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Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único praticante.

Carlos Brandão

Brandão e seu livro “O que é Educação” aparecem novamente norteando o que se compreende como Educação. O autor nos traz a ideia de Educações, em uma visão antropológica, onde é parte fundante das sociedades/comunidades e essa cria sua forma de educar, baseada em seus princípios, sua cultura, sua forma de economia, dentre tantos outros aspectos.

Define-se o ensino formal como “o momento em que a educação se sujeita à pedagogia (a teoria da educação), cria situações próprias para o seu exercício, produz os seus métodos, estabelece suas regras e tempos, e constitui executores especializados”

(BRANDÃO, 2005, p.11). Ao dizer que não há um único modelo de educação, conforme a epígrafe e definição apresentadas, o autor abre a discussão a outros modos de educação,

diferentes do livre e diretamente associado a educação formal, como aquela promovida pelas escolas. Deve-se debruçar sobre os conceitos de educação informal e não-formal para compreender as outras formas de ação da Educação.

A princípio podemos demarcar seus campos de desenvolvimento: a educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdo previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização – ocorrendo em espaços da família, bairro, rua, cidade, clube, espaços de lazer e entretenimento; nas igrejas; e até na escola entre os grupos de amigos; ou em espaços delimitados por referências de nacionalidade, localidade, idade, sexo, religião, etnia , sempre carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados. Poderá ter ou não intencionalidades (por exemplo, educar segundo os preceitos de uma dada religião é uma intencionalidade). A grande diferença da educação não formal para a informal é que na primeira há uma intencionalidade na ação: os indivíduos têm uma vontade, tomam uma decisão de realizá-la, e buscam os caminhos e procedimentos para tal. Poderá encontrá-los em meios coletivos ou individuais (GOHN, 2014, p.40).

Podemos tomar a educação não-formal e informal como sinônimas, a depender do contexto, porém, como destaca Gohn (2006), a educação não-formal é marcada pela intencionalidade daquele que busca a ação em adentrar nas práticas educativas promovidas.

Essas práticas são cotidianas e pressupõem o uso de instituições e ações promovidas ao longo da vida, com base na experiência, além muros da escola.

Na educação formal, entre outros objetivos destacam-se os relativos ao ensino e aprendizagem de conteúdos historicamente sistematizados, normatizados por leis, dentre os quais destacam-se o de formar o indivíduo como um cidadão ativo, desenvolver habilidades e competências várias, desenvolver a criatividade, percepção, motricidade etc. A educação informal socializa os indivíduos, desenvolve hábitos, atitudes, comportamentos, modos de pensar e de se expressar no uso da linguagem, segundo valores e crenças de grupos quese frequenta ou que pertence por herança, desde o nascimento Trata-se do processo de socialização dos indivíduos. A educação não- formal capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo. Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Seus objetivos não são dados a priori, eles se constroem no processo interativo, gerando um processo educativo (GOHN, 2006, p.30).

A educação não-formal segue o eixo condutor de Paulo Freire, quando este fala que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Designa um conjunto de práticas socioculturais para a aprendizagem e produção de saberes, para a compreensão do cenário político, cultural, econômico que os sujeitos envolvidos vivem, voltada para a formação de cidadãos emancipados5 (GOHN, 2014, p.40).

5 Ao tratar do termo emancipação toma-se como base a perspectiva de Paulo Freire, que dita sobre a condição de pessoas que vivem de grandes necessidades materiais, que acabam por ter ausência da conscientização principal para conseguirem encontrar a liberdade. Portanto, o processo emancipatório, percorrendo essa visão, acontece de uma intencionalidade política que assume um futuro voltado para transformação social.

Apesar do “não” que acompanha a educação não-formal, ela não é uma negação ou uma alternativa às práticas formais de educação, elas podem e devem caminhar de mãos dadas. A própria LDB/96 preconiza sobre a formação do homem cidadão, considera a relevância da formação para a cidadania e a utilização da educação não-formal como uma das formas de alcance aliado aos preceitos da educação formal para esse objetivo trazido.

Essa reflexão apresenta-se, ainda, além da simples formalidade de conhecer esses conceitos, mas aplicá-los a modalidade de ensino da EJA, e suas singularidades, com vistas aos itinerários que marcam a trajetória dos sujeitos envolvidos nos processos de ensino-aprendizagem e desenvolvimento na modalidade. De que forma a educação não-formal contribui nesse processo?

2.1 Educação não-formal e a EJA: formação crítica e cidadã

A educação não-formal é carregada por intencionalidade e apesar de uma de suas características ser a de ocorrer além dos muros da escola, ela pode sim ser promovida no âmbito escolar. Ela sistematiza e organiza diferentes modos de vivenciar, traz uma abordagem crítica sobre temáticas muitas vezes não abordadas no sistema formal e abre a discussões além dos conteúdos programados pelo currículo escolar (FERNANDES, 2006, p.45).

A ideia de ocorrer em outros locais inclui a intenção de promover essas discussões e acolher a construção coletiva do conhecimento utilizando de outros recursos em prol de uma formação crítica e cidadã. Exemplos de locais que promovem a educação não-formal são igrejas, museus, cinemas, associações comunitárias e organizações não-governamentais.

Ela designa um processo com várias dimensões tais como: a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do que se passa ao seu redor; a educação desenvolvida na mídia e pela mídia, em especial a eletrônica etc. São processos de autoaprendizagem e aprendizagem coletiva adquirida a partir da experiência em ações coletivas, podem ser organizadas segundo eixos temáticos:

questões étnico-raciais, gênero, geracionais e de idade, etc (GOHN, 2014, p.40-41).

Carmen Cavaco apresenta a perspectiva que os adultos não-escolarizados, são considerados como analfabetos, não possuem cultura letrada, domínio da leitura e da escrita,

porém possuem saberes fazer, adquiridos na sua prática profissional e social (CAVACO, 2003, p.127).

Para o público da EJA a realização de atividades que permeiam o ambiente social e cultural em que vivem torna o aprendizado mais significativo. Deve-se levar em consideração que os educandos da EJA, assim como os estudantes de modo geral, inclusive as crianças, trazem consigo uma gama de informações e significações presentes em seu cotidiano, e essas devem ser utilizadas como temas geradores de debates e como base para o ensino, seja ele formal ou no âmbito não-formal.

O educador tem o papel de compreender essas realidades

A educação não-formal funciona em mão dupla: o educador tanto aprende quanto ensina – o mesmo vale para os participantes das atividades. É fundamental, assim, que o educador tenha sensibilidade para entender e captar a cultura local, a cultura do outro, as características exclusivas do grupo e de cada um dos participantes. A temática deve nascer a partir do cotidiano daquele grupo, considerando as características dos integrantes – como idade, gênero, nacionalidade, religião, crenças, hábitos de consumo – e a cultura e o modo de vida locais – que incluem práticas coletivas, divisão do trabalho no interior das famílias, relações de parentesco, vínculos sociais e redes de solidariedade. Ou seja, todas as capacidades e potencialidades organizativas locais devem ser consideradas, resgatadas, acionadas (GOHN, 2007, p.16).

Logo a educação não-formal para os sujeitos da EJA pode ser compreendida como método dialógico, utilizando de recursos além dos propostos no currículo. É utilizar dos itinerários dos sujeitos e a partir deles traçar possibilidades de aprendizagem. A educação não-formal busca novas tramas para o desenvolvimento dos educandos da EJA, introduzindo novos temas e debates ao contexto da escola, com vistas a uma formação mais crítica e cidadã, dentro ou fora da escola. Pode-se analisar que “a formação se enraíza na articulação do espaço pessoal com o espaço socializado e progride com o sentido que a pessoa lhe dá”

(CHENÉ, [1988, p.89], apud CAVACO, 2003, p. 146)