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4 JUVENTUDE E EDUCAÇÃO

4.2 EDUCAÇÃO NO SEMIÁRIDO

O semiárido brasileiro é o maior do mundo em extensão. Sua área tem cerca de 900.000 km² e abrange todos os estados do Nordeste. O termo “semiárido” faz referência à aridez; condição essa que é causada por aspectos naturais, como o fator climático e a irregularidade das chuvas, e também pela forma como a região é explorada; por vezes, a partir de práticas que envolvem desmatamento e queimadas da vegetação que compõe o bioma caatinga, além da provável contaminação do solo e da água com agrotóxicos nos locais onde se pode praticar algum tipo de agricultura (SCHISTEK, 2013).

Schroeder (2013) explica que um dos efeitos dessas práticas é que as pessoas passam a acreditar na incapacidade delas próprias e na inviabilidade da região, prevalecendo a imagem de um lugar inóspito por natureza, ocupado por seres humanos inferiores. Uma saída para esse estado de coisas pode ser a educação, que segundo Silva et al. (2009), é um dos instrumentos de construção da cidadania plena, além de uma condição para a formação de um projeto de emancipação no semiárido (FARIAS; MARQUESAN, 2018, p.3).

A educação faz então parte de um contexto maior onde está conectado o social, a cultura, a política, os interesses das elites locais e nacionais em determinadas geografias, na manutenção ou exterminação das paisagens. Dessa maneira, o currículo da escola deve então estar atento às necessidades dos alunos. Freire (1987) acredita que ampliar as capacidades críticas é ter um poderoso instrumento para construir novas possibilidades no processo de vencer o atraso, a miséria e as injustiças sociais. Neste contexto, Moreira e Silva dizem:

O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo não é um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação (2009, p. 8).

Na última década foram tomadas importantes medidas a nível federal, estadual e municipal para reverter uma situação que parecia de calamidade. Assim, as mudanças na educação refletem a mudança do olhar sobre o sertão e o semiárido. Ainda assim, a educação oferecida pelo Estado às populações do campo, as populações ribeirinhas e das periferias das grandes cidades ainda não está adequada. A educação em pequenos municípios do interior do Nordeste também não tem a devida atenção no sentido da troca de experiências exitosas.

Em alguns lugares, a mesma ainda apresenta-se num caráter caótico, longe do espaço/tempo necessário para que a escola seja o contexto de garantia do desenvolvimento do indivíduo.

O Semiárido brasileiro é composto por uma realidade dinâmica, complexa e multidimensional. É um amplo mosaico com características peculiares, cujo povo convive com o clima e, criativamente, constitui seus modos de vida nessa vasta parcela do território brasileiro que precisa ser compreendida sob múltiplos olhares e dimensões (CONTI, 2013, p.21).

Cubati e o Seridó Oriental não fogem dessa possibilidade de compreensão. E é justamente o estudo de uma escola no semiárido de um pequeno município no Nordeste que pode trazer à baila elementos para pensarmos outras localidades com caracterização semelhantes, permitindo que o poder público, em um segundo momento, faça uso desses estudos para elaboração de políticas públicas em nível regional e municipal, não só através de políticas públicas estaduais e nacionais, que muitas vezes são descoladas das demandas cotidianas mais locais.

Nesse ponto contextualizamos a respeito da 4ª GRE (Gerência Regional de Ensino) da Paraíba, uma unidade territorial administrativa do governo que poderia contribuir melhor com interpretação socioeducacional na qual está inserida. São 12 municípios do semiárido nordestino que fazem parte dessa GRE, com uma população de cerca de 75 mil habitantes, com o maior município possuindo uma população menor de 25mil habitantes. Estas apresentam, em teoria, realidades semelhantes da atividade agropecuária e de mineração relevantes19.Todavia, ao longo dessa pesquisa não obtivemos êxito nos contatos que tentamos

estabelecer com a referida gerência, seja de maneira indireta através do diretor escolar, seja de

forma direta através de funcionários dela, sempre tratando-nos com cordialidade, mas inviabilizando acesso aos dados consolidados (da escola e da regional de ensino). Também tentamos contato com a secretaria de estado de educação, via e-mails e telefonemas, mas estes não eram respondidos ou atendidos pelos responsáveis.

O semiárido sofreu com vários obstáculos durantes décadas: chuvas irregulares, má distribuição de águas, políticas públicas insuficientes, baixo nível de desenvolvimento social e rótulo do nordestino como um ser desnutrido, intelectualmente atrasado e por isto condenado a miséria. Cubati nessa última década possuiu um longo período de estiagem, fazendo com que a renda média caísse consideravelmente e a participação do trabalho dos alunos fosse mais requisitada para a subsistência das famílias, e muitos precisaram se deslocar da cidade para trabalhar em outros municípios, seja de forma sazonal ou permanente, impactando nos dados educacionais.

O processo de modernização do agronegócio aconteceu de forma socialmente excludente e espacialmente concentrada, reforçando o assistencialismo e manipulação, alimentando a chamada “indústria da seca”. Ou seja, foram muitos problemas e a região ficou rotulada de forma negativa dentro e fora do semiárido, o que se reflete no ensino.

Estigmatizada pelo senso comum como rudimentar, atrasada e de pouca ou nenhuma significação na vida dos povos que habitam zonas rurais, a educação destinada a esses segmentos foi sempre concebida como apêndice nos Sistemas de Ensino, situando-se nas franjas das políticas educacionais. As iniciativas do Estado durante o século XX – sob a denominação de Educação Rural ou Educação para Comunidades Rurais, destinada ao campo, mas concebida a partir do olhar da cidade, descolada da cultura rural – efetivaram-se mediante a transposição de conteúdos referenciados na realidade urbana, fazendo‐ se, quando muito, adaptações e/ou adequações (SILVA; DANTAS; BUENO, 2009).

Neste contexto, mesmo com o direito do indivíduo ao acesso à educação por meio da escola estando garantindo por lei, isso não assegura o seu cumprimento, ou que a educação no semiárido nordestino seja considerada como uma prioridade pelos seus gestores. Esta é a crítica que também fazemos ao nosso lado da cadeia, no sentido de não produzirmos o conhecimento a partir da realidade que eles estão inseridos, o descolamento já mencionado que desfavorece o pertencimento e a identidade. O que poderia ser um instrumento de emancipação social acaba por não atender as necessidades dos estudantes e suas famílias uma educação para o semiárido deve levar em conta os problemas enfrentados pela população da região e adotar uma metodologia de ensino que envolvesse situações e experiências reais e vividas no dia a dia pelo estudante, contextualizando a educação e abarcando aspectos como a construção do currículo escolar e sua concentração em temas com foco nas potencialidades

locais como educação ambiental, cultura e história, visando a diminuição da evasão escolar em “cidades rurais” 20. As Diretrizes de educação para a convivência com o semiárido

brasileiro nos falam:

Associar o que se aprende na escola com as experiências vividas na realidade é uma forma de relacionara teoria e a prática, permitindo que os alunos atribuam maior aplicação e sentido ao que é ensinado. Para que ocorra o rompimento com a educação hegemônica e universalista, é essencial que ensino, livros didáticos e currículos desvinculados da realidade local sejam substituídos por metodologias que levem em consideração o contexto, permitindo que o aluno, além de desenvolver conceitos positivos sobre si, se sinta protagonista na construção de sua identidade (RESAB, 2006).

Nesse quadro, a escola vem sendo desafiada a buscar alternativas para que verdadeiramente seja acessível e atenda às novas demandas econômicas, políticas e culturais que, em nosso entendimento, são resultantes do processo de transformação do padrão de acumulação do capitalismo, ou seja, a reestruturação produtiva e visão de uma educação liberal21, sustentada por profundas transformações sociais desde então, que além de mudar a

noção de tempo e espaço vem definindo e transformando hábitos em diversas dimensões da vida humana, em especial o mundo do trabalho exigindo uma maior qualificação para que os postos oferecidos sejam ocupados. Dos 224 alunos pesquisados, 68 são oriundos da zona rural e menor proporção no ensino integral, parte disso explicado pela necessidade do trabalho no campo, as atividades agropecuárias são importantes para manutenção da subsistência característico do Semiárido.

20Conceito apresentada por Veiga (2002) em seu livro “Cidades Imaginárias”, que é caracterizado por cidades que possuem seu dinamismo econômico a partir de atividades rurais, para ele 4.485 municípios que correspondem a 30% da população brasileira poderiam ser considerados assim, a maioria deles no Nordeste e Cubati um deles.

21 Quando falamos o termo liberal sempre recorreremos a concepção de Mészáros (2005) em “A educação para além do capital” no sentido global, onde o mesmo afirma que “ [...] a educação formal não é força ideologicamente primária que consolida o sistema do capital; tampouco ela é capaz de, por si só, fornecer uma alternativa emancipadora radical. [...] Esperar da sociedade mercantilizadauma sanção ativa – ou mesmo mera tolerância – de um mandato que estimule as instituições de educação formal a abraçar plenamente a grande tarefa histórica do nosso tempo, ou seja, a tarefa de romper com a lógica do capital no interesse da sobrevivência humana, seria um milagre monumenta”. Também recorremos a primeira parte do livro de Patto (2015) ”A produção do fracasso escolar” no ponto 2, intitulado “O modo capitalista de pensar a escolaridade: anotações sobre o caso brasileiro”, onde o mesmo afirma que, sobre a educação liberal, “sua presença mais articulada na vida do país ocorre com o advento do Brasil republicano, período da história brasileira que tem início em 1889 e nasce sob o patrocínio intelectual do liberalismo”