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A CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS JUDAICOS NA CIDADE DO NATAL

2.4 CRESCIMENTO E ADAPTAÇÃO DOS JUDEUS EM NATAL

2.4.1 Os judeus e a vida socioeconômica

A maior parte dos imigrantes que chegaram à cidade trouxe poucas coisas em sua bagagem. O que tinham em abundância era disposição para trabalhar, com o objetivo de ver o fruto do seu suor materializado através de uma vida digna, em que suas necessidades básicas pudessem ser supridas. A atividade de vendedor ambulante pode ser considerada o primeiro passo rumo à concretização desse sonho.

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Adolfo Landau, Alberto Weil, Francisco Belmand, Isaac Striijak, Jacó Zisman, Jacob Frost, Leib Soifermann, Luís Tabatchnik, Maurício Stambownsky, Meir Trobman, Moisés Kalmanovich (que veio de Tel Aviv), Rafael Cohen (que veio de Jerusalém), S. Frimer, Samuel Axelband, Samuel Lifshitz (que veio da Palestina), Shulman e Waldemar Galski.

Com raras exceções, quase todos os judeus iniciaram suas atividades comerciais através da ‘klientele’, dando origem ao nome ‘klientelshik’, cujo significado mais próximo é “mascate” ou “prestamista”. Como faziam para colocar em ação esse tipo de prática? Segundo Moisés Mandel (2009), os judeus que vieram para Natal possuíam uma estratégia para formar sua clientela. Eles procuravam os bairros mais pobres da cidade, entre eles o bairro das Rocas, e saíam batendo de porta em porta, oferecendo os produtos que levavam em seus pacotes. A diversidade dos objetos à venda era enorme; eles ofereciam de tudo, desde utensílios de cama, mesa e banho, sombrinhas, tecidos, até mesmo dentaduras que eram trazidas da Palestina. Tudo o que podiam transportar nos percursos, feitos a pé ou com o auxílio de carroças, era colocado em suas sacolas. O cliente que se interessava pelo produto tinha seu nome e endereço anotado em uma caderneta e nela o vendedor colocava o número de prestações que seriam pagas, facilitando assim o acesso aos produtos dessa clientela menos abonada, que não teria condições de pagar a mercadoria sem esta facilidade que os judeus ofereciam.

Esse serviço beneficiou não apenas a sociedade local, que não tinha condições de adquirir os produtos almejados nas principais lojas da cidade, mas a própria estruturação dos judeus em Natal, sendo o primeiro responsável pela união do grupo.

Essa atividade favorecia a coesão do grupo, tanto pela natureza da sua estruturação, baseada no sentido da solidariedade grupal, como pelo aspecto religioso, por confirmar uma mitzvá o acolhimento dado aos que chegavam, pelos que os precederam e prosperaram nos negócios. Quem chegava recebia crédito em mercadoria, orientação sobre os costumes locais e hospedagem para os primeiros tempos (KAUFMAN, 2005, p.146).

A atividade de klientelshik foi, sem dúvida, um instrumento importante tanto para a inserção dos judeus de outras cidades no grupo, como para a inclusão de todos eles nas relações sociais entre os natalenses. A receptividade que eles tiveram foi ampla, não apenas no meio da população menos abonada. Desde o início, o acesso às casas mais abonadas como as de juízes, advogados e altos funcionários do governo, beneficiou o entrosamento dos “russos”, como eram conhecidos, com a vida local. Já em 1914, por exemplo, a família Palatnik foi convidada para a posse do governador, e em novembro de 1917, foram saudados pelo pastor Dr. Jerônimo Gueiros no ensejo da Declaração Balfour (ROZENCHAN 2000).

O resultado do trabalho árduo que eles fizeram nas casas, de porta em porta, foi a ampliação das vendas. Preocupados em oferecer um serviço diferenciado e pessoal, estes judeus começaram a importar produtos nunca antes comercializados na cidade, com as principais mercadorias trazidas tanto do Rio de Janeiro e São Paulo, como de países da Europa e da Palestina. Não demorou muito para que a prosperidade chegasse para alguns desses judeus prestamistas, que procuraram investir as rendas levantadas em uma loja fixa, ampliando e diversificando seus produtos.

Um dos judeus que mais prosperou na cidade foi Brás Palatnik que logo após fazer uma grande clientela, trabalhando como mascate, abriu a sua loja fixa na Rua Dr. Barata n° 204 e 205, no bairro da Ribeira, principal espaço comercial da capital potiguar.

Figura 19: Propaganda de Jornal da loja de Brás Palatnik Fonte: Jornal A República Natal 29.02.1934

As atividades econômicas desenvolvidas por Brás Palatnik e por seus sobrinhos não ficaram resumidas a mercadorias como toalhas, guardachuvas, tecidos, roupas e outros produtos. Como grandes empreendedores, resolveram expandir seus negócios, tornando-se “polivalentes”. Com eles, Natal incorporou duas indústrias que beneficiariam diretamente toda a população: uma fábrica de mosaico e uma outra de móveis.

(...) Passaram a fabricar móveis, camas de ferro, cadeiras de vime, com matéria prima importada da Ilha da Madeira; colchões, azulejos, refrigerantes, em especial o guaraná, cujo técnico de produção foi trazido de Israel; adentram no ramo da construção e urbanização, plantam côco e diversas outras frutas na fazenda cujo nome era Renascença (ROZENCHAN, 2000, p.39).

Figura 20: Propaganda de Jornal da Movelaria Palatnik Fonte: Jornal A República, Natal 31.01.1934

Outra importante iniciativa dos Palatnik foi a construção de casas para aluguel a partir de 1927. O espaço escolhido foi a Avenida Deodoro, na parte central da Cidade Alta, por ser uma das áreas residenciais mais importantes daquele período. Esse novo empreendimento foi responsável por introduzir um tipo de casa que vinha alterar o padrão vigente, representado pelas antigas casas geminadas, duas janelas, uma porta, quintal aos fundos, divisões internas com paredes de meia altura para assegurar a ventilação dos cômodos (WOLFF, 1984).

As casas construídas pelos Palatnik, segundo Umberto Peregrino, eram “vistosas” e suas fachadas de aparência variavam nas cores e nas linhas arquitetônicas. Na área interna das casas havia conforto em matéria de banheiro e cozinha. A classe média de Natal desejou usufruir daquele novo padrão arquitetônico e habitacional que estava sendo estabelecido. O novo espaço ficou conhecido como Vila Palatnik. As casas que a família construía na cidade eram prontamente anunciadas nos jornais da época.

Figura 21: Vila Palatnik. Fonte: www.memoriaviva.com.br

A construção e os investimentos em imóveis não se resumiu a essa pequena Vila Palatnik, segundo Inácio Grilo (2009), outras casas foram erguidas e alugadas na Cidade Alta e até mesmo na Praia do Meio, em Natal. Numa tentativa em manter viva a memória daquele momento áureo em que a família Palatnik vivenciou na cidade, o Sr. Inácio Grilo resolveu colocar em seu estabelecimento, que fica localizado na antiga vila, o nome de seus idealizadores.

Figura 22: Estabelecimento comercial em homenagem à Vila Palatnik (2009). Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Os jornais se tornaram o veículo de divulgação dos empreendimentos de vários judeus, demarcando assim seu espaço comercial na comunicação local. Ainda no final da década de 1910 já podemos encontrar no jornal A República várias notas referentes às lojas por eles estabelecidas, bem como os principais produtos que eram nelas comercializados. Estabelecimentos como A Bota Maravilhosa, A Primavera de Josuá & Adonis, Casa Sion de Tobias Palatnik e irmãos, entre outras, estavam sempre presentes nos anúncios comerciais.

Figura 24: Anúncio de loja judaica e de imóveis.

Fonte: Jornal A República, 07.02.1922 / Jornal A República, 24.08.1934.

Os investimentos que os judeus fizeram no ramo comercial proporcionaram um resultado positivo resultando numa prosperidade econômica para uma boa parte da coletividade israelita em Natal. Foi na capital potiguar que eles tiveram a oportunidade de (re)construir as suas vidas oferecendo a cidade o que eles tinham de melhor: o trabalho e suas mercadorias, em contra partida, a cidade os recebeu consumindo os seus produtos importados e dando a eles uma condição de vida digna na qual puderam oferecer a suas famílias o suprimento de suas necessidades.