• Nenhum resultado encontrado

A educação obrigatória para os que não tiveram acesso na idade própria: a

4 A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DOS ADOLESCENTES EM

4.3 A educação obrigatória para os que não tiveram acesso na idade própria: a

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) surge como espaço para combater o analfabetismo: em suas raízes o trabalho de Paulo Freire, com seus projetos de alfabetização popular e de educação com adultos. Todavia, Freire (1981, p.11) propunha uma superação da compreensão do analfabetismo como ““erva daninha”, “enfermidade”, “chaga” ou “como a manifestação da “incapacidade” do povo, de sua “pouca inteligência”, de sua “proverbial preguiça””.

Seria preciso, pois, considerar o analfabetismo como uma das expressões concretas de uma realidade social absolutamente injusta e não resumi-lo a “um problema estritamente linguístico nem exclusivamente pedagógico, metodológico, mas político, como a alfabetização através da qual se pretende superá-lo. Proclamar sua neutralidade, ingênua ou astutamente, não afeta em nada a sua politicidade intrínseca.” (FREIRE, 1981, p.13).

72 Em seu texto, Carvalho (2017) busca identificar, na obra de Arendt, as discussões a respeito do direito à educação. Nesse sentido, relaciona as ideias de público, privado e sociedade. O público aparece com o sentido de comunidade, de exterior, de mundo criado pelo artifício humano; o privado ganha conotação de espaço privado do lar e do ser; a sociedade de consumidores, identificada por Arendt como sociedade ou social revela as interligações do social com o econômico, levando a discussão de que a sociedade seria menos uma comunidade política ou cultural e mais uma associação gregária cujo objetivo é a circulação de bens de consumo e a maximização da produção; relações econômicas que estariam presentes, agora, no próprio desenvolvimento da educação, nos modelos de aprendizagem e formação educacional.

73 A formação educacional implica acolher e iniciar os que são novos no mundo, com o intuito de torná-los aptos a dominar, apreciar e transformar as tradições culturais que formam sua herança simbólica comum e pública (CARVALHO, 2017, p.24).

74 A perspectiva de educação, nos seus aspectos formais e informais, como elemento dessa interação e da autonomia conduz a pesquisa e justifica a escolha desse direito fundamental e o seu tratamento a partir do entendimento dos adolescentes que vivenciaram situação de rua.

75 O sujeito privado da educação seria o oprimido e sua tarefa seria a libertação. O conhecimento seria o meio de libertação, cabendo, portanto, à educação e ao educador unir prática e teoria em busca de uma educação orientanda no sentido da libertação:

Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade referida. (FREIRE, 1987, p.17).

Portanto, seria necessário deixar de enxergar cada um dos jovens ou adultos analfabetos como se fossem diferentes dos demais (num sentido de exclusão), e passar a reconhecer suas experiências existenciais e o acúmulo de conhecimentos que cada experiência os permitiu (os formando diferentes enquanto sujeitos).

A Constituição de 1988, em seu artigo 208, assegurou a oferta gratuita de educação básica obrigatória aos que a ela não tiveram acesso na idade própria – dos 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos, assim como, o artigo 24, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), estabeleceu que através do sistemas de ensino seja garantida a oferta de educação de jovens e adultos (EJA) e o ensino regular noturno, adequado às condições do educando.

A LDB tem disciplina própria para a Educação de Jovens e Adultos, sendo destinada, nos termos do artigo 37, “àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria” (BRASIL, 1996, p.16), no que podem ser enquadrados a maioria dos adolescentes e jovens participantes da pesquisa, que em virtude da situação de rua estiveram ausentes da escola.

Além disso, a prestação educacional através da EJA deve ser gratuita, conforme o artigo 37, § 1º, assegurando “aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.” (BRASIL, 1996, p. 16).

O parágrafo único do artigo 5º, da Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) nº 1, de 05 de julho de 2000, estabeleceu a identidade própria da Educação de Jovens e Adultos, como etapa da Educação Básica, considerando as situações, os perfis dos estudantes e as faixas etárias, pautando-se pelos princípios da equidade, da diferença e da proporcionalidade na apropriação e contextualização das diretrizes curriculares nacionais, com o fim de propor um modelo pedagógico próprio que

76 assegure: i) quanto à equidade, “a distribuição específica dos componentes curriculares a fim de propiciar um patamar igualitário de formação e restabelecer a igualdade de direitos e de oportunidades face ao direito à educação” (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO; CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA, 2000, p.1); ii) quanto à diferença, “a identificação e o reconhecimento da alteridade própria e inseparável dos jovens e dos adultos em seu processo formativo, da valorização do mérito de cada qual e do desenvolvimento de seus conhecimentos e valores” (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO; CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA, 2000, p.1); e iii) quanto à proporcionalidade, a disposição adequada dos componentes curriculares “face às necessidades próprias da Educação de Jovens e Adultos com espaços e tempos nos quais as práticas pedagógicas assegurem aos seus estudantes identidade formativa comum aos demais participantes da escolarização básica.” (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO; CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA, 2000, p.2).

Quanto à idade mínima para ingressar nos cursos da EJA, a Resolução CNE/CEB nº 03, de 15 de junho de 2010, em seu artigo 6º, indica: i) a de 15 (quinze) anos completos, inclusive para a realização de exames de conclusão do Ensino Fundamental; e ii) a de 18 (dezoito) anos completos como “idade mínima para matrícula em cursos de EJA de Ensino Médio e inscrição e realização de exames de conclusão de EJA do Ensino Médio.” (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO; CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA, 2010, p. 2).

Além disso, o § 2º do artigo 37 da LDB indica que “o Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si” (BRASIL, 1996, p.17), ao passo que o § 3º do mesmo artigo determina que “a educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional, na forma do regulamento”, como incluído pela Lei nº 11.741, de 200875 (BRASIL, 1996, p. 17).

Inclusive, as Metas 8 (oito), 9 (nove) e 10 (dez) do Plano Nacional de Educação de 2014, relacionam-se, respectivamente: i) à elevação da escolaridade média da população jovem, de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, principalmente das populações do campo, da região de menor escolaridade do País e dos 25% mais pobres, e dos declarados negros; ii) à elevação da taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou mais para 93,5% ,

75 A Lei nº 11.741, de 16 de julho de 2008, estabeleceu alterações em dispositivos da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica.

77 bem como erradicação do analfabetismo absoluto e redução, em 50%, da taxa de analfabetismo funcional; e iii) ao oferecimento de, no mínimo, 25% das matrícula da EJA, nos ensinos fundamental e médio, de forma integrada à educação profissional (BRASIL, 2014, p. 8-10).

Tais proposições levam em consideração o uso de estratégias que valorizam e ampliam o funcionamento da Educação de Jovens e Adultos, considerando, inclusive, que para o seu melhor desenvolvimento cabe a institucionalização de um sistema educacional público como política pública de Estado e não apenas de governo, “assumindo a gestão democrática, contemplando a diversidade de sujeitos aprendizes, proporcionando a conjugação de políticas públicas setoriais e fortalecendo sua vocação como instrumento para a educação ao longo da vida”, nos termos do artigo 2º da Resolução CNE/CEB nº 03, de 2010 (CONSELHO

NACIONAL DE EDUCAÇÃO; CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA, 2010, p.1).

Neste ponto reside, justamente, a necessidade de fortalecimento de uma política educacional destinada aos grupos de sujeitos excluídos do direito à educação e, por isso mesmo, a um grupo diverso, que exige práticas pedagógicas também diversas, capazes de adequação às suas vivências, o que não parece acontecer, pelo menos, segundo os relatos dos participantes da pesquisa76. A exemplo do que indicou João durante a pesquisa: “O que eu vejo, é que é o mesmo professor pra três matérias. Sei lá! Pra quatro matérias, o meu professor é quatro matérias, de história, geografia, cidadã para o meu trabalho, sei lá, formação para o meu trabalho, aí tem religião, é um absurdo”. Ou do que disse Daniel: “Não, a escola que eu tô não tá não [contribuindo para a construção de seu futuro]! Que os alunos fazem é bagunçar. Sujar a sala. Não, mas tem uns que vai pra prestar atenção mesmo. Ai vê não, tem gente que brinca lá...”.

Inclusive, quanto à Educação de Jovens e Adultos, o Conselho Nacional de Educação propôs, dentre outras questões, a adoção da idade mínima de 18 (dezoito) anos para exames de EJA, garantindo o atendimento aos adolescentes de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos na rede regular de ensino, responsável, portanto, pela obrigatoriedade da oferta, permitindo a “adoção de práticas concernentes a essa faixa etária, bem como a possibilidade de aceleração de aprendizagem e a inclusão de profissionalização para esse grupo social.” 77 (COMISSÃO

76 Entre os participantes da pesquisa, cinco estavam matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA), todos em escolas distintas.

77 Essa pauta adotada pela Conferência Nacional de Educação (CONAE) reflete, de fato, as expectativas dos meninos que fizeram parte desta pesquisa, no sentido de que o modelo de educação que lhes é oferecido, através da EJA, não é suficiente para lhes garantir o direito à educação, considerando as especificidades de suas vivências educativas e sociais.

78 ORGANIZADORA NACIONAL DA CONAE, 2010, p. 148).

Ou ainda, “assegurar o direito ao acesso e à permanência de educandos/as com necessidades educativas específicas [o caso dos meninos que vivenciaram situação de rua], oferecendo estrutura material, recursos didáticos, profissionais habilitados/as e segurança, na EJA, para adequado atendimento às suas especificidades.” (COMISSÃO ORGANIZADORA NACIONAL DA CONAE, 2010, p. 149).

Necessário, pois, que a EJA seja identificada como uma política de educação básica promissora no combate ao analfabetismo e não apenas destinadas “aos problemáticos” ou “aos que não querem saber de estudo”, abrindo espaço para que o trabalho seja realizado pleno de condições de educação e não apenas para que os números digam que o Brasil está perto de alcançar a erradicação do analfabetismo ou que todas as crianças, adolescentes e jovens brasileiros frequentam a escola.