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Educação Infantil e Ensino Fundamental: tempos, espaços e práticas educativas

Municipal 1 / EMEF Quinta etapa

3- Educação Infantil e Ensino Fundamental: tempos, espaços e práticas educativas

“Naquele tempo eu até que achava natural que as coisas fossem daquele jeito. Eu nem desconfiava que existissem lugares muito diferentes. Eu ia para a escola todos os dias de manhã e, quando chegava, logo, logo eu tinha que me meter no vidro. É, no vidro! Cada menino tinha um vidro e o tamanho do vidro não dependia do tamanho de cada um não! O vidro dependia da classe que a gente estudava [...] Se não passasse de ano, era um horror. Você tinha que usar o mesmo vidro do ano passado. Coubesse ou não coubesse. Aliás, nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros. E, pra falar a verdade, ninguém cabia direito.”

(RUTH ROCHA)

A organização dos espaços, tempos e das práticas pedagógicas desenvolvidas no interior das instituições educacionais são fruto das ações humanas, direcionadas por suas concepções, sendo estas influenciadas pelas questões sociais, históricas e culturais de uma época.

Como afirma Cunha (1999), as políticas educacionais e a evolução da sociedade afetam cada vez mais as funções da escola e do trabalho docente. Assim sendo, as práticas pedagógicas estão circunstanciadas a um tempo e lugar, necessitando de reconfigurações de suas especificidades.

Vale destacar que, além das influências do macrossistema que segundo Bronfenbrenner (1996) engloba os valores de uma cultura e subcultura, incluindo aqui as políticas educacionais como a ampliação do Ensino Fundamental de nove anos, as concepções e características dos professores afetam suas práticas pedagógicas.

Para Gimeno-Sácristan (1998), as concepções de mundo, aliadas às perspectivas epistemológicas adotadas pelos docentes, são importantes dimensões que direcionam o estilo pedagógico, a orientação curricular e as concepções sobre a educação que os professores apresentam.

forma como organizamos o trabalho pedagógico está ligada ao sentido que atribuímos à escola e à sua função social; aos modos como entendemos a criança; aos sentidos que damos à infância e à adolescência e aos processos de ensino- aprendizagem. Está ligado do mesmo modo a outras instâncias, relacionadas aos bairros em que as escolas estão localizadas; ao espaço físico da própria escola e às atividades que aí ocorrem; às características individuais do(a)s professores(as) e às peculiaridades de suas formações profissionais e histórias de vida – muitos fatores então condicionam a organização do trabalho pedagógico

Compreende-se assim que as ações desenvolvidas dentro das instituições pesquisadas devem-se às interações entre o ambiente e os indivíduos que delas participam, os quais são possuidores de características pessoais. Como afirma Bronfenbrenner (2011), essa interação possibilita que o externo torne-se interno e vice-versa, transformando-se em processo. É por meio dessa natureza bidirecional que os indivíduos influenciam e são influenciados pelo ambiente.

Ao se propor compreender as práticas pedagógicas, as organizações e ajustes espaço-temporais das instituições escolares, está se objetivando compreender essa relação estabelecida entre indivíduos e seus contextos. Salienta-se que a separação em categorias como rotinas, organização do espaço e prática pedagógica, são somente didáticas, pois compreende-se que essas dimensões caminham juntas, uma vez que a decisão docente sobre a organização de suas rotinas, seus espaços e tempo depende, de certa forma, de como este docente desenvolve suas práticas pedagógicas.

As rotinas se constituem na organização típica das instituições educativas, as quais se configuram como o eixo norteador das demais atividades ou até mesmo a condição a qual todas as demais ações nas instituições devam estar subordinadas. De acordo com Barbosa (2006), as rotinas têm como objetivo principal organizar, estruturar e sistematizar as práticas desenvolvidas no interior das instituições, são elas que possibilitam uma ritualização, que é compartilhada com os demais sujeitos pertencentes a esse ambiente, fortalecendo o sentimento de grupo.

As rotinas, por vezes, são consideradas como uma estrutura naturalizada e imutável, a qual as práticas pedagógicas devam se subordinar de forma padronizada. Ao compreendê-las assim, está se considerando que os

indivíduos pertencentes a esses contextos são passivos. No entanto, a compreensão da influência mútua entre ambiente e pessoa permite afirmar que tais rotinas podem ser repensadas e recriadas.

Como afirma Barbosa (2006), as rotinas devem ser consideradas como possíveis potencializadoras de desenvolvimento, a partir do momento em que ela são concebidas não somente como possibilidades de controle e sistematização de ações, mas como um momento em que se pode estimular o lúdico e a atividade criadora. Há que se destacar que esses rituais são comumente decididos pelos adultos pertencentes aos contextos educacionais, contudo, essas decisões afetam diretamente as emoções e os corpos infantis. Sendo assim, é importante que se conheça as rotinas das instituições, como afirma a autora, para que se possa reconhecer possíveis limites e refletir sobre formas de superá-los.

Aliado às reflexões sobre a rotina, é necessário se analisar os tempos destinados a cada uma das atividades realizadas nas instituições escolares. Como afirma Motta (2011, p. 170), a escola se organiza de tal forma que não reconhece as individualidades das crianças, as quais devem

sentir fome, vontade de ir ao banheiro, ter disposição para fazer as tarefas ou brincar nos mesmos horários. (...) A rotina escolar traz ainda grande quantidade de tempo de espera, resultante dos ritmos individuais no término de uma atividade e diante da impossibilidade da professora gerenciar o tempo de sua turma da forma que achar mais conveniente. Esses tempos de nada devem ser ocupados para que a falta de direcionamento não propicie uma liberdade criadora que poderia se opor ao rígido controle.

Obviamente não se está defendendo que as rotinas e a demarcação dos tempos sejam banidas, mesmo por que vivemos em uma sociedade regida por regras e normas as quais devem ser respeitadas. O que se destaca é a necessidade de se refletir sobre as rotinas cristalizadas, buscando compreender suas reais funções e intencionalidades, compreendendo como essas rotinas e esses tempos são vivenciados pelas crianças. Assumir as rotinas como algo que pode ser mudado, caso traga benefícios ao desenvolvimento dos sujeitos envolvidos em um dado contexto, é conceber que os indivíduos têm poder de ação nos ambientes que pertencem, descaracterizando os relatos de fatalismos, que por vezes são usados como

justificativa para a ausência de práticas inovadoras ou que visem romper com as formas preestabelecidas de se trabalhar com as crianças e as infâncias.

Além das rotinas e do tempo, há que se atentar para a organização dos espaços das instituições educacionais. Estas se constituem em importantes influências que determinam, em parte, como professores e crianças se sentem, pensam e se comportam. Pode-se afirmar que cada instituição pesquisada (CERs ou escolas) é um microssistema, onde os sujeitos em desenvolvimento experienciam papeis e relações interpessoais, em um ambiente imediato que possui características físicas, sociais, simbólicas, e materiais específicos (BRONFENBRENNER, 1996).

De acordo com Carvalho e Rubiano (2004), as formas que estes ambientes são organizados exercem um impacto direto, indireto e simbólico nos sujeitos que os compõem, podendo influenciar ou obstruir comportamentos, além de transmitir informações simbólicas sobre os papeis de cada indivíduo nesses ambientes. As salas de aulas enfileiradas, direcionadas para um mesmo lado (frente), por exemplo, podem inibir conversas e discussões, além de transmitir a informação que todos devem olhar, ao mesmo tempo, para um único lugar, o qual está destinado ao docente.

Sendo assim, pode-se afirmar que a organização espacial é um importante fator que pode favorecer ou dificultar o desenvolvimento infantil. Frente a isso, Carvalho e Rubiano (2004, p. 112) vão afirmar que as instituições voltadas ao atendimento infantil deveriam organizar seus espaços, visando atender cinco principais propostas: 1) Promover identidade pessoal: possibilitando que as crianças desenvolvam suas individualidades apesar de conviverem no coletivo, podendo ter seus próprios objetos, seus espaços personalizados e participar das decisões destes; 2) Promover o desenvolvimento de competência: possibilitando que as crianças exerçam sua autonomia e independência, como ter, por exemplo, torneiras e vasos sanitários dimensionados para seus tamanhos. Além disso, possuir pistas ambientais com barreiras específicas que auxiliem na demarcação desses espaços; 3) Promover oportunidade de crescimento: constituindo-se em um espaço que promova oportunidades para os movimentos corporais e para a estimulação dos sentidos; 4) Promover sensação de segurança e confiança: que possibilite a exploração, garantindo a integridade das crianças; e 5)

Promover oportunidades para contato social e privacidade: sendo planejado em termos de espaço como de materiais, propiciando ambientes em que as crianças possam interagir em grandes e pequenos grupos ou optar por momentos de isolamento.

Assim, é necessário pensar nos espaços destinados às crianças focando suas reais necessidades, por isso, é importante que o docente aprenda a fazer uma leitura de quem são suas crianças, observando

do que as crianças brincam, como estas brincadeiras se desenvolvem, o que mais gostam de fazer, em que espaços preferem ficar, o que lhes chama mais atenção, em que momentos do dia estão mais tranquilos ou mais agitados. Este conhecimento é fundamental para que a estruturação espaço- temporal tenha significado. Ao lado disto, também é importante considerar o contexto sociocultural no qual se insere e a pro- posta pedagógica da instituição, que deverão lhe dar suporte. (BARBOSA; HORN, 2001, p. 67)

Conjuntamente com a organização dos espaços, dos tempos, incluindo as rotinas, há que se atentar para as práticas desenvolvidas nas instituições pesquisadas. Como fora destacado, concebe-se nesse estudo que as práticas docentes são fruto de uma complexa relação entre formação inicial e continuada dos docentes, histórias pessoais, além das diferentes influências dos contextos, sejam os mais internos como das normas, regras e funções das instituições em que as docentes atuam, como contextos, ou os mais externos, relacionados as culturas, subculturas e políticas educacionais.

Pensando na ampliação do Ensino Fundamental e na entrada das crianças de 06 anos, há que se repensar as práticas desenvolvidas nas etapas finais da Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, visando assegurar os direitos sociais das crianças. Sendo assim, como indica Kramer (2006), é imprescindível que as práticas pedagógicas levem em conta as singularidades das crianças garantindo o direito ao brincar e a se expressar em suas diversas linguagens.

É importante que se garanta o atendimento às crianças em todas as suas dimensões: cognitiva, afetiva, psicológica, motora, social e cultural. Para isso, é necessário que se pense em uma prática pedagógica que possibilite contato com variadas expressões artísticas, tais como vídeos, músicas, danças

e literatura, permitindo que a criança internalize essas formas de expressão e as utilize como linguagem. Contudo, Borba e Goulart (2006, p. 52) afirmam que

Muitas vezes, à medida que a criança avança nos anos escolares ou séries do ensino fundamental, vê reduzidas suas possibilidades de expressão, leitura e produção com diferentes linguagens. Privilegia-se nas escolas um tipo de linguagem, aquela vinculada aos usos escolares, ou seja, a que serve à reprodução dos conteúdos dos livros didáticos mediante sua transmissão, repetição e avaliação. Se antes a criança tinha possibilidades de utilizar outras linguagens para ler e dizer coisas sobre si e sobre o mundo, vê-se de repente cercada não apenas pelas amarras de uma única forma de se expressar, mas também pela unicidade e previsibilidade dos sentidos possíveis.

Há que se pensar em práticas pedagógicas que estimulem as crianças, que garantam o acesso aos conhecimentos historicamente construídos sem perder de vista as peculiaridades das infâncias. Faz necessária uma reflexão que se concentre em temas como currículos, práticas de correção e de disciplina, manejos de sala de aula e formas de apresentar os conteúdos a serem trabalhados em sala de aula, sempre tendo como principal foco a criança e a intencionalidade das ações pedagógicas.

Observa-se a complexidade que compõe o trabalho docente, além das questões políticas e estruturais, as quais os docentes devem dar respostas, há sempre o desafio em lidar cotidianamente com novas experiências e práticas, uma vez que o foco de seu ofício são crianças, seres pulsantes e em constante evolução, assim como o conhecimento que se amplia, se transforma constantemente, o que desencadeia a necessidade da formação continuada.

Não se está, portanto, em nenhum momento, desconsiderando as adversidades que os docentes enfrentam cotidianamente em seu ofício, pois sabe-se que políticas educacionais afetam fortemente o trabalho docente e a forma destes desenvolverem suas práticas educativas. Contudo, optou-se por sublinhar a importância de se tomar como objeto principal da educação as crianças em sua pluralidade, indivíduos concretos e ativos.

Frente ao exposto, a presente seção apresentará os dados referentes às informações coletadas durante o período de permanência nos ambientes dos Centros de Educação e Recreação (CERs) e nas escolas de Ensino

Fundamental durante os anos de 2009 e 2010, respectivamente, tendo como base os pressupostos de que a organização dos tempos, espaços e das ações docentes são afetadas pela cultura, pelo momento histórico e político, conjuntamente com as concepções e visões de mundo de cada docente.

As análises aqui apresentadas são compostas pela triangulação dos dados de entrevistas e de diário de campo, os quais foram divididos em: 1) Estrutura e organização espacial; 2) Organização e prática pedagógica na Educação Infantil e Ensino Fundamental.

Os dados apresentados advêm dos Contextos A e B pesquisados, os quais podem apresentar semelhanças e também divergências, compostos da seguinte forma:

Quadro 16 – Síntese dos sujeitos e seus contextos

Contextos Etapa/ EI (2009)

Série/ EF (2010)

Crianças Responsável Professora (EI)

Professora (EF)

1ºC Aninha (C1) Antônia (R1) Aline (P1) Acácia (P5) 1ºC Mariana (C3) Maria (R3) Aline Acácia Quarta

etapa

1ºA Everton (C2) Evelin (R2) Aline Ângela (P6) 1ºA Gustavo (C6) Gabriela (R6) Ana Júlia (P2) Ângela 1ºA Helena (C5) Helen (R5) Ana Júlia Ângela

Contexto A

(CER1 e EMEF1) Quinta etapa

1ºB Andrea (C4) Amanda (R4) Ana Júlia Augusta (P7) 1ºA Rafaela (C7) Renata (R7) Bárbara (P3) Betânia (P8) Quarta

etapa 1ºA Tatiana (C8) Taís (R8) Bárbara Betânia 2ºA Matheus (C11) Marina (R11) Beatriz Bruna (P9) 2ºA Neymar (C12) Natália (R12) Beatriz (P4) Bruna

2ºB Adriana (C9) Andressa (R9) Beatriz Berenice (P10) 2ºB Éder (C10) Elisa (R10) Beatriz Berenice

Contexto B (CER2 e

EEEF2)

Quinta etapa

3.1- Estrutura e Organização Espacial na Educação Infantil e no