo: “ela adora!”, afirma.

Visitar os vizinhos é uma prática frequente no que se refere à interação com outras pessoas, mas também fica condicionada às possibilidades de cada um e as limitações que o entorno apresenta. Esse deslocamento é mais fácil para quem não tem dificuldades de mobilidade e mais complexo para os cadeirantes ou aqueles com deficiência intelectual.

No caso da deficiência auditiva, as atividades de lazer tendem a ser vinculadas ao movimento, sendo que existem diferenças entre o que meninas e meninos fazem, em virtude da proteção da família, conforme relato a seguir.

O L. gosta de andar de bicicleta, jogar bola. Tem um clube aqui, a gurizada se junta e vão jogar bola lá. Jogá... tem bocha. Ele brinca, joga e a gurizada toda entende ele já, bastante. [...] A K. como é menor ela fica mais por casa, assim né. As guriazinhas vem, brincam com ela, mas tudo tem que tá aqui, porque eu tenho mais medo dela, porque ela é mais patetinha do que ele. [...] L. gosta de videogame, jogar snooke, jogar bocha, coisas assim ele gosta de fazer. Já a K. gosta de olhar televisão, riscar, recortar, coisas assim. [...] Tem notebook também, mas não tem internet. Só joguinho, Word, foto eles gostam de olhar. Pegam uma foto, fazem aquelas coisas né. São bem ativos assim... mas eles sabem mexer internet e tudo. Só de Testemunhas de Jeová que eles tem os videozinhos em LIBRAS, tanto em desenhos quanto o ensino da palavra de Deus, que eles trazem, assim. E a

K. é muito religiosa. Todo domingo se arruma e vai pra igreja com a minha mãe. [...] L. gosta daqui, tem amigos. Ele mais gosta de cachorro, dos gatos. Gosta de bicicleta, bola. Ela gosta de dançar.(Fcd).

As opções de interação e vida social para quem tem idade mais avançada são ainda mais restritas nas áreas rurais. Não é comum identificarmos atividades e programas ofertados pelo poder público e a população fica restrita ao que é possível fazer de acordo com as características da região. No caso do Banhado e da Pacheca não foram citadas ações governamentais que proporcionassem atividades de lazer e interação social nas comunidades.

Aqui fora se não tá trabalhando, quem não gosta de pescá não tem mais o que fazer. Pegá umas linha, ir pra bêra dágua se interte. Fora do serviço é só isso aí. (Fe).

Os espaços para práticas religiosas, além de serem locais de cultos também realizam festividades na comunidade e outras ações, e são vistos pelos entrevistados como uma oportunidade de estar com os amigos e “sair de casa”.

Eu frequento um grupo aqui, todo sábado à noite eu saio pra ir pra igreja. Aquela primeira que tu viu, com a torre. Saio para aniversários, festas. Quando é aniversário eles fazem nesses salões. Tem festas no Banhado...poucas mas tem, organizadas pelas igrejas. (P2).

Na contramão da inclusão no meio social, o relacionamento com os outros por vezes não recebe a aceitação devida, caracterizando-se como uma dificuldade extra quando o objetivo é se divertir, fazer o que gosta, desfrutar de forma prazerosa o tempo ocioso. O relato de P2 evidenciou essa situação, pois tocava pandeiro e foi desencorajado por não seguir um padrão.

Eu parei de tocar por que as pessoas ficaram meio assim... não consegui. É que pra eles eu não conseguia acompanhar o ritmo deles. Eu tocava no meu ritmo e aí a pessoa, não falou pra mim né, mas a minha mãe viu que a pessoa não gostou. (P2, deficiência motora e visual).

Os deslocamentos para visitar amigos e parentes mais distantes, participar de aniversários ou ainda em viagens para turismo estão ligados ao tipo de deficiência, tornando-se mais fáceis para aqueles que não utilizam cadeiras de rodas, conforme relato a seguir.

Às vezes tiro umas férias pra fora, vô ver as minhas tias, irmãs da minha mãe... vou pra lá, tiro uma semana. [...] Eu costumo brincar que viajar de ônibus pra mim só se for pra passeio, tipo uma excursão que tenha, parque aquático... lá perto onde tu mora - O Marina. O último que eu tive foi o ano passado, no Sítio do Beto. Foi muito bom. (P2, deficiência motora e visual).

Segundo a mãe, P2 gostaria de experimentar todos os brinquedos do parque aquático, mas é barrado em muitos deles devido à condição física e o receio de que possa se machucar. Isso demonstra a inadequação e o despreparo dos serviços e equipamentos em espaços de lazer e seus profissionais no que tange ao atendimento às pessoas com deficiência, impossibilitando as mesmas de consumirem serviços e viverem em igualdades com os demais sujeitos de direito.

Conforme ressaltado no item sobre trabalho e renda, as atividades de lazer acontecem no entorno rural e tem relação com as características do local. Tarefas relacionadas ao trato com animais ou à lavoura são consideradas pelas pessoas com deficiência uma forma de “passar o tempo”, de ocupar o tempo livre.

O entrevistado P7 também indica como momentos de lazer aquelas atividades que para muitos são consideradas trabalho. Por residir na associação da Vila, uma de suas funções é cuidar da horta, o que para ele é uma distração e, segundo ele, “tem gosto” por fazer. Por se locomover de forma independente e sem necessitar de equipamentos que dificultem o acesso aos meios de transporte público, o participante diz que gosta de ir até os parentes para passear.

Outro aspecto representado durante as entrevistas diz respeito às facilidades para interação e vida social proporcionadas pela condição econômica, favorecendo ou não o deslocamento para atividades diversas. Associada às características e particularidades de cada deficiência, podem ser consideradas as principais barreiras na vida social das pessoas com deficiência participantes da pesquisa. No entanto, considerando-se que nenhum dos entrevistados realiza trabalho remunerado e aqueles que recebem o BPC utilizam o valor para suas necessidades básicas, como saúde e alimentação, a possibilidade de recursos financeiros se restringe ao apoio da família.

Novamente o local de residência, distante dos centros urbanos, reduz as oportunidades de interação e vida social, inexistindo programas e intervenções públicas que ofertem serviços de lazer nas áreas rurais visitadas. Enquanto percebe- se um movimento de pessoas que saem das grandes cidades e se deslocam para espaços naturais em busca de lazer, as pessoas com deficiência que vivem em

regiões rurais não tem a possibilidade de realizar o processo inverso, no intuito de aproveitar atividades de lazer nas áreas urbanas.