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TRAJETÓRIAS DO FRACASSO ESCOLAR: O CASO DE TADEU SANTOS

5 EVASÃO E FRACASSO ESCOLAR JUVENIL A PARTIR DAS HISTÓRIAS

5.1 TRAJETÓRIAS DO FRACASSO ESCOLAR: O CASO DE TADEU SANTOS

Inicialmente, entendemos como pertinente partir da fala de um dos entrevistados durante a pesquisa e construir uma pequena reflexão a partir da sua trajetória. Ela apresenta elementos que, ao longo deste capítulo, serão trabalhados como pertinentes na discussão sobre o fracasso escolar. Deste modo, acompanharemos um pouco da caminhada de Tadeus Santos no ciclo escolar.“Minha trajetória no I.T.C.L. começou aos 12 anos no primário, onde tive a oportunidade de conhecer excelentes educadoras. A participação de mulheres no ensino fundamental teve um impacto muito forte na minha educação, pois o modo como lanço meu olhar pro mundo hoje é fruto de uma boa parte da influência vinda de professoras que me conduziram com bastante afeto no aprendizado. Durante três anos seguidos recebi uma boa formação, o que me capacitou pra outras disciplinas, sobretudo o português, que em outras escolas fui desenvolvendo com bastante intimidade” (Tadeus Santos, 26 anos, gay, artista/pintor).

Muito mais do que medir seu desempenho escolar por reprovação ou por aprovação, as palavras deste aluno nos fazer refletir sobre pontos específicos do processo de aprendizado que tiveram uma influência positiva na vida do rapaz. Isso fica claro quando ele reflete sobre o impacto que as figuras femininas tiveram na sua vida, e quanto esta influência mudou o seu olhar sobre a vida.

Continuando a acompanhar o depoimento do aluno, entendemos um pouco da trajetória que culminou no desinteresse em relação aos estudos.“Após sair do fundamental e me envolver com outras formas de ensino percebi que mantinha proximidade com a leitura e a imaginação; porém boa parte das matérias novas não me despertaram interesse, contudo, ao regressar ao ensino médio, novamente no I.T.C.L., o colégio já estava em outras condições estruturais, e o baixo desempenho escolar de dois anos consecutivos na 7° série me fizeram desinteressar pelos estudos sistêmicos” (Tadeus Santos, 26 anos, gay, artista/pintor).

Os primeiros anos de escolarização foram muitos importantes para a vida do rapaz e ele guarda ótimas lembranças deste período, como ele mesmo coloca. Os anos posteriores foram bem diferentes. Ele pontua que a escola estava em condições estruturais diferenciadas. Aqui fica o questionamento: Será mesmo a escola? As pistas falam que o aluno havia se desinteressado das novas matérias que precisaria estudar. Faltaria apoio ou capital cultural na

28 Como explicado no capítulo 1, os nomes de todos os entrevistados foram alterados, como forma de manutenção do anonimato.

família para que esta pudesse estar junto com o aluno e lhe apoiar em algum conteúdo mais difícil para ele?

Pelas pistas que o depoimento do aluno nos dá, podemos perceber que o desinteresse do mesmo pode ter sido causado por dificuldade ou desânimo. Havia outros interesses na vida do rapaz, tanto que ele fala em desinteresse pelos estudos sistêmicos. Ou seja, havia outros interesses na vida dele que não estavam no espaço escolar, mas em outros lugares. Lugares que, pelos depoimentos, não temos condições de identificar com clareza, mas que com certeza são longe da escola e que apresentam conteúdos diferentes daqueles que lhe eram repassados. A juventude é uma época onde o horizonte do jovem está aberto a uma série de estímulos diferentes, de fontes distintas, e este rapaz em questão dividia espaços de estudos sistêmicos e não sistêmicos. Fontes distintas fazem com que jovens componham uma equação com inúmeros elementos para viver a vida presente e preparar a vida futura: escola, trabalho, vida familiar e sociabilidade, sexualidade, namoro, lazer, vida cultural. (ABRAMO, 2016, p.9).

Partindo das falas de Tadeu, os elementos que o aluno nos deixa mostram que concluir os estudos para ele tornara-se um tormento, pois tinha que estudar matérias e conteúdos que nada tinham a ver com ele. No entanto, por algum motivo ele entendeu que precisava esforçar-se e, independente das suas motivações, concluir o ensino fundamental. “Embora fosse chato ter que se empenhar em ‘concluir’ os estudos, algumas coisas ainda né despertava interesse, a literatura e a filosofia me prepararam pra o mundo, e muito do que faço hoje gira em torno do que extraí dessas disciplinas” (Tadeus Santos, 26 anos, gay, artista/pintor).

Para pensarmos esta trajetória de “sucesso” é necessário estabelecer alguns critérios de analise em relação ao público pesquisado, que tem características bem diferenciadas da juventude dourada que tem suas necessidades básicas garantidas. O período de juventude das classes populares acontece de maneira muito diferente, pois questões como o estudo (formal ou informal) dividem atenção com questões vitais como a sobrevivência própria e da família. Ao olhar para estes jovens não podemos ter o entendimento que suas vidas foram lineares, que tiveram a oportunidade de brincar na infância e agora estão se preparando para a vida. “No período do ensino médio, por volta dos anos 2013, 2014 até concluir em 2015, tive experiências mais evolutivas no sentido da minha formação como indivíduo no meio social. A perspectiva de vida num lugar pouco desenvolvido economicamente me fez refletir um pouco sobre meus estudos e no quanto aquilo iria impactar na minha vida, na minha sobrevivência” (Tadeus Santos, 26 anos, gay, artista/pintor).

Portanto, vemos um jovem com uma ciência muito acentuada do lugar que ocupava, sob uma perspectiva socioeconômica, além do questionamento prático do que aprendia e como seriam usados, no dia a dia, os conhecimentos que adquirira na escola. De um lado uma necessidade real de garantir o sustento, e de outro uma sensibilidade que despertava para as artes e para a pintura. Os conteúdos na escola não estavam ajudando o jovem em nenhuma destas frentes, que constituíam o seu interesse imediato. Tanto que ele se pergunta: Que impacto terá na minha vida o que estou aprendendo? Esta pergunta é constante na trajetória de muitos jovens, pois:

As desigualdades de trajetórias escolares e sociais estão associadas as dificuldades que as escolas, por princípio, universalistas têm em lidar com a diversidade de identidades que podem ser encontradas nos sistemas de ensino latino-americanos, que se tornaram mais abrangentes (BARBOSA, 2011, p. 22 - 23).

Ainda acompanhando o depoimento de Tadeu, podemos perceber que as necessidades e percepções dos alunos podem convergir para elementos diferentes do que são planejados pela escola.“A forma de ensino se baseava em métodos convencionais que pouco tinham haver com liberdade de expressão, a ocupação do indivíduo no meio em que vive; pouco espaço pra Arte, aliás quase nenhum, me fizeram buscar outras formas de estudar, sempre dando foco aos meus aspectos e quanto aquilo iria de alguma forma servir pra a sociedade” (Tadeus Santos, 26 anos, gay, artista/pintor).

No depoimento de Tadeu, vemos que as artes já tinham um lugar de destaque na vida do jovem e, no entanto o colégio não oferecia estimulo neste sentido. O jovem se sentia deslocado em termos de aprendizagem como podemos perceber na sua fala. A identidade de artista jovem parecia ser bem difícil para o jovem, mas ele estava disposto a buscar este referencial para desenvolver a sua arte. Não havia formas para ele se expressar, o ensino era tradicional e formal. E o rapaz tinha vontade de conhecer, estudar um conhecimento que a escola não daria para ele. Ele busca outros espaços e saber com linguagens que realmente dialogassem com ele e seus interesses. Através da fala de Tadeu podemos o quanto a escola estava (e ainda hoje provavelmente está longe de jovens que possuam interesses artísticos). “Na verdade a escola e tantas outras não tão nem aí pra esses aspectos íntimos de artista. Não foi isso q quis dizer, mas nunca me limitei não, isso né servia de gás. Mas só pra deixar claro que nunca fui um condenador desinteressado pelos valores da escola não, só acho que no espaço artístico e na questão do indivíduo de sentimento, de emoção, as escolas deixam muito a desejar, sempre senti isso” (Tadeus Santos, 26 anos, gay, artista/pintor).

As diversas discussões acerca do termo juventude remetem a uma série de definições divergentes, como faixa etária, contingente populacional, categoria social ou geração. Mesmos nas discussões sobre juventude as discussões sobre juventude ficam de lado. No entanto, a demarcação desta etapa da vida é sempre imprecisa, sendo o seu fim marcado pelas seguintes dimensões: terminar os estudos, viver do próprio trabalho, sair da casa dos pais e ter sua própria casa, casar, ter filhos (FREITAS, 2005), mas que para o público da noite não há consistência teleológica.

Quando procuramos pensar essas demarcações na realidade escolar, até certo ponto fica turva, tendo em vista que muitas das dimensões como essas são simultâneas. Na EJA essas dimensões não têm um fim, tendo em vista que para muitos deles a última demarcação dessa etapa de vida é o “terminar os estudos”. Segundo dados de nossa pesquisa, pelo menos 37 (74%) já vivem do trabalho, 29 (58%) possuem filhos, só para ficar nas mais gritantes. Esses números são menores no ensino regular noturno, sobretudo por apenas 5(11%) possuem filhos, mas a necessidade de trabalhar para ajudar a família ainda é alta 21 (48%) necessitam de trabalho para ajudar nas despesas de casa. No dia, no universo de 130 alunos do Ensino Integral Técnico, mesmo estando na escola de 7:30 às 17:00, 26 deles (20%) trabalham, 30 deles (23%) dizem que precisam ajudar nas despesas de casa. Mesmo quando estão na idade escolar correspondente a necessidade de subsistência, não só dele, mas também da famílias fica evidenciado.

Podemos imaginar o que significa acrescentar a estas preocupações ser artista. Tais condições desembocam em fatores que definem a condição de adultos, pois assim superam o período de preparação, estando aptos a produzir e reproduzir a vida em sociedade e assumindo as responsabilidades pela sua condução.

Precisamos relembrar que estamos falando de um aluno que estuda numa escola pública na cidade de Cubati, interior da Paraíba. Sabemos o quanto é importante, para entendermos a relação destas duas categorias - Juventude e desigualdade -, pensarmos também nas categorias de socialidade, gênero e desigualdade racial como componentes deste caldeirão formativo. A reflexão das diferentes categorias permitirá articular conceitos fundamentais para a análise do desempenho dos jovens de camadas populares.