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A CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS JUDAICOS NA CIDADE DO NATAL

2.4 CRESCIMENTO E ADAPTAÇÃO DOS JUDEUS EM NATAL

2.4.2 Educação dos judeus em Natal

Ninguém é pobre exceto aquele que carece de conhecimentos (...) uma pessoa que tem conhecimento tem tudo. Uma pessoa que não o tem - o que é?- Uma vez que uma pessoa possui conhecimentos de que carece? E se uma pessoa não adquire conhecimento, o que possui? (NEDARIM 41 a). Talmude Babilônico.

A educação é um valor prático no judaísmo e para atingir uma vida judaica plena é necessário conhecer os preceitos judaicos (as 613 mitzvot) e para isso é preciso estudar e aprender os mandamentos divinos para aplicá-los na vida cotidiana. Mas o que primeiro foi obrigação dos pais, estabelecida na Torá, depois, por motivos práticos, se estendeu ao sistema educativo, que foi adquirindo uma crescente complexidade, inclusive pelo fato de ter que se adaptar nas diásporas judaicas, às situações mais diversas e hostis.

Em Natal, a preocupação de estabelecer um espaço escolar que pudesse transferir esses valores judaicos estava presente desde a fundação e o estabelecimento da comunidade judaica, e se tornou mais intenso com o crescimento do número de crianças, que nasceram na cidade após a chegada de seus pais. A construção de uma Sinagoga, um Cemitério e de uma Escola, era ação essencial dentro de uma visão judaica, pois esses espaços poderiam proporcionar a um judeu o ciclo genuíno de nascer, crescer (através da educação pautada nos conceitos e valores judaicos) e morrer (em um espaço sacralizando, oferecendo um descanso em paz para a sua alma).

Baseada nesses princípios, a comunidade judaica natalense resolveu, em agosto de 1929, estabelecer uma escola para que seus filhos e a comunidade local pudessem ter um ensino de qualidade baseado em valores, onde as boas ações fossem as práticas evidenciadas na vida dos educandos. No Judaísmo a educação nunca esteve restrita a um grupo, ela estava à disposição tanto da elite como das pessoas mais simples, sendo, portando, uma exigência para todo o povo, até para os seus membros mais humildes. Este tipo de prática está baseada na Torá, que os instrui a ensinar a todos os preceitos que o seu Deus ensinou.

Ajunta o povo, os homens e as mulheres, os meninos e os estrangeiros que estão dentro das tuas portas, para que ouçam e aprendam e temam ao SENHOR vosso Deus, e tenham cuidado de fazer todas as palavras desta lei (DEUTERONÔMIO 31:12).

Uma educação voltada para todos sempre foi o propósito de toda comunidade judaica e em Natal esse tipo de conduta não foi diferente. Por isso, quando se estabeleceu o estatuto do Centro Israelita Natalense, a escola judaica, uma das cláusulas do seu estatuto era: “Fazer funcionar uma escola gratuita, não só para os filhos dos israelitas, como para as crianças que desejarem frequentar” (WOLFF, 1984, p.46). A indicação de uma escola no estatuto de 1929 se tornaria apenas um reforço para o desenvolvimento educacional de crianças e adolescentes, pois as atividades educacionais voltadas às crianças já estavam sendo feitas desde novembro de 1925, quando foi criado o Jardim de Infância. Como o ano letivo estava terminando, somente em fevereiro de 1926 a escola foi inaugurada oficialmente e iniciou suas atividades com a presença de seis crianças, quando a comunidade contava ainda com apenas 22 famílias. Pouco depois da abertura do Jardim de Infância, a família Palatnik construiu um espaço no mesmo terreno em que se encontravam as suas moradias, e o Jardim passou a funcionar ali. Este obedecia a um padrão didático das escolas que havia na Palestina e o material didático

utilizado foi trazido de lá. A escolha desse modelo didático ocorreu devido aos constantes contatos que os judeus natalenses tinham com a Palestina, afinal, uma parte das famílias que estavam na capital Potiguar tinham familiares que imigraram para lá. E por ter material trazido da Palestina, era natural que a língua principal falada nesse espaço fosse o Hebraico. É importante frisar que em 1926 não havia ainda na cidade do Natal um Jardim de Infância; assim, os judeus foram os pioneiros nessa área educacional.

Cípora Palatnik, esposa de Adolfo Palatnik, foi a pioneira nas atividades docentes, ocupando- se das crianças judias. Por isso, logo depois o Jardim de Infância foi criado e chamado de Herzlia.

Por não haver ainda na cidade um estabelecimento educacional direcionado ao público infantil, o Jardim de Infância Herzila foi visitado por autoridades em educação, que mostraram seu apreço pelo empreendimento. Para ter uma dimensão de sua importância, no ano em que o então recém-eleito presidente do Brasil, Washington Luís, esteve em Natal, as crianças do jardim judaico também participaram do desfile comemorativo e chegaram até mesmo a levar a bandeira hebraica a esse evento. Nas festividades do dia Sete de Setembro, o Jardim de Infância não ficou de fora, chegando a desfilar com aproximadamente quinze crianças.

Figura 25: Jardim de Infância em Natal. Fonte: Sônia Palatnik.

A partir da esquerda, em pé: Eliachiv Palatnik, Sofia Kaller, Ester Palatnik, David Fassberg, Ester Palatnik (filha de Elias) e Moisés Palatnik. Sentados: Aron Horovitz, Aminadav Palatnik, Sarah Branitzky, Sarita Volfzon, Raquel Horovitz, Nechama Kaller e Simon Masur. Na frente: (?), Nechama Palatnik, Achadam Masur e Genita Volfzon

Com o aumento do número de alunos veio a necessidade de contratar um professor profissional para desenvolver um trabalho mais direcionado. Para esse feito, a comunidade judaica mandou trazer da Palestina em 1927 a professora Sarah Branitzky, que passou pouco tempo na escola, pois logo se casou com Yona Eidelman, transferido a educação das crianças para o casal Abraham e Sarah Lipman. Sarah tomava conta do Jardim de Infância e ele era o responsável pelas aulas de matemática e de Hebraico, por ser essa a sua especialidade (WOLFF, 1984).

Figura 27: Abraham, Sarah Lipman e filhos (Isac e Bracha). Fonte: Ana Masur

Mesmo diante de todos os esforços, a Escola Israelita em Natal não teve a mesma desenvoltura das escolas judaicas que foram criadas nesse mesmo período em cidades como Recife e São Paulo. O êxito dessas cidades se deu pela grande quantidade de judeus que imigrou para esses grandes centros urbanos. Mesmo com uma comunidade que chegou a ter aproximadamente 60 famílias em Natal, o número de alunos não era suficiente para dar continuidade a esse empreendimento. Por isso, a alternativa encontrada foi manter o Jardim de

Infância, e as outras séries ginasiais foram cursadas pelos filhos dos judeus natalenses em escolas como Atheneu, CIC, Escola Doméstica, entre outras.

O professor Abraham Lipman acabou limitando-se a dar aulas às crianças israelitas, a maioria delas estudava pela manhã nas escolas normais e à tarde se dirigia para o Centro Israelita com o objetivo de complementar sua educação dentro dos valores e da tradição hebraica. Lipman dedicava o período noturno para ministrar aulas ao público adulto, que demonstrava interesse em aprender não apenas as disciplinas relacionadas à cultura judaica, mas também aquelas que eram ensinadas nas escolas regulares. Segundo Wolff (1984), as aulas ministradas por Lipman chegaram a ser reconhecidas até mesmo na Palestina.

Quando a filha de Tobias Palatnik seguiu para a Palestina, para continuar seus estudos, ali foi comentada a boa qualidade do ensino de Hebraico em Natal, e, em consequência foi autorizado para assinar os diplomas do hebraico para o pré-ginasial na Palestina (WOLFF, 1984, p.47).

Depois de 1940, com a diminuição da população judaica na cidade, a situação do professor Lipman se agravou, ficando limitado a ministrar aulas particulares nas duas disciplinas que ele dominava muito bem: Hebraico e matemática. Com a chegada dos soldados americanos na cidade, o capelão judeu Baum acabou incentivando a retomada da escola, que foi reinaugurada em uma cerimônia com o Talmud e a Torá, com a presença de soldados americanos e da comunidade israelita local na base aérea de Parnamirim. O dia 15 de setembro de 1944 seria lembrado como um novo marco na construção de espaços judaicos na capital Potiguar, com o apoio da Junta Judaica de Educação e Bem-estar, que enviou para a escola Herzlia livros didáticos e outros materiais necessários para o funcionamento deste colégio. A alegria tomou conta dos corações de todos naquele momento, e o verso que acabou resumindo o significado daquela ação foi dito e anotado pelo rabino Baum “O Sol apagou-se em vários lugares do mundo, e apareceu de novo em Natal. O povo de Israel continua vivendo”.

A escola, mais que um espaço de informação, foi um lugar onde seus alunos tiveram a oportunidade de receber formação em todos os sentidos, e por isso, um dos primeiros espaços estabelecidos pelos judeus em Natal.

Cada um dos espaços que os israelitas construíram na cidade era uma parcela da alma do povo judeu e sua representação. As práticas exercidas nesses lugares podiam perpetuar uma tradição que foi responsável por mantê-los como um povo, fazendo que sua identidade fosse fixada em torno da cultura judaica. No capítulo posterior analisaremos como elas ocorreram no espaço da Sinagoga e do Cemitério, vendo nelas a manifestação do seu ethos, bem como a visão de mundo que esses judeus potiguares possuíam.

CAPÍTULO III

JERUSALÉM DO BRASIL: A SACRALIDADE