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Educação na Cidade: uma proposta contra-hegemônica

3 ARRUMANDO A BAGAGEM (BAÚ DE VIAGEM)

3.1 A CIDADE: TERRITÓRIO DE DIREITO E DE EDUCAÇÃO

3.1.2 Educação na Cidade

3.1.2.2 Educação na Cidade: uma proposta contra-hegemônica

Para Chisté e Sgarbi (2015, p. 110), Educação na Cidade se apresenta “como sendo aquela que promove a humanização, o empoderamento e a construção da cidadania plena que visa à transformação social”. Ao compor tal definição, os autores, optam em seguir um caminho diverso ao da mercantilização da educação, que é motivada pelos interesses corporativos empresariais (maximização do lucro, novos mercados e propagação da ideologia liberal) e segue a lógica da reprodução da sociedade capitalista. Assim, a Educação na Cidade objetiva proporcionar uma visão crítica e emancipatória do estudante perante o mundo do trabalho e no exercício de sua cidadania.

Tal perspectiva se materializa quando a Educação é entendida como atividade na qual educadores e educandos, mediatizados pela realidade, aprendem e extraem dela o conteúdo da aprendizagem, atingindo um nível de consciência elevado, capaz de impulsioná-los a atuar na realidade visando à transformação social (CHISTÉ; SGARBI, 2015, s.p.).

Junto a esta concepção, em consonância com pensadores como Dermeval Saviani e Paulo Freire, a proposta da Educação na Cidade compreende que não há neutralidade no ato de educar e de ler o mundo, sendo assim uma opção político-ideológica, uma escolha. “Não existe olhar neutro do mundo que nos cerca. Todo processo pedagógico está repleto de aspectos ideológicos, políticos e culturais [...]” (VASCONCELOS; CHISTÉ, 2018, p. 55). Como diz Freire, “a leitura crítica de mundo se funda numa prática educativa crescentemente desocultadora de verdades. Verdades cuja ocultação interessa às classes dominantes da sociedade” (FREIRE, 2007 apud CHISTÉ; SGARBI, 2015). Ou, como expõe Saviani, abalizado em Gramsci, que cabe “[...] entender a educação como um instrumento de luta. Luta para estabelecer uma nova relação hegemônica que permita construir um novo bloco histórico sob a direção da classe fundamental dominada da sociedade capitalista – o proletário [...]” (SAVIANI, 2013 apud BATILANI, 2015, p. 72). Em outras palavras, em uma concepção desveladora de verdades ocultadas e conflitos soterrados, a educação escolar pode ser construída como um instrumento de luta contra- hegemônica, mas a favor das classes populares e de sua emancipação.

Nesse sentido, compreendemos que educar na cidade pressupõe o desvelamento de seus espaços, muitas vezes configurados para reproduzir a sociedade desigual em que

vivemos. Essas contradições precisam ser reveladas por meio de uma educação que empodere os sujeitos e os impulsionem a, coletivamente, criar meios de transformar as condições de exploração em que estão hodiernamente submetidos. (VASCONCELOS; CHISTÉ, 2018, p. 46).

Assim, o seu diálogo com a cidade, como intencionalidade educativa, pressupõe que

[...] Educação em seu sentido amplo depreende processos de apropriação de conhecimentos diversos e pode ser efetivada em variados locais. Assim, consideramos que é possível educar em diferentes espaços, sejam eles a escola, a rua, o museu, os monumentos históricos, os prédios, as pinturas dos muros, os parques ecológicos, as praças, as instituições bancárias, os postos de saúde, os hospitais, os centros comunitários, o comércio em geral, a igreja, etc. Basta para isso termos a intenção e condições objetivas para fazê-lo (VASCONCELOS; CHISTÉ, 2018, p. 49-50). Deste modo, cabe ao educador desenvolver e estabelecer este olhar sensível como uma opção político-pedagógica. Antes de tudo,

[...] o educador deve contemplar a cidade, pensar a cidade, extrair de cada espaço dela as lições que possam dar mais vida às pessoas, humanizar os cidadãos. Essas são algumas chaves de leitura da cidade e de seus espaços (CHISTÉ; SGARBI, 2015, p. 105).

O processo de intencionalidade e sistematização, no qual o educador é fundamental, na proposta da Educação na Cidade, segundo Vasconcelos e Chisté (2018, p. 50), deve se ater preliminarmente a algumas questões, como segue:

• Qual potencial transformador tem a cidade? • Que locais podem problematizar o que está posto?

• Que estratégias podem ser pensadas nesses espaços que contribuam com a problematização da realidade?

• Como pode a cidade contribuir com o processo de humanização dos sujeitos? • Que lugares da cidade podem contribuir com o processo de humanização? • Como planejar a visita a esses espaços?

• Como dar continuidade as reflexões iniciadas na visita no espaço escolar?

Isto posto, dentre a diversidade, já aludida, de concepções formuladas da interação das categorias cidade e educação, esta pesquisa firma sua orientação na proposta da Educação na Cidade. No conceito de Educação na Cidade, torna-se nítido que há uma preocupação conceitual diferenciada em relação aos demais, especialmente sua posição contra-hegemônica. Não é proposto, também, um processo que envolva o controle político do Poder Público Municipal para implementação desta proposta, ou seja, está na postura (olhar) do professor ou até da escola por meio de seu Projeto Político Pedagógico (PPP). Não exige, por exemplo, a Municipalidade assinar uma carta de intenções para que possa ser feito.

Sabemos que, não obstante as outras concepções pretendam perpassar as suas propostas pela transversalidade entre Poder Público e sociedade (empresas e movimentos sociais), as mesmas

não vêm conseguindo gerar uma articulação integrada, como uma rede ou movimento, até pelos limites reprodutivistas da ideologia capitalista. A Educação na Cidade não é concebida desta forma; refere-se a uma proposta possível, principalmente na conjuntura extremamente hegemonizada pelas ideologias e poder do capitalismo.

A Educação na Cidade, de modo metafórico, pode ser concebida como movimento de guerrilha, aproveitando as brechas do território para lançar “ataques pontuais” e constantes, concentrados de intencionalidade e sistematização, por meio de ações educativas contra-hegemônicas. Assim, torna-se um desafio desvelar o potencial educativo que a cidade pode oferecer, as reflexões possíveis de serem levantadas diante da realidade historicamente constituída no espaço. Portanto, trata-se de ver e extrair tudo o que for capaz de instigar percepções e inspirar transformações. É nesse horizonte que analisaremos a identidade pomerana em Santa Maria de Jetibá e elaboraremos nossa viagem formativa para “visitar” as construções nela presentes, seja no campo ou na cidade.